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As relações raciais no Brasil são perpassadas por preconceitos, estereótipos e discriminações que adentraram importantes instituições de educação, dentre elas a escola. Esta, do século XIX ao XX era privilégio de brancos e quando não impediam, limitavam o acesso de negros. O apagamento histórico da contribuição cultural de negros e índios pela ideologia de branqueamento e a imposição da cultura branca com predominância eurocêntrica, hegemônica, alicerçou práticas de racismo e discriminação na história brasileira, e a escola, instituição não neutra, assimilou e propagou essa cultura hegemônica, contribuindo para transformar diferenças em desigualdades. Nessa perspectiva, a história da educação brasileira é marcada pela exclusão dos negros que tiveram o direito de estudar negado, sofrendo impedimento de frequentar escolas, além de terem sua história, valores e cultura menosprezados e negligenciados nos currículos escolares. Apagar as diferenças tem sido o posicionamento da falsa democracia, que, aparentemente, agrega todos numa unidade de direitos e valores, desde que haja renúncia da cultura de um grupo étnico em favor do dominante.

Nesse segmento, homogeneização cultural a um padrão branco europeu invade também o espaço escolar, negando identidades e fazendo com que grupos étnicos neguem suas raízes. Pesquisas realizadas (CAVALLEIRO 2005; CARVALHO 2005; SANTANA; MULLER, 2012) no interior de escolas apontam a desvalorização do grupo negro, a presença do racismo, da discriminação racial e preconceitos, fazendo parte do cotidiano escolar e ditando os tipos de relações pessoais estabelecidas entre os membros da comunidade escolar, bem como os baixos índices escolares, abandono e exclusão a que os negros estão submetidos no sistema de ensino, mostram também, que o tratamento desigual e discriminatório é causa de evasão. Desde o período colonial até os dias atuais, os reflexos dessa exclusão, abandono e discriminação causada pelo pertencimento racial ainda são sentidos na educação, bastando uma consulta à história para tal constatação.

No Brasil colonial, os escravos de um modo geral não podiam frequentar escolas e nem serem alfabetizados, salvo algumas exceções quando, para o controle e aculturação em fazendas de padres jesuítas, alguns eram ensinados a ler e escrever. A legislação do Império de início da República tornou oficial a exclusão de negros dos bancos escolares, a exemplo pode-se citar a Constituição de 1924 que limitava o acesso à educação aos cidadãos brasileiros, deixando de lado os escravos, bem como a Reforma Couto Ferraz que pelo Decreto 1.331, de 1854, estabelecia que crianças escravas ou com moléstias graves não poderiam frequentar escolas, sendo que aos adultos nada previa em relação à instrução.

Durante o Império, o estado de exclusão permaneceu, o que pode ser percebido com a criação de cursos noturnos, criados pelo Decreto de Leôncio de Carvalho de 1878 que dava acesso a libertos e pessoas livres, sendo vetada aos escravos. No contexto em questão, por definição excludente, as escolas noturnas limitavam a presença de negros fossem eles cativos ou libertos. Pela Reforma de Leôncio de Carvalho, de 1879, os filhos de escravos poderiam frequentar escolas, mas, de fato, essa concessão não funcionou (FRANCISCO FILHO, 2001; GONÇALVES; SILVA, 2000; ROCHA, 2007; SILVA; ARAÚJO 2005).

Mesmo após a libertação, o quadro de exclusão continuou, pois, as discriminações e preconceitos manifestados pela elite e engendrados nas próprias escolas afastou de seus bancos o contingente populacional negro. As reformas educacionais implementadas no Império e República, que tentaram ampliar o acesso e gratuidade da educação brasileira, propagaram uma falsa democratização que

negligenciou um projeto educacional que visasse a atender a população negra (SILVA; ARAÚJO 2005). Embora o poder público tenha reconhecido a educação como elemento de inclusão social, o que foi oferecido aos negros os colocou à margem de uma educação de qualidade, pois o dualismo do sistema de ensino estabelecia um modelo de escola para a elite e outro modelo para os trabalhadores. Nesse contexto de exclusão, percebe-se a influência de toda uma ideologia racista e discriminatória que permeou o tratamento dispensado aos negros no Brasil, adentrando o sistema educacional, adequando-o aos interesses da classe dominante.

O cenário brasileiro, marcado pela busca de uma nacionalidade homogênea, de supremacia branca, tornou a escola um instrumento de construção dessa pretendida identidade nacional e de reprodução dos interesses da elite dominante. A escola, enquanto reprodutora da cultura dominante e da estrutura de poder em relação às classes populares, confirmando e reproduzindo desigualdades, é analisada no sistema educacional francês por Bourdieu e Passeron (1992). Para eles a escola despreza as diferenças socioculturais presentes na sociedade, uma vez que elege e favorece em suas práticas e teorias o patrimônio cultural da elite dominante.

Assim, essa instituição pratica uma violência simbólica, que se expressa em seu cotidiano, pois impõem os valores e cultura dos que são superiores; sua ação pedagógica é exercida para reproduzir o poder cultural e social. Por isso tal ação é uma violência simbólica já que impõe um poder prepotente. A estrutura pedagógica e administrativa adotada refletem práticas de discriminação e racismo. Os currículos implantados nessas escolas refletem a ideologia dominante, pois não se voltaram para atender o negro, já que este sempre foi considerado insignificante. Segundo Rocha (2007, p. 18) “[...] o currículo é fruto de uma opção teórica e política”, o que leva a crer que o mesmo resulta de escolhas, de intenções, que geralmente são de um grupo que quer manter sua posição na sociedade, portanto, o currículo reflete a ideologia dominante que permeia a sociedade e a escola.

