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A atuação do Poder Judiciário na identificação e repreensão da prática de Alienação Parental.

3. O RECONHECIMENTO DA ALIENAÇÃO PARENTAL PELOS TRIBUNAIS

3.1 A atuação do Poder Judiciário na identificação e repreensão da prática de Alienação Parental.

Como já dito, a Família é a base da sociedade, devendo ter sua formação e constituição protegida pelo Estado, o qual, apesar de não intervir diretamente, garante aos seus membros a preservação de sua integridade física e psíquica, bem como de seus valores sociais e morais, principalmente aos menores.59

Assim, em processos de dissolução conjugal, o Judiciário deve ter um cuidado redobrado, tendo em vista que, em sua maioria, possuem provas pré-constituídas que imputam ao genitor alienado uma conduta não condizente com seu papel de garantidor.

Dessa forma, as ações de dissolução conjugal, por vezes, vêm acompanhadas de denúncias feitas ao Conselho Tutelar, boletim de ocorrência na Delegacia do Menor, bem como o envolvimento do Ministério Público, com posterior oferecimento de denúncia pela Promotoria de Justiça e o recebimento da mesma pelo Juízo Criminal.60

Com isso, o Judiciário entende estar diante de uma conduta que fere ao princípio do melhor interesse do menor e, diante de provas e fatos que parecem condizentes, realiza prontamente a suspensão das visitas do genitor alienado ao menor, consolidando o intuito do genitor alienador de restringir a relação familiar entre eles.

Dessa maneira, conforme salienta Maria Luiza Póvoa Cruz

Pois bem, a Carta Magna reza: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória” (art.5º, LVII). Mas, no Juízo da Vara da Família, a ação inicia-se penalizando o genitor e também o menor. A tão falada síndrome da alienação parental, hoje conhecida por todos que militam na área de

59 CONSTITUIÇÃO FEDERAL/1988. Art. 227 - É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à

criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

LEI Nº 8.069/1990 (ECA). Art. 4º - É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

60 CRUZ, Maria Luiza Póvoa. A Síndrome da Alienação parental, escudada pelo Poder Judiciário. Disponível

família, parece esquecida em situações dessa natureza. Não se indaga, não se questiona, não se produzem provas no Juízo da Família, no primeiro momento. Penaliza-se, depois se produzem as provas. Audiências, inspeção judicial, laudos de peritos da área são realizados após o genitor e a criança/adolescente serem separados pelo Juízo da causa.61

Percebe-se, dessa forma, que o Juízo, em uma primeira visão, pode negligenciar a incidência da alienação parental na dissolução das relações familiares. Deveras, a primeira atitude do juiz é proceder a penalização do genitor alienado e não a produção de provas capazes de elucidar o conflito; são aceitas as visões e ideias trazidas, em sua maioria, pelo genitor alienador.

De fato, o Judiciário relutou em considerar a prática da alienação parental como conduta intrínseca em muitos processos de dissolução conjugal, tendendo a negar e ignorar sua gravidade e as consequências que poderiam acarretar na formação psicológica das crianças e/ou dos adolescentes envolvidos.

Logo, caso o juiz baseie sua decisão apenas em declarações unilaterais feitas pelo genitor alienador, será perceptível uma clara violação ao princípio da dignidade da pessoa humana, tendo em vista que o genitor alienado poderá ser penalizado por uma decisão precipitada em virtude do envolvimento de menores.

Assim, é evidente que a situação exige cuidado, principalmente porque as alegações proferidas podem ser verdadeiras ou não, vindo a ensejar um crime contra a criança, bem como contra o genitor alienado, o qual, além de ter seu poder familiar restringido, pode vir a enfrentar um processo judicial diante de uma perícia inadequada.

Dessa forma, o art. 5º da Lei nº 12.318/2010 procurou enunciar os passos a serem produzidos diante de indícios da prática de alienação parental, priorizando, para isso, a realização de perícias psicológicas e/ou biopsicológicas, devendo ser produzido um laudo que deverá pautar-se em entrevista pessoal com as partes, exame de documento dos autos, histórico de relacionamento do casal e da separação, avaliação da personalidade dos envolvidos, cronologia de incidentes, além de exame da forma como a criança e/ou adolescente se manifesta acerca da eventual acusação contra o genitor.62

61 CRUZ, Maria Luiza Póvoa. Ibidem.

62 Lei nº 12.318/2010 Art. 5º - Havendo indício da prática de ato de alienação parental, em ação autônoma ou

incidental, o juiz, se necessário, determinará perícia psicológica ou biopsicossocial.

