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AULAS DE DANÇA, NO ENSINO FUNDAMENTAL

No documento PRÁTICAS SENSÍVEIS DE MOVIMENTO NA DANÇA (páginas 85-99)

Marthinha Böker-Tôrres (UFBA) Beth Rangel (UFBA) Refletindo sobre contextos

O presente trabalho foi realizado com estudantes maiores de oito anos de idade, na Escola Municipal José Calazans Brandão da Silva, localizada no bairro da Santa Cruz (Salvador - Bahia), apresentando o Circo como uma Tecnologia Educacional dentro dos programas PIBID, Residência Pedagógica e no Estágio curricular. A pesquisa se manifestou como um campo de experiência e observação para o aprofundamento no projeto de dissertação do Mestrado Acadêmico em Dança.

A Escola José Calazans Brandão da Silva, localizada na Rua do Futuro n° 140, no bairro da Santa Cruz, na cidade de Salvador-Bahia, está situada num contexto de muita desigualdade social onde nem sempre se exercita e vivencia a cidadania. Questões sociais, a exemplo do tráfico de drogas e o suposto combate a elas, crimes violentos e ações policiais, constituem aspectos relevantes que reverberam nas relações dos sujeitos interpessoais e com o ambiente. A região é marcada por uma história de ocupação irregular muito comum na cidade de Salvador, bem como, as consequências sociais e estruturais desta ocupação constroem aspectos relevantes a respeito da identidade do local e dos sujeitos que ali residem.

O reconhecimento tardio, pelo poder público, da existência do bairro; bem como a interação violenta com representantes do poder público nos processos de reintegração de posse; preserva desigualdades que os oprimem e silenciam, na tentativa de um apagamento de traços culturais e identitários da comunidade (SOUZA, 2008). Bem como a linha invisível que separa o mundo em países desenvolvidos e subdesenvolvidos, evidenciando as dominações econômicas, políticas e culturais observadas por Santos (2007), características do bairro são traduzidas por uma hierarquização dos saberes e negação da

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diversidade. Ter baixa renda não significa ser mal sucedido, nem muito menos atesta incapacidades. É simplesmente consequência da conjuntura social que remunera bem certas funções, enquanto que relega outras a uma condição socioeconômica diferente e reforça a manutenção de privilégios das classes econômicas mais favorecidas que desfrutam regalias dessa desigualdade.

Além dos barbarismos referidos, existem ainda diversas outras violências simbólicas que se destacam nas relações interpessoais destes sujeitos, como por exemplo: a falta de respeito à diversidade dos corpos; a exclusão das pessoas com deficiência ou acima do peso e a hostilidade e fragmentação que se interpõem nas questões de gênero; dentre outras que interferem e dificultam o contato entre estes indivíduos. Uma característica não se dissocia da outra, mas podem se apresentar mutuamente imbricadas entre si. A violência, por exemplo, é tema constitutivo de todos os demais. A agressividade, bem como a falta de concentração são consequências de um sofrimento resultante de um contexto social e heranças invisíveis das classes economicamente dominantes, em relação às classes populares (SOUZA, 2009).

A escola pública, ainda que de forma precária em sua estrutura e funcionamento, é também uma oportunidade para o reparo de desigualdades. Assim, a presente pesquisa propõe apresentar o Circo como Tecnologia Educacional, desenvolvendo o exercício da convivência e coletividade através de práticas corporais, tratando a escola como Contexto de cidadania a partir das experiências no Pibid, Residência Pedagógica e estágio curricular.

Aqui, o termo Tecnologia, não trata somente de dispositivos digitais, de maneira geral, todas as criações que visam ampliar e facilitar a nossa atuação, produzindo soluções para questões são consideradas tecnologias, abrangendo desde instrumentos e ferramentas feitos de pedra, durante a pré-história, até complexos satélites, da atualidade, utilizados para monitorar o tempo (LÉVY, 1993). Neste ínterim, Tecnologia Educacional trata de um estudo sistematizado de processos, métodos, técnicas e instrumentos de domínios das ações humanas, envolvendo um conjunto de conhecimentos e o uso deles à serviço da educação, assinalando a preocupação com a contextualização social da

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ação e o uso de princípios científicos e instrumentos técnicos de transformação social (BRANDÃO, 2014; RENGEL et al 2018).

