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Big Data, Programação e Multidisciplinaridade

No documento A formação da advocacia contemporânea (páginas 170-173)

Há muito se analisa dados com a intenção de antecipar fatos, criar padrões e compor a análise de riscos. Entretanto, a sociedade da informação, munida da internet, propiciou o aumento exponencial da produção e captação de dados. E as enormes quantidades de dados — os chamados grandes dados, ou big data — não mais puderam ser analisadas através das limitadas ferramentas uti- lizadas.

Em pouco tempo o termo “big data” tornou-se capa das revistas e jornais de maior circulação no país. Especialistas discutem diariamente o processa- mento e a análise sistematizada de volumes estratosféricos de dados com o intuito de descobrir padrões e comportamentos talvez não tão evidentes.

Nesse caminho, empresas passaram a colher e estocar dados nos mais dis- tintos segmentos. Objetiva-se avaliar os padrões das quedas nas bolsas de valo- res, do clima em regiões de plantio, da saúde de segurados, da utilização de ser- viços da empresa e inclusive das preferências pessoais de determinados grupos de indivíduos. Cria-se conjuntura ao mesmo tempo promissora e preocupante.

De tal modo, resta evidente o interesse da indústria nos dados — ainda que muitas vezes não estruturados — provenientes de gravações, vídeos, áudios, imagens, postagens de mídias sociais, etc. Afinal, dados passam a representar, cada vez mais diretamente, recursos monetários.

Sem dúvida que, quanto mais uma empresa conhece seus consumidores, maior a probabilidade de levar a eles produtos ou serviços de significativa re- levância pessoal, que possivelmente serão negociados. O aumento da lucrativi- dade é consequência direta da escorreita estruturação de dados e da posterior interpretação das informações extraídas.

Os próprios subsídios compartilhados na internet e nas redes sociais per- mitiram mudança de paradigma a ponto de os consumidores passarem a infor- mar aos fornecedores o que é desejado. Por meio de tais informações, empre- sas economizam tempo e recursos, direcionando-se com maior facilidade aos seus potenciais consumidores. E as análises modernas vão ainda mais a fundo, permitindo que as empresas não apenas identifiquem consumidores, mas ge- renciem sua base de clientes e os mantenha fiéis por maior período de tempo. Tal ciclo deve se perpetuar por longa data diante da constante produção e consumo de dispositivos tecnológicos pessoais que influenciam o compartilha- mento de dados.

Dessa forma, a análise de big data torna-se uma tendência indispensável para o mercado. Entretanto, ainda é necessária a figura humana durante esse

processo, seja para a tomada de decisões, seja para a análise do risco ao obter, armazenar e utilizar dados. É aqui que se exigem distintos profissionais, dentre eles o advogado contemporâneo e suas novas habilidades impostas. Contudo, alguns olhares diferentes precisam ser percebidos quando relacionamos a ati- vidade da advocacia e o big data, posto que oportunidades e ameaças fazem- -se presentes.

De início, interessante notar que poucos são os advogados já adaptados ao big data quando se trata de seu próprio negócio. O fato por si só é negativo, posto que a estruturação de determinado grupo de dados poderia, exemplifi- cativamente, auxiliar o advogado a determinar os padrões da jurisprudência em qualquer ramo ou região de interesse.

Tornam-se perfeitamente viáveis análises comparativas profundas e com- plexas antes impraticáveis. O trabalho de semanas pode ser feito em horas e refletirá um resultado ainda mais confiável, com chances significativamente maiores de convencimento do juízo ou esclarecimento do cliente.

O exame do big data permite que o advogado contemporâneo tenha in- formações segmentadas acerca de sua área de atuação, do tribunal de interes- se e de seus possíveis concorrentes, diretos e indiretos. O advogado passa a estar munido de ferramenta extremamente eficaz e eficiente.

Contudo, para que esse advogado não fique refém da contratação de ser- viços de processamento e análise, cabe ao mesmo investir em sua formação multidisciplinar. Matemática e informática, áreas nem sempre muito prezadas no meio da advocacia, já apresentam valor inestimável para o sucesso no mercado.

É imprescindível que o advogado contemporâneo aprenda a lidar com nú- meros e apresente raciocínio lógico apurado, bem como é interessante que o mesmo esteja pronto a aderir aos conhecimentos necessários para programar sistemas e escrever códigos.

Afinal, de pouco valem as facilidades apresentadas pelo big data sem uma autoridade mínima sobre a programação informática. O conhecimento básico acerca de códigos permite que o advogado personalize suas pesquisas e ativi- dades, alterando bases de dados, períodos, empresas, indivíduos, juízos, etc. As possibilidades são inúmeras a partir do momento em que tais conhecimentos são assimilados.