§ 1o O laudo pericial terá base em ampla avaliação psicológica ou biopsicossocial, conforme o caso, compreendendo, inclusive, entrevista pessoal com as partes, exame de documentos dos autos, histórico do relacionamento do casal e da separação, cronologia de incidentes, avaliação da personalidade dos envolvidos e exame da forma como a criança ou adolescente se manifesta acerca de eventual acusação contra genitor. § 2o A perícia será realizada por profissional ou equipe multidisciplinar habilitados, exigido, em qualquer caso, aptidão comprovada por histórico profissional ou acadêmico para diagnosticar atos de alienação parental.

O laudo pericial deve objetivar a constatação dos sentimentos e desejos da criança e/ou do adolescente, de modo a torná-los sujeitos ativos na proteção de seus melhores interesses e, para tanto, são estabelecidos os requisitos mínimos, já listados, para que a consistência do laudo seja assegurada, podendo até ser requerida a oitiva dos menores envolvidos.

No mais, o artigo apresenta em seu §2º a necessidade, como já salientado, de que “a

perícia será realizada por profissional ou equipe multidisciplinar habilitados, exigido, em qualquer caso, aptidão comprovada por histórico profissional ou acadêmico para diagnosticar atos de alienação parental”. No entanto, é evidente que o Judiciário necessita

uma equipe de profissionais especializados, de modo que saibam identificar a tempo as condutas ensejadoras da síndrome da alienação parental, fazendo um intenso trabalho psicológico e/ou biopsicológico para refrear os efeitos nocivos da alienação.

Assim, de acordo com Acir de Matos Gomes

A dificuldade de tipificar corretamente a alienação parental e aplicar a lei ao caso concreto, na maioria das vezes, decorre da falta de conhecimento específico dessa síndrome. Juízes, promotores, advogados, psicólogos e assistentes sociais/judiciais, carecem de conhecimento científico específico. É comum laudos serem juntados aos autos sem que haja uma devida análise da alienação parental e a ocorrência disso, infelizmente, gera injustiça premiando o genitor alienador, pois ele conseguiu o seu intento, ou seja, destruir o outro genitor (alienado) com o respaldo de uma perícia inadequada.63

Ressalte-se, portanto, que, no entender de alguns estudiosos, ao Judiciário falta estrutura para lidar adequadamente com os processos envolvendo a conduta da alienação parental. De acordo com o juiz Elizio Perez há a

sobrecarga aos peritos psicológicos, muitas vezes mal remunerados, com tempo insuficiente para examinar, em profundidade, todos os casos que recebem; ausência de investimento em cursos de aprimoramento e formação de equipes especializadas para examinar, por exemplo, as complexas situações em que se busca distinguir alienação parental de suposto abuso contra crianças e adolescentes64.

§ 3o O perito ou equipe multidisciplinar designada para verificar a ocorrência de alienação parental terá prazo de 90 (noventa) dias para apresentação do laudo, prorrogável exclusivamente por autorização judicial baseada em justificativa circunstanciada.

63 GOMES, Acir de Matos. Alienação parental e suas implicações jurídicas. Disponível em:

<http://www.ibdfam.org.br/novosite/artigos/detalhe/870>. Acesso em: 16 jul. 2013.

64 PEREZ, Elizio. “Constatava-se cegueira do Estado em relação à alienação parental.” Disponível em:

Mesmo diante de tal quadro, percebe-se que o Judiciário deve buscar sempre a efetivação do princípio do melhor interesse do menor e do direito fundamental à convivência familiar, cabendo a todos os profissionais envolvidos evitar e inibir o exercício de condutas alienadoras, sendo o Poder Judiciário o principal responsável por proferir decisões no sentido de prevenir maiores desgastes para as partes, punindo severamente o alienador.