O Circo na escola

O Circo é uma linguagem artística plural, caracterizada por desafiar, explorar e superar os limites do ser humano. Descende de organizações singulares, as quais coexistiam em estruturações diversas até se denominar Circo (CASTRO, 2005; SILVA 2009). Constitui uma das expressões artísticas mais antigas e híbridas do planeta. Desconhece-se uma data e local precisos do seu surgimento, tendo registros em diversos países, ao longo da história da humanidade.

Referindo-se ao Circo-Dança, o termo hibridismo, incorporado por dos Anjos (2005, p. 28) e Peixoto (2010), sugere a improbabilidade da fusão completa entre os dois componentes, originando este termo composto pelos dois ingredientes, distintamente reconhecíveis e que se misturam, atravessados um pelo outro. Optamos aqui pelo termo Circo-Dança, ao invés de Circo/Dança como é proposto por dos Anjos (2005, p. 28) e Peixoto (2010), em virtude do seu significado para a língua portuguesa, onde “/” tem significado disjuntivo e “-” tem significado aditivo. A expressão Circo-Dança, refere-se a um híbrido distinto de seus precursores ancestrais, Circo e Dança (dos ANJOS, 2005; ANDRADE, 2006; CASTRO, 2005; ILKIU, 2011; PIMENTA, 2009; PEIXOTO, 2010; SILVA & ABREU, 2009; SILVA, 2014).

Durante muito tempo as técnicas circenses eram consideradas segredos absolutos dos artistas de circo. No Brasil, somente a partir da década de 1970, com a abertura da pioneira Academia Piolin de Artes Circenses, em São Paulo, passaram a surgir escolas “fora da lona” como: academias de ginástica, cursos de teatro, dança e lazer, dentre outros, os quais colocavam necessidades diferenciadas desde o modo de organização do trabalho até o processo de ensino/aprendizagem do circo tradicional clássico. Entretanto, ainda que tais instituições, companhias e grupos, tenham viabilizado e democratizado o ensino de técnicas circenses fora dos círculos tradicionais, estas foram muito questionadas e criticadas (SUGAWARA, 2008; SALVADORI FILHO &

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MACHADO 2015; FERNANDES et al. 2016). Doravante, o circo no Brasil teve a importante função de abrandar a carência de movimentos artísticos nos locais distantes dos centros urbanos, bem como o surgimento de escolas de circo proporcionou o alcance, à esta arte, por diversas camadas sociais e concretizando a democratização ao acesso à transmissão do conhecimento de modo sistemático e científico (BOLOGNESI, 2003; BORTOLETO & MACHADO, 2003). A escola de ensino formal seria um destes espaços, exercendo um papel vital na preservação dessa cultura e propiciando um processo de aprendizagem de conteúdos provenientes de uma transmissão oral.

A coletividade é um princípio fundamental que permeia as relações entre os circenses. Seja nas relações entre familiares, ou entre membros de companhias, bem como entre circenses que performam individualmente. Tendo um complexo modo de organização do trabalho e da produção artística, a partir de um agir colaborativo, o Circo se constrói sobre alicerces e conceitos de integração, cooperação e solidariedade (DUPRAT, 2007). Segundo Silva (1996) os valores, práticas e conhecimentos estão carregados da memória de relações sociais e coletivas.

Retomando o conceito de Circo como tecnologia educacional propomos repensar e discutir as relações dentro da comunidade escolar, identificando nas práticas circenses, princípios pedagógicos e metodológicos que contribuem com o desenvolvimento das dimensões conceitual, procedimental e atitudinal, em processos artísticos e educativos para a formação cidadã dos sujeitos.

Em virtude de o circo ser uma arte diversa e híbrida, misturando diversas linguagens artísticas; oportunizamos a experimentação de habilidades físicas e motoras básicas, além de apresentar um forte potencial colaborativo em processos artísticos educativos. Uma vez sistematizadas suas práticas e entendidas como um conjunto de ações e princípios metodológicos poderá contribuir com questões do ambiente educacional e pedagógico, apresentando um forte potencial para desafiar, explorar e superar os limites do ser humano, o que proporciona a experimentação do prazer e do fascínio, a superação do medo e a conquista da confiança, aos que assistem e aos que praticam

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(CASTRO, 2005; SILVA & ABREU, 2009). Mesmo em atividades individuais como: andar na corda bamba, jogar bolinhas de malabares ou performar nos aparelhos aéreos, na medida em que o suspense causado no público gera uma expectativa e um sentimento de empatia e solidariedade.