Apenas a título de exemplo, cita-se o projeto “Supremo em Números”, da Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getulio Vargas, que apresen- tava a missão de realizar análises quantitativas do comportamento do Supremo Tribunal Federal a partir de banco de dados com cerca de 1,4 milhão de proces- sos que datam desde 1988 até os dias de hoje3.

Os resultados obtidos pelo projeto, constantes de seus relatórios4, trazem

informações de valor extraordinário aos advogados atuantes junto ao Supremo. É imprescindível, portanto, que o advogado seja igualmente capaz de construir esse tipo de pesquisa — provavelmente com menor nível de comple- xidade — de modo a direcionar os resultados para seu campo de atuação prá- tica. Talvez seja mais valioso a determinado advogado conhecer o comporta- mento de Tribunal de Justiça específico ou entender os interesses específicos do mercado de seu cliente.

Desde decisões estratégicas em casos concretos até a análise de merca- dos, conforme exposto, as possibilidades são inúmeras a partir do momento que tal conhecimento multidisciplinar é dominado. Espera-se que o advogado contemporâneo esteja preparado para compreender e programar um sistema que localize, categorize e estruture dados, para posteriormente analisá-los e interpretá-los.

Contudo, se as oportunidades são inúmeras, também os desafios se mos- tram com força suficiente para alterar de forma significativa o mercado.

Aos poucos é notado um novo comportamento por parte de clientes, que fazem uso de big data para avaliar escritórios de advocacia de maneira ainda mais precisa. A possibilidade da análise de dados em quantidades antes impen- sadas acaba por impor uma transparência por vezes prejudicial a determinados escritórios, em regra aqueles de maior porte.

Como se sabe, é comum que empresas trabalhem com escritórios diver- sos, apartando processos e contas de forma a reduzir o risco intrínseco da con- centração em único prestador de serviços. A partir dos dados colhidos desses escritórios, poderia uma empresa avaliar com exatidão, por exemplo, os hono- rários cobrados por atividades semelhantes, o número de horas trabalhadas, o percentual de casos geridos pessoalmente pelos sócios do escritório e daque- les geridos por associados, os custos cobrados por viagens e o tempo médio para resolução de casos. Não que tal exercício já não pudesse ser feito, porém a facilidade atual torna-o praticamente obrigatório.

Assim, comparações entre escritórios e a categorização em rankings serão comuns, o que, por outro lado, tende a favorecer os já valorizados “boutique law firms” (“escritórios de boutique”, em tradução livre). Trata-se daqueles es- critórios menores, constituídos por profissionais com atuação exclusiva e ex- tremamente especializada apenas em determinada área do direito. O mercado apresenta cada vez maior procura por tais escritórios, já que se tornou relati- vamente fácil gerir contas em distintos prestadores e encontrar profissionais extremamente acessíveis.

Clientes não só passam a analisar margens mais verossímeis de sucesso em acordos e julgamentos, como igualmente começam a contratar escritórios e advogados especializados de fora da região de sua sede. Afinal, a mineração e comprovação por dados se juntou aos avanços tecnológicos que permitiam que a profissão fosse exercida sem a necessidade de se observar fronteiras geográficas — o que vem deixando de ser um problema até mesmo para o con- tencioso, diante do advento e contínuo aprimoramento do processo eletrônico. Ainda analisando a atividade advocatícia e o big data, as próprias diretri- zes de transparência pública permitem que advogados e clientes trabalhem juntos na estruturação de dados disponibilizados por governos, extraindo in- formações essenciais e até mesmo mapeando problemas jurídicos que afligem certas comunidades.

Enfim, é de se esperar que os advogados de sucesso dos tempos contem- porâneos sejam aqueles que detêm conhecimentos multidisciplinares e que es- tejam preparados para utilizar o famoso big data a seu favor. O uso e a constru- ção de sistemas e códigos que exerçam de forma célere e precisa as pesquisas, comparações, projeções e previsões parece ser parte do futuro da advocacia.

Um último breve olhar que não se pode deixar de destacar é exatamente aquele vinculado à proteção e segurança dos dados e informações de clientes, sejam pessoas jurídicas ou não. Uma vez que a mineração de dados torna-se algo comum e relativamente de simples acesso, problemas antes facilmente superados mostram-se exponencialmente majorados em número e gravidade. E nesse ponto advogados que compreendam os sistemas de proteção e a re- gulamentação específica tendem a ser proporcionalmente valorizados. Em um contexto no qual os dados tornam-se extremamente valiosos, sua proteção mostra-se igualmente apreciada e remunerada.

No documento A formação da advocacia contemporânea (páginas 170-173)