• Nenhum resultado encontrado

4. ANÁLISE DOGMÁTICA DOS CRITÉRIOS PARA A APLICAÇÃO DA RESO-

4.2 Requisitos negativos

4.2.2 Ausência de mora

O segundo requisito negativo ao pedido de resolução contratual refere-se à ausência de mora da parte que invoca a resolução por onerosidade excessiva no momento da alteração das circunstâncias.

Essa condição negativa, no direito português, está positivada no art. 438 do Código Civil200 e, no direito argentino, no art. 1.198201 do Código Civil. No direito pátrio, o Projeto de Lei n. 699/2011, alterado pela Emenda n. 4, insere novo parágrafo no art. 479 do Código Civil para determinar que: “Não pode requerer a revisão ou rescisão do contrato quem se encontrar em mora no momento da alteração das circunstâncias”.202

199 “Ação revisional de cláusulas contratuais e compensação de valores pagos a maior. Contratos findos.

Revisão. Impossibilidade. Extinção do processo sem julgamento do mérito. Revisar contrato quitado é colidir contra a segurança das relações negociais. Sentença modificada. Preliminar acolhida. Apelo provido” (Ap. Cível. n. 70009395898, 9a Câmara Cível, TJRS, rel. Des. Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira,

j. em 31.05.2006).

200 “A parte lesada não goza de direito de resolução ou modificação do contrato se estava em mora no

momento em que a alteração das circunstâncias se verificou.”

201 “No procederá la resolución se el perjudicado hubiese obrado con culpa o estuviese en mora.”

202 Emenda n. 4, apresentada pelo deputado Felipe Bonier e aprovada nos termos do Relatório da Comissão

de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio, páginas 10 a 11 do referido relatório, acessado em 08 de setembro de 2014, por meio do link <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrar integra?codteor=951151&filename=Tramitacao-PL+699/2011>.

Permitir que a parte que se encontra em mora possa requerer a resolução contratual, com fundamento no art. 478 do Código Civil, seria o mesmo que afastar a boa-fé objetiva, que