A presente pesquisa teve como objetivos: Identificar princípios metodológicos baseados em modos colaborativos em processos de ensino e aprendizagem do Circo, refletindo e avaliando as relações pessoais; construir, colaborativamente, com o grupo, modos de experimentar práticas corporais, com foco nas possibilidades motoras em dupla e em grupo; trabalhar a improvisação e a construção cênica através da relação com o outro; desenvolver um diálogo a respeito de questões atitudinais, a partir do movimento.

Trajetória da experiência com circo em ambiente formal de educação e princípios metodológicos

A pesquisa foi desenvolvida na Escola Municipal José Calazans Brandão da Silva, no período de abril de 2017 à novembro de 2019, durante as aulas de Dança que integram a matriz curricular do ensino Fundamental da Rede pública de Educação. O Componente Curricular Dança, no ensino básico, nas escolas da prefeitura de Salvador, é compreendido como área de conhecimento e uma proposta pedagógica com ações para a formação do sujeito, oferecendo ao aluno a possibilidade de expressão, por meio da atividade corporal (PINTO, 2009; MARQUES, 2010). Como aluna da escola de Dança da UFBA e estudante do movimento, experimentamos uma relação de processos de ensino/aprendizagem do Circo, criando um diálogo com abordagens e princípios metodológicos baseados em práticas colaborativas em Dança. Nesta relação entre a Dança e o Circo destacamos um embaraçado dos princípios de um e de outro, no qual ambos se destacam em constituir-se de uma profunda relação.

Assim, apresentando um diálogo entre Circo e Dança foram propostos planos de aula construídos em consonância com anseios, curiosidades e habilidades dos estudantes, a partir de uma análise de realidade, considerando

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os sujeitos e o contexto. A análise de realidade se constitui de um acolhimento diagnóstico baseado na escuta. Consideramos assim, de extrema importância que, como educadores, entendamos os contextos em que estão inseridos cada sujeito, para não fazer prejulgamentos que rotulam as relações e as ações e, por conseguinte, o ato de planejar seja imbricado das experiências dos estudantes, demarcando a importância das referências e experiências que trazem os sujeitos e seus contextos socioculturais, num processo educativo emancipatório que é conduzido a partir do que ele já sabe (RANCIÈRE, 1987; FREIRE, 2008; MOSÉ, 2014).

A estabilidade social se faz uma precondição que permite criar um indivíduo produtivo e competitivo, capaz de se concentrar e ser disciplinado (SOUZA, 2009). Existem diversos estudos que identificam as questões sociais como um fator que interfere no rendimento escolar, dificultando o desenvolvimento linguístico, cognitivo e afetivo (PATTO, 1990). Assim, é sabido que as questões sócio econômicas de uma criança devem ser consideradas no processo educativo, mas não devem jamais ser naturalizadas nem biologizadas como barreiras que impedem a criança de aprender.

A escola tem um papel importantíssimo na democratização do acesso ao conhecimento, derrubando os muros físicos, sociais, educacionais, artísticos e culturais que, separam o rico do pobre e mantêm desigualdades, as quais beneficiam apenas aqueles que têm muitos privilégios. Assim, consideramos de extrema importância entender as realidades, tornando compreensíveis as ideias elaboradas para educar com empatia e alteridade (CHAUÍ, 1980).

Foram propostas rodas de conversas nas quais trabalhamos o desenvolvimento da transmissão oral que é comum no circo, além trabalhar o poder de argumentação e a empatia no ato de escutar e considerar outras perspectivas na narrativa do outro (da SILVA, 2016; SILVA, 2012). Discutimos os benefícios do condicionamento físico e os nomes de algumas articulações e músculos, compartilhando experiências, histórias e saberes de suas vidas cotidianas e sobre a identidade do palhaço, dentre outras práticas circenses. Todos os temas foram abordados em consonância com anseios, curiosidades e habilidades dos estudantes, baseado na escuta, considerando as sugestões de

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cada sujeito.

Apresentadas e organizadas em sequências didáticas, foram realizadas dinâmicas de grupo pesquisando a técnica de jogo descrita por Boal (1953), também utilizada no treinamento de palhaços, instrumentalizando os participantes do grupo a usar o jogo como meio de criação, além de suscitar a ideia do brincar, experimentando o desequilíbrio como exercício para a confiança. Os jogos preconizam a improvisação cênica, a autonomia, a experiência, a atenção para o outro, a investigação do movimento, a pro atividade e identidade dos sujeitos (ROSSETO, 2012).

