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A implantação da Lei 10. 639/032, que torna obrigatório o ensino da História e cultura afro-brasileira nos currículos escolares, está ligada à própria trajetória de luta o movimento negro e às suas reivindicações por acesso à educação e qualidade do ensino. A referida lei, modifica a Lei nº 9.394/96 que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, alterando os artigos 26-A, 79-A e 79-B, estabelecendo que os conteúdo programáticos a serem abordados, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileira, versarão sobre estudo da História da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política, pertinentes à História do Brasil, bem como estabelecendo que o calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como Dia Nacional da Consciência Negra (BRASIL, 2003).

Essa lei constitui parte de um conjunto de ações afirmativas e apresenta muitas possibilidades e desafios no sentido de ampliar os direitos de cidadania, reconhecer a importância de combater preconceitos e racismos, bem como questionar abordagens educativas eurocêntricas, presentes no currículo escolar. (PEREIRA, 2008). Nesse sentido, requer a implantação de ações em diferentes instituições e espaços sociais, mais especificamente nas escolas que visam uma educação que contemple as questões raciais. Assim, torna-se uma importante aliada na educação das relações étnico-raciais, antirracistas, gerando impactos e desafios para as instituições de ensino que precisam se adequar a essa realidade. Nessa perspectiva, entende-se que “[...] a superação da perspectiva eurocêntrica de conhecimentos e de mundo torna-se um desafio para as escolas, os educadores o currículo e a formação docente.” (GOMES, 2008, p. 527).

A Lei nº 10.639/03, portanto, apresenta uma proposta bem desafiadora, requerendo diretrizes que norteiem sua implementação. Dessa forma, vendo a necessidade de regulamentar as alterações trazidas à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, o Conselho Nacional de Educação emitiu o Parecer CNE/CP 003/2004, dirigido aos administradores dos sistemas de ensino e seus professores,

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A partir de 2016, a redação do Art. 26 A da Lei nº 9.394/96 passou a ser dada pela Lei nº 11.645/08, que torna obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio das escolas públicas e privadas.

que estabeleceu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais para o ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, instituída pela Resolução CNE/CP nº 01/2004, que detalha os direitos e obrigações dos entes federados frente à implementação da mencionada lei. As referidas diretrizes, constituem orientações, referencias e critérios para o desenvolvimento de ações nos estabelecimentos de ensino. Têm por objetivos assegurar o reconhecimento, o respeito e a valorização da cultura e da história afro-brasileira, desfazendo exteriorizações que refletem o racismo; valorizar a identidade negra, reconhecendo a pluralidade étnico-racial; orientar as instituições educacionais para a educação das relações étnico-raciais, tendo em vista superar manifestações de racismo, preconceito e discriminação, problematizando questões raciais e apontando para o desenvolvimento da excelência de práticas pedagógicas (BRASIL, 2004a; BRASIL, 2004c).

O que esse documento estabelece, leva ao questionamento das relações e práticas desenvolvidas nas instituições de ensino, visando contribuir para o reconhecimento e o respeito à diversidade social e cultural no interior das escolas. Tendo como objetivo colaborar para que as instituições de ensino cumpram com as determinações legais da lei 10.639/03 e das Diretrizes, enfrentando os preconceitos, racismos e discriminações, o MEC elaborou em 2009 o Plano Nacional das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (BRASIL, 2004a; Brasil, 2004c).

O que se percebe com a implantação da Lei em questão e das suas regulamentações é uma busca por ampliar os currículos escolares para o respeito, o reconhecimento e valorização da diversidade étnico-racial da sociedade. Isso é percebido no pronunciamento das diretrizes:

É importante destacar que não se trata de mudar um foco etnocêntrico marcadamente de raiz europeu por um africano, mas de ampliar o foco dos currículos escolares para a diversidade cultural, racial, social e econômica brasileira. (BRASIL, 2004a. p.17).

A diversidade como um dado da realidade brasileira é reconhecida na crítica ao eurocentrismo presente nos currículos oficiais. As tentativas de alteração curricular nessa perspectiva, já haviam iniciado com a inclusão da Pluralidade

Cultural como um dos Temas Transversais na criação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), embora as questões da diversidade nesse documento tenham se dado numa perspectiva universalista de educação, não se mostrando eficiente para promover a discussão da educação das relações raciais nas escolas (BRASIL, 1998). Ainda em 1996, com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9394/96, tem-se, embora de forma tímida, uma flexibilização curricular e valorização da diversidade, como medida antirracista e de reconhecimento de participação das matrizes africanas, indígenas, europeias e asiáticas na construção da história país (BRASIL, 1996). Mais tarde, em 2003, a LDB sofreu modificações no seu artigo 26, e garantiu direitos relacionados à diversidade. Nessa direção, segue-se o seguinte pronunciamento:

Especificamente sobre a educação das relações étnico-raciais, uma legislação específica foi aprovada, e os direitos da população negra (embora não apenas dela) passaram a ser garantidos pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), por meio de seu artigo 26, que estabelece - particularmente no ensino de História do Brasil – o respeito aos valores culturais na educação e o repúdio ao racismo, na medida em que determina o estudo das contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro. (SILVA, M., 2007, p. 41).