O Sistema educacional brasileiro primou por um currículo que visava à assimilação da diferença, negando a presença e a história de negros e índios, pois, a busca pela construção de um país branco, cristão, ocidental levou ao silenciamento das tradições negras evidenciando os padrões europeus. Foi nessa perspectiva que a historiografia oficial deixou no esquecimento a história e o legado

cultural dos negros e abordou uma história que ia ao encontro dos interesses da elite, portando, de uma história europeia, branca, judaico cristã. A educação aproveitou-se do sentimento negativo e desvantajoso de ser negro para incitar a vontade de ser branco (ROCHA, 2007; SILVA, P., 2007). É nesse sentido que a escola passa ser vista como um instrumento que pode fragilizar a identidade negra, desqualificando culturas e modos de viver diferentes dos homogeneamente estabelecidos. Gomes (2002) destaca que identidade negra é uma construção social histórica, política e cultural carregada de contendas e consensos, acarretando a elaboração de um olhar dos sujeitos que pertencem a determinado grupo a partir da percepção do outro. Nesse sentido:

A escola pode ser considerada, então, como um dos espaços que interferem na construção da identidade negra. O olhar lançado sobre o negro e sua cultura, no interior da escola, tanto pode valorizar identidades e diferenças quanto pode estigmatizá-las, discriminá-las, segrega-las e até mesmo negá-las. (GOMES, 2002. p. 40).

A estrutura da escola discrimina e exclui, pois, a questão racial não tem espaço nas discussões, nas formações de professores, nos diálogos, nos planejamentos. É como se a questão racial estive em um tempo distante e não fizesse parte da realidade da escola. No entanto, por não ser um ambiente neutro, a escola é envolvida por tudo que acontece fora de seu espaço, o que é pensado e praticado pela coletividade. É assim, que o racismo e a discriminação racial imbricados na sociedade, penetram os muros da escola de uma forma tão sutil que se tornam práticas rotineiras, muitas vezes, até despercebidas. Em pesquisa realizada em uma escola pública de 1º grau em Belo Horizonte sobre como o contexto escolar vivenciado por mulheres negras contribuiu para a reprodução do preconceito e discriminação racial e de gênero e a interferência destes nas práticas pedagógicas dessas mulheres, Gomes (1996), observou que há na escola uma ideologia racista presente no cotidiano, podendo ser verificada em frases e práticas estereotipadas que, em primeira vista, podem aparentar inofensivas, entre os que fazem a escola.

Segundo a autora, a ideologia racial escolar não é unicamente elaborada e desenvolvida no cotidiano, mas permeia toda formação docente resultando em pouco interesse dos professores pela questão racial. Boa parte deles prefere atribuir os problemas escolares ao critério econômico. Destaca também, na pesquisa, que

as teorias racistas dos séculos XIX e XX cristalizadas no imaginário da população penetraram o ambiente escolar, alimentando conceitos e práticas racistas. Nesse sentido, a escola assimila a ideologia da incapacidade intelectual do negro, da defesa da mestiçagem e do branqueamento como tentativa de suavizar o pertencimento racial em apelo as nuances para o clareamento da raça. O mito de que no Brasil havia uma democracia racial, procurando esconder a diversidade, proclamando uma convivência harmônica entre brancos e negros, também foi absorvido pela escola, impossibilitando a luta contra práticas racistas e afirmando que as oportunidades no Brasil são dadas da mesma forma, a todos (GOMES, 1996). Em relação à teoria da democracia racial presente na escola ressalta-se que:

Na escola, observamos a presença ideológica dessa teoria ao

presenciarmos uma acrítica admiração pelo processo de

miscigenação da sociedade brasileira e quando muitos educadores resistem a uma discussão sobre a questão racial afirmando que, no Brasil, as oportunidades são dadas a todos, independentemente da sua raça/etnia, e que se existe uma diferença a ser eliminada esta é a de classe social. (GOMES, 1996 p. 71).

A escola envolvida pelo ideal da democracia racial e miscigenação não reage às práticas de discriminação racial presentes na sociedade e dentro de seus próprios muros, ajudando a perpetuar a visão negativa da diversidade e o sentimento de inferioridade e de não pertencimento daqueles que são considerados distintos, que não estão dentro dos padrões unitários de sociedade. Em pesquisa realizada por Candau (2003) ficou evidenciada a discriminação que sutilmente envolve práticas sociais e educacionais nas mais variadas dimensões. Para Silva, P. (2007), a prática de ignorar e ocultar a diversidade do outro é entendida como sendo democrática e produz a imagem do brasileiro cordial, pois desconhece suas pungentes diferenças. Mas, até que ponto ignorar uma realidade presente na sociedade pode ser considerado como democrático? Essa é uma forma de distorcer os problemas causados pela forma racista e discriminatória com que a classe dominante brasileira sempre tratou os negros, passando a falsa imagem de uma sociedade em que todos são tratados com igualdade, numa tentativa de evitar e negar os conflitos.

A não visibilidade e negação do racismo e discriminação racial no cotidiano escolar por parte da sua comunidade agravam ainda mais o problema, impossibilitando a articulação de estratégias que possam vir combatê-las. Para que

se possa enfrentar qualquer forma de discriminação, é preciso primeiro que se reconheça sua existência, e, a partir desse reconhecimento, se tracem mecanismos de enfrentamento. O descaso da população negra em relação a educação é herança de um passado que insiste em se manter. As escolas brasileiras nasceram nas estruturas do racismo e da negação do mesmo, requerendo uma complexa intervenção. Assim, para se intervir nessa realidade tão enraizada e complexa, buscando mudança, é preciso que se tenha disposição, compromisso e esteja aberto ao diálogo e ao novo paradigma de educação que valorize a diversidade.