Foram realizadas sequencias de movimentos utilizando, inicialmente, a parede e objetos como: Mesas e cadeiras para o estudo de princípios como: pontos de apoio, carregas, peso, sustentação, tensão-relaxamento, saltos e contração muscular, baseados em técnicas de Acrobacia em dupla, Acroyoga e Tai Massage (SALGUERO & ROYLANCE, 2004; JESUS et al., 2012). A partir de estudos do contato com estes apoios, alguns estudantes descobriram habilidades que desconheciam.

O exercício é bastante procedimental, aprendendo a fazer por meio da reprodução de movimentos, apresentados através da demonstração, toque e condução oral, construindo instrumentos que contribuam com o desenvolvendo da competência técnica para lidar com os conteúdos e a habilidades de construí-los. Tudo ocorre sem se distanciar do atitudinal, inferindo a todo momento a importância da cooperação, trabalhando aspectos da coletividade, estabelecendo relações de escuta e atenção.

Após o trabalho com a parede e objetos, foram realizados exercícios em dupla, estudando carregas, também conhecidos no circo como portagem. Nesta prática, quem sustenta o peso carregando o outro é chamado de portô, o qual precisa ter força e postura adequada para não se machucar, a partir do encaixe de ossos e esforço resistido. Quem é carregado é chamado de volante, também conhecido como flyer ou voador. O Voador precisa de equilíbrio, confiança e resistência para a construção das figuras. Além dos dois sujeitos essenciais para a acrobacia (portô e volante), a relação é preconizada pela

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triangulação com um outro agente denominado Anjo, o qual auxilia, protege e cuida dos demais.

Ao final de cada aula, foram propostos exercícios de relaxamento utilizando os princípios da Tai Massage, nos quais os estudantes trabalham em dupla e um deles relaxa a musculatura do outro para ganho de flexibilidade, a partir do apoio e da relação com o outro (SALGUERO & ROYLANCE, 2004).

Discutimos a premissa de que autorização, concessão e respeito são imprescindíveis para que haja o toque. No trabalho com acrobacia é de extrema importância que a dupla esteja conectada e consciente do movimento. Um não carrega o outro sem que haja consentimento. Este tema foi amplamente debatido, principalmente na relação entre meninos e meninas, abordando o consenso como um princípio fundamental, não apenas durante o trabalho da acrobacia em dupla, como em todos os outros momentos de nossas vidas. Reconhecer no ensino de práticas circenses o caminho para discutir temas de relevância social, como educação sexual, representa o desenvolvimento das dimensões ética e política, na prática pedagógica. Exercitando uma participação coletiva e cidadã, fundada no princípio do respeito e da solidariedade.

Em cada projeto (Pibid, Residência Pedagógica e Estágio) estruturamos processos criativos trabalhando a improvisação e a construção cênica, através da relação com o outro e utilizando a experiência como base para a improvisação e criação de modo horizontal e colaborativo. A construção do processo de criação a partir da experiência contribuiu para o desenvolvimento da capacidade de traduzir, recriar, contextualizar e atribuir significado para o movimento, nos permitindo ver e sentir além do movimento. Essa atribuição de significado é conhecida também nas danças ritualísticas que são utilizadas como uma tradução da linguagem verbal, ou no balé que transcreve e recria histórias em coreografias.

O Circo-Dança prioriza a identidade dos sujeitos, que se organizam de modo a formular seus próprios caminhos para uma pesquisa sensório-motora. A fim de desenvolver uma construção cênica própria e única, tentamos produzir

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movimentos repletos de sentimentos e histórias, repetindo o movimento, até que se torne diferente e feito mágica, a técnica desapareça diante dos olhos, dando lugar ao verso (KATZ, 2009; PROENÇA, 2014). O movimento é uma das primeiras formas de percebermos o mundo e quem somos, de modo que a experiência sensório-motora, a percepção, o desenvolvimento da racionalidade e a intuição são estimulados por meio de práticas corporais (TAVARES, 2015). Além de contribuir com processos cognitivos, a experiência estética possibilita o atravessamento pelas dimensões conceitual, procedimental e atitudinal, do ser e conviver, tão importantes para construir perspectivas diferenciadas para a sua compreensão do mundo e em processos de participação social (DELORS, 2001). À partir de ações colaborativas em Dança combinadas às técnicas circenses, preconizamos a improvisação cênica, a autonomia, a experiência, a atenção para o outro, a investigação do movimento, a pró atividade e identidade dos sujeitos.

Considerações finais

Divergindo da expressão “Pão e Circo”, que corrobora com a ideia de que a arte circense é oferecida com o propósito de alienar o povo, apontamos o Circo-Dança como uma Tecnologia Educacional, a partir de sinalizações a seguir:

O trabalho com práticas circenses nas séries iniciais do Ensino Fundamental aponta a possibilidade de vivenciar, do ponto de vista didático e metodológico, um fazer–sentir-pensar multidisciplinar e interdisciplinar. Por sua vez, no que diz respeito a processos de aprendizagem, é possível a experiência de um trabalho físico, com repercussões conceituais, procedimentais e atitudinais, por meio do qual procedimentos metodológicos, técnicas, princípios e processos artísticos são desbotados em livre expressão, como um espaço de relação, convivência e reflexão crítica.

Os exercícios em dupla foram bem recebidos em todas as turmas. Apesar de gerar, em algumas situações, um desconforto em virtude da obrigatoriedade da relação, este foi sendo logo superado, instalando a curiosidade, a emoção, o medo e a fantasia. Nas três experiências dentro dos

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programas PIBID, Residência Pedagógica e no Estágio curricular, foram identificadas nas técnicas circenses um caminho para o desenvolvimento de habilidades físicas e motoras como o ganho de força, flexibilidade, equilíbrio, lateralidade, compreensão do espaço, consciência corporal e coordenação motora.

Além de atuar como ferramenta para a ampliação do repertório de movimentos e para a construção cênica, as práticas circenses foram fundamentais no exercício da coletividade. Carregar e se deixar ser carregado reflete e traduz aspectos das nossas vidas, quando alguém se entrega, confia, se apoia, se enxerga e se reconhece a partir do que vê no outro. Fundamentado em metáforas, que os movimentos acrobáticos sugerem, levamos muito destas relações para o nosso cotidiano. Reconhecendo que nas relações pessoais, assim como nas técnicas circenses, precisamos dominar nossos pesos e conhecer o peso do outro, passamos a nos relacionar com o mundo de forma mais compreensiva e colaborativa, adotando atitudes e práticas com mais respeito e cuidado.

Assim, as técnicas circenses apresentam um forte potencial colaborativo em processos artísticos educativos, contribuindo com o exercício de dimensões atitudinais, como a experimentação do prazer, a superação do medo, a conquista da confiança e o desenvolvimento da coletividade, diálogo, humildade, singeleza, simplicidade, respeito, empatia, solidariedade.

Constituímos um espaço para discutir e exercitar o respeito a partir da relação, se percebendo atravessado pelo outro e se permitindo atravessar-se, apoiar-se, dar apoio, tanto utilizando seus corpos como base para uma composição, como para transitar através das histórias dos outros. Assim, apoiar-se no outro vai além de carregar nas costas o peso físico de outra pessoa. É uma necessidade genuína da construção de afetos, em que pessoas se veem refletidas na imagem do outro e em uníssono de partes únicas e singulares.

O corpo é um arquivo de experiências e é por meio do qual apresentamos nossas histórias, cabendo a cada um descobrir os saberes do

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seu corpo. Compreendendo que não somos constituídos de conteúdos, mas por lógicas dialéticas entre a tese e a antítese e por fim, a síntese que é o pensamento crítico, percebemo-nos partículas colaboradoras da construção de outros seres. Reconhecemo-nos enquanto resultado da coleção de informações, emaranhados de experiências que nos cercam e afetam a todo o tempo. O ensino de técnicas circenses na educação formal é o momento de descoberta, de experiência, de expressão criativa de cada um que complementa o individual e o coletivo. É um momento de ensino e aprendizagem para ambos, sendo afetado e atravessado pela história e anseios do outro, os quais trouxeram corpos livres para experimentar.

Referências

ANDRADE, José Carlos dos Santos. O espaço cênico circense. Dissertação de Mestrado em artes Cênicas. Departamento de Artes Cênicas. Escola de Comunicações e Artes. Universidade de São Paulo. 2006.

BOAL, Augusto. 200 exercícios e jogos para o ator e o não-ator com vontade de dizer algo através do teatro. 5ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 1983. 123p.

BOLOGNESI, Mário Fernando. 2003. Palhaços. São Paulo: UNESP. 162p. BORTOLETO, M. A.; MACHADO, G. Reflexões Sobre o Circo e a Educação Física. Revista Corpoconsciência, Santo André, SP, jul/dez/2003, n. 12, p. 41-69.

BRANDÃO. ANA ELISABETH SIMÕES. A Arte Como Tecnologia Educacional. Tese de Doutorado em Educação. Faculdade de Educação. Universidade

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