Todos esses documentos legais que antecederam a Lei 10639/03, bem como os que a regulamentam, tem em vista um currículo plural para além das abordagens e práticas eurocêntricas. Dessa forma, a inclusão da História e Cultura Afro-brasileira nos currículos tem repercussões pedagógicas e na formação docente, exigindo mudanças de posturas e comprometimentos por parte dos que querem acatar essa perspectiva curricular.

Assim, as instituições de ensino, entre outras ações, devem: apoiar os docentes na elaboração dos Projetos Políticos Pedagógicos (PPP), planos, seleção de conteúdos e métodos de ensino, visando a educação das relações étnico-raciais; fazer articulação entre os sistemas de ensino com centros de pesquisas núcleos de estudos afro-brasileiros e comunidades, visando a formação de professores; incluir nas matrizes curriculares a questão racial; incluir em documentos normativos e de planejamento (estatutos, regimentos, planos pedagógicos, e de ensino) objetivos e procedimentos, visando o combate das discriminações e a valorização das histórias e culturas afro-brasileira e africana; produção e monitoramento de livros e materiais didáticos ( BRASIL, 2004a). Essa legislação impactou diretamente a formação inicial

e continuada de professores, já que trabalhar a história dos afro-brasileiros numa visão positivada requer desse público um conhecimento que se distancie de visões estereotipadas e folclorizada do continente africano, dos africanos e afro-brasileiros, desconstruindo perspectivas teóricas hegemônicas, eurocêntricas, monoculturais.

A Lei 10.639/03 representa um avanço para a educação porque traz uma proposta de tratamento das questões raciais no âmbito das diretrizes curriculares, levando as escolas a repensarem a educação para relações étnico-raciais. No entanto, não houve uma preocupação na definição de metas para sua implementação, pois algumas questões deveriam estar definidas como: a necessidade de qualificação de professores; reformulação nos programas de graduação, em especial das licenciaturas; os órgãos responsáveis pela sua implementação. Dessa forma, apresenta falhas no compromisso com sua execução (SANTOS, 2005).

A resistência na institucionalização da lei por parte de educadores, gestores e governos, bem como na falta de ampliação de programas federais também limitam a sua implementação. A pesquisa “Práticas pedagógicas de trabalho com relações étnico-raciais na escola na perspectiva da lei nº 10.639/03”, sob a coordenação da prof.ª Drª. Nilma Lino Gomes revela os desafios enfrentados no processo de construção de uma educação para as relações étnico-raciais, concluindo que os trabalhos pedagógicos para essa educação são realizados a partir de ações individuais. Revela ainda pouco enraizamento nas escolas e nos currículos sobre essa temática, e baixo grau de institucionalização dos parâmetros curriculares proposto pela citada lei (GOMES, 2012a).

Vale ainda destacar o percurso percorrido para sua aprovação, passando por arquivamentos e engavetamentos. De forma geral a Lei nº 10.639/03 inspira-se na Constituição Federal de 198, quando define a educação como direito social. Foi com base no texto constitucional que o deputado Paulo Paim apresentou a primeira proposição do que seria mais tarde a citada lei que, aprovada na Câmara, foi arquivada no Senado em 1995. Ainda no mesmo ano o Deputado Humberto Costa, por solicitação do Movimento Negro, apresentou o projeto de Lei 859/95, que embora tenha sido aprovado na Comissão de Educação, foi também arquivado. Foi do projeto de Lei 259/1999 apresentado pelos Deputados Esther Grossi e Bem-Hur Ferreira que resultou a Lei nº 10639/03. Após tramitação pela Comissão de Educação, Cultura e Desporto (CECD) e Comissão de Constituição, Justiça e

Redação (CCJR) sem contestações, debates e sem apresentação de ementas, o referido projeto de Lei cumpriu todos os prazos legais, recebendo parecer favorável do relator da CECD, sendo encaminhado ao Senado onde foi aprovado como Lei nº 10.639/03 (XAVIER; DORNELES, 2009).

É certo que a Lei em questão é um marco para a educação no país, pois, ao tornar obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira nos currículos escolares, abre-se espaço para abordagem das questões raciais e étnicas, buscando compreender as dinâmicas das relações raciais no Brasil. Porém, para sua concretude e eficácia faz-se necessário que a sociedade se mobilize favoravelmente. Esse é um outro caminho a percorrer.

CAPÍTULO 2

ENSINO MÉDIO E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS

Este capítulo problematiza o ensino médio, destacando-se seu percurso histórico e elitista, percalços, avanços, organização, oferta e desafios, bem como sua importância, enquanto etapa da educação básica. Aborda-se o ensino de história e as marcas homogeneizantes e eurocêntricas de seu currículo, e problematizam-se ainda, as práticas pedagógicas para a educação das relações étnico-raciais.