No mais, é preciso salientar que o fato de o uso da palavra síndrome65 e sua inexistência no DSM-IV (Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais) corrobora para que o termo síndrome da alienação parental não seja amplamente recepcionado e diagnosticado pelo Judiciário. De fato, se o juiz tendencia para o uso do termo

alienação parental ao invés de síndrome da alienação parental, poderá haver dificuldade em

identificar adequadamente a causa da alienação e a busca por meios efetivos de refreá-la. Segundo Gardner, “os diagnósticos incluídos no DSM servem como fundamentação para o tratamento; os sintomas ali elencados servem de diretriz para intervenções e objetivos terapêuticos”.66

Nesse sentido, Marco Antônio Pinho ressalta que,

outro extraordinário avanço no combate à Alienação Parental será a inclusão da SAP na próxima versão do „Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais – DSM‟, atualizada pela Associação Americana de Psiquiatria. Tal fato deverá encerrar a polêmica que se arrasta há mais de duas décadas, uma vez que críticos julgavam a Síndrome „vaga, fantasiosa e tecnicamente inexistente‟ por nem sequer aparecer no referido Manual.67

Além disso, o fato da Síndrome da Alienação Parental não se encontrar descrita em referido Manual pode servir como meio de prova do genitor alienador para afastar de si a responsabilidade pela conduta da alienação parental, bem como das consequências dela advindas, salientando que referida síndrome não existe e que não é o responsável por seu desencadeamento.

65 “O termo síndrome, pela definição médica, é um conjunto de sintomas que ocorrem juntos e que caracterizam

uma doença específica. Embora aparentemente os sintomas sejam desconectados entre si, justifica-se que sejam agrupados por causa de uma etiologia comum ou causa subjacente básica. (...) a maioria (ou se não todos) os sintomas aparecem juntos”. HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes; MONACO, Gustavo Ferraz de

Campos. Síndrome de alienação parental. Disponível em:

<http://www.ibdfam.org.br/novosite/artigos/detalhe/589>. Acesso em: 23 jul. 2013.

66 GARDNER, Richard A. O DSM-IV tem equivalente para o diagnóstico de Síndrome de Alienação Parental

(SAP)? Tradução de Rita Rafaeli. Disponível em: <http://www.alienacaoparental.com.br/textos-sobre-sap-1/o-

dsm-iv-tem-equivalente>. Acesso em: 23 jul. 2013.

67 PINHO, Marco Antônio Garcia de. Alienação Parental. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 12221, 31 jul.

No entanto, de acordo com Frederick Gondin, tal afirmação não merece prosperar, haja vista que

há quem diga que por haver tal controvérsia girando em torno da Síndrome da Alienação Parental deve haver algo de duvidoso sobre a existência desse transtorno. (...). Entretanto, o fato de existir essa controvérsia não invalida e muito menos ainda impede de que seja discutida judicialmente. (...). Temos que considerar que não há como alimentar essa controvérsia diante de uma observação séria e independente. Tanto a Alienação Parental como a Síndrome da Alienação Parental são evidentes e vitimam setenta e cinco por cento das crianças e aqueles pais que não tem a guarda.68

Ademais, complementando a ideia, o referido autor salienta que

Na ocorrência da Síndrome da Alienação Parental existem duas díades patológicas a serem consideradas, uma entre o genitor alienador e a criança e outra entre o genitor alienado e a criança. A primeira é aquela em que a criança está sendo programada em uma campanha denegritória contra um genitor anteriormente amado. A segunda é aquela em que a criança demonstra hostilidade excessiva e tem medo do genitor alienado a ponto desse genitor ser visto como perigoso, desagradável, enfim, um declarado inimigo.69

Assim, torna-se claro que os profissionais que realizam as perícias psicológicas e/ou biopsicológicas necessitam deixar claras essas duas díades de forma a providenciar um laudo condizente para que o juiz tome a decisão visando o princípio do melhor interesse do menor, bem como preservação do vínculo afetivo entre o genitor alienado e a criança e/ou o adolescente.

Desse modo, decisões que envolvam o melhor interesse do menor devem ser tomadas de forma segura e eficiente, tendo em vista que o tempo é primordial para refrear os efeitos nocivos da alienação parental.

3.2 Análise das decisões dos Tribunais frente ao Princípio do Melhor Interesse