• Nenhum resultado encontrado

Atual advocacia privada no brasil

No documento A formação da advocacia contemporânea (páginas 117-121)

6.— Aos novos Advogados.

I. Atual advocacia privada no brasil

Para falar da advocacia privada contemporânea no Brasil, é preciso falar do passado.

O Brasil colônia não dispunha cursos superiores. A formação era feita na metrópole e, no caso do Direito, nossos advogados tinham que cruzar o Atlân- tico até Coimbra. Somente após a independência é que foram instituídos no país cursos de formação profissional superior. E é sintomático que os dois pri- meiros cursos tenham sido de direito e medicina.

Por muito tempo, o Brasil foi considerado o país dos bacharéis. O sécu- lo dezenove vivenciou a criação gradual e, posteriormente, exponencial dos cursos de direito no país, tendo as primeiras faculdades sido fundadas em São Paulo e em Olinda. O objetivo era formar o estamento burocrático do recém- -formado país. E o sonho dos estudantes de Ciências Jurídicas era se tornar delegado, juiz e depois deputado. O advogado era o rábula forense.

Interessante notar que a lei de criação dos cursos de ciências jurídicas e sociais em Olinda e São Paulo dividiu as cadeiras por anos, sendo o primeiro ano dedicado ao estudo do Direito Natural, Público, Direito das Gentes, análise da Constituição do Império e Diplomacia. Nos anos seguintes, o curso se dividia entre o estudo do Direito Público Eclesiástico, Direito Pátrio Civil, Direito Pátrio Criminal com a teoria do Processo Criminal, Direito Mercantil e Marítimo, Eco- nomia Política e Processo adotado pelas Leis do Império. A ênfase era clara- mente nas disciplinas clássicas, com uma formação voltada aos litígios judiciais. O curso de Direito era considerado uma formação profissional séria, que despertava vocações para várias áreas. Não havia outras possibilidades de for- mação e, por isso, o curso tinha grande procura mesmo por quem não preten- dia seguir a profissão. Veja-se que a criação da primeira universidade brasileira em 1920 por decreto presidencial de Epitácio Pessoa, a Universidade do Brasil, hoje UFRJ, ocorreu com a união entre os cursos de Medicina, Direito e a Escola Politécnica.

Com o passar dos anos, o país se industrializou e experimentou um cres- cimento vertiginoso, embora a formação dos cursos de Direito e a profissão jurídica continuassem bastante atrelados às carreiras públicas. A advocacia privada se limitava às áreas criminal e litigiosa, e era exercida por pequenos escritórios, de estrutura familiar. Nesse modelo de prestação de serviços, o advogado era visto como um profissional liberal, que prestava seus serviços de forma individual e autônoma. O exercício da profissão guardava estreita

relação — e dependência — com seus vínculos pessoais e políticos, semelhante, talvez, ao médico, ao engenheiro e ao arquiteto.

A ruptura ou, ao menos, o surgimento de um modelo paralelo a este, se deu com a criação do escritório Pinheiro Neto. Tendo iniciado suas atividades em 1942, este escritório foi o precursor, no Brasil, da estrutura full service, isto é, de um escritório, com grande número de sócios e associados, administrado efetivamente como empresa profissional de prestação de serviços. Uma série de outros escritórios seguiu este padrão de atendimento aos clientes, alguns deles frutos de cisão do próprio Pinheiro Neto. E não há dúvida de que (como acontecera na área de auditoria) os escritórios norte-americanos e ingleses acabaram servindo de modelo para a advocacia empresarial que floresceu no Brasil nos últimos anos.

A esse respeito, o desenvolvimento da profissão jurídica atual deve muito à consolidação da democracia, à onda de privatizações e à abertura econômica do país na década de 1990. Em função da expansão do mercado brasileiro, a advocacia privada se voltou para o atendimento de clientes que passaram a manter relações comerciais com empresas estrangeiras. Nesse momento, ficou claro que a função do advogado se deslocara da atividade litigiosa para a ati- vidade consultiva.

A crescente atuação da advocacia privada nos negócios globalizados pre- cisou estar atenta às implicações jurídicas das transações pretendidas, tanto a nível doméstico quanto a nível internacional. Isso implicou na necessidade não apenas de se dominar o ordenamento jurídico pátrio, mas também de se contar com uma boa noção dos ordenamentos estrangeiros. Isso porque os sistemas jurídicos nacionais possuem regras de Direito Internacional Privado próprias, que nem sempre seguem na mesma direção. Faz-se necessária, portanto, uma prévia análise dos sistemas envolvidos para saber a consequência legal de cada decisão tomada nos contratos, em relação a possíveis litígios futuros.

Por outro lado, a possibilidade de se utilizar o princípio da autonomia da vontade nos negócios internacionais permite às partes grande latitude na cons- trução do modelo jurídico adequado aos seus negócios. No entanto, para fazer essas opções, cada time de advogados, que representa interesses ligados a um determinado sistema jurídico, deve compreender não só a realidade e limi- tações do seu próprio sistema, mas também dos demais sistemas envolvidos.

Os profissionais que almejavam trabalhar no mercado da advocacia con- sultiva sentiram a necessidade de se moldar a esta nova realidade dinâmica e internacional, para a qual um novo set de habilidades — distantes do meio forense tradicional — passou a ser indispensável.

Neste sentido, aptidão para negociação, gerenciamento e análise de ris- cos, bem como fluência em inglês e experiências de estudo e trabalho no ex-

terior, fundamentalmente nos países anglo-americanos (de sistema legal de common Law), passaram a integrar — ainda que informalmente — o currículo esperado pelos grandes escritórios e almejado pelos profissionais que deles pretendem fazer parte.

A seu turno, a consolidação da advocacia privada consultiva no Brasil marcou a nova preferência dos estudantes de Direito. As carreiras públicas, associadas a algo lento, burocrático e pouco gratificante, cederam lugar aos grandes escritórios de advocacia.

Seguindo essa tendência, os escritórios de advocacia aumentaram ainda mais de tamanho. O inglês passou a ser a língua dos negócios e o Direito norte- -americano a referência a ser perseguida. Conhecimentos básicos de contabi- lidade, administração e economia tornaram-se tão ou mais importante que o conhecimento de filosofia do jurista tradicional.

Por outro lado, a cobrança de honorários também foi adaptada a esta realidade. Implementado em larga escala, o sistema de horas, já amplamente difundido no exterior, impulsionou a organização e a sistematização dos tra- balhos. A desvinculação das faturas dos desfechos longínquos dos processos judiciais permitiu ainda quantificar o valor de cada equipe e manter previsíveis o padrão de remuneração dos associados e o fluxo de caixa do escritório.

Atualmente, nota-se que os grandes escritórios têm cedido lugar para escritórios menores altamente especializados, os chamados “escritórios bou- tiques”. Nesse novo cenário, cada vez mais os diversos tipos de bancas de advocacia trabalham em projetos comuns.

Paralelamente a esse fenômeno, o Judiciário brasileiro se democratizou, abriu suas portas ao cidadão, e foi invadido por uma enxurrada de proces- sos. Nenhuma empresa pensa em ter suas disputas resolvidas nessa realidade massificada. E abriu-se o caminho para a consolidação da arbitragem como meio alternativo de solução de controvérsias, mais apropriado ao ambiente corporativo em virtude das vantagens que oferece (celeridade, especialidade, confidencialidade, menor formalidade, dentre outras).

Apesar de prevista na disciplina processual civil, a arbitragem era pou- co utilizada pelos profissionais do Direito. Objeto de revisão legislativa, a qual dotou o país de uma lei moderna (Lei 9.307/1996), preocupada em adequar e alinhar a legislação pátria aos desenvolvimentos da matéria no exterior, a arbitragem foi aos poucos se desenvolvendo e sendo adotada como uma alter- nativa ao judiciário lento e sobrecarregado, inclusive para fazer face aos litígios de origem internacional.

Com isso, também o perfil dos profissionais teve que se adequar aos novos tempos e atender às demandas específicas do novo sistema de solução de con- trovérsias, no qual o advogado exerce um papel proativo, semelhante àquele

desenvolvido nos Estados Unidos, de onde muitas práticas utilizadas na arbi- tragem surgiram e floresceram. Nos últimos anos, consolidaram-se as câmaras arbitrais nacionais já existentes e criaram-se novas, e instituições internacionais passaram a ter vários casos relacionados ao Brasil.

Mas afinal, para onde vai o profissional do direito no século vinte um? Ma- térias de revistas especializadas sugerem que os melhores alunos, com oportu- nidades múltiplas, preferem ser advogados, correr riscos e faturar alto.

O Brasil do século 21 está potencializando esse modelo. Teve-se notícia de escritórios norte-americanos “invadindo” o país em 2010, em busca de oportu- nidades, sobretudo nas áreas de infraestrutura e energia. Futuramente (e isso depende de quanto tempo a OAB conseguirá resistir à introdução de mudan- ças nas regras do mercado), os grandes escritórios brasileiros terão de con- correr com os estrangeiros — hoje limitados à consulta em direito estrangeiro e associações informais com escritórios nacionais. A disputa por uma fatia do mercado brasileiro promete ser acirrada, não apenas em função do aumento do número de empresas brasileiras que estão partindo para o exterior, mas, principalmente, em função do aumento exponencial de empresas estrangeiras com interesses no Brasil, acostumadas a lidar com escritórios globalizados e standartizados.

É curioso notar que o modelo de advocacia instituído no exterior e que serviu de base ao boom da advocacia consultiva no Brasil já passa, ele pró- prio, por questionamentos e pela constatação de que a estrutura lucrativa dos grandes escritórios já caminha (ou ao menos deveria caminhar) rumo a uma remodelagem.

A doutrina especializada aponta claramente os vícios do modelo piramidal de organização dos grandes escritórios de advocacia (que contam com uma base significativa de advogados juniores para dar conta do trabalho e poucos sócios para dividir os significativos lucros) e da prática de cobrança por horas. Premidos cada vez mais para reduzir custos com consultoria externa, os clien- tes — em geral grandes empresas — têm questionado as faturas infladas e se recusado a arcar com o custo de aprendizado dos advogados juniores, quando esperavam pagar pelo insight dos sócios sêniores que, não raras vezes, sequer participam do caso.

Por outro lado, o próprio trabalho atribuído aos escritórios tem mudado de foco. Mais uma vez, a tendência cada vez maior de redução de custos leva as grandes empresas a priorizar — quando não efetivamente procurar — al- ternativas à advocacia privada tradicional. Neste sentido, crescem o envolvi- mento dos paralegais, a terceirização do trabalho para firmas especializadas em outros países do globo, como a Índia, e a utilização de novas ferramentas desenvolvidas pela tecnologia da informática para cortar etapas burocráticas,

procedimentais ou trabalhos automatizados. O próprio papel do departamen- to jurídico das empresas tem sido revisitado. Os chamados in-house lawyers sofrem igualmente com a pressão para reduzir custos e para adotar medidas que permitam aos clientes depender menos da consultoria externa — em es- pecial para a condução de trabalhos que demandam pouca ou quase nenhuma expertise.

Neste sentido, os escritórios de advocacia brasileiros devem, em antecipa- ção aos recentes ares de insatisfação no exterior, se preocupar com os novos desafios da profissão e buscar atender às futuras demandas de seus clientes, de modo que possam estar à frente das mudanças quando estas se fizerem sentir no Brasil.

Em vista desse novo cenário, o que deve ser feito com relação à formação dos novos profissionais, para que possam assumir esse papel no Brasil e no exterior?

No documento A formação da advocacia contemporânea (páginas 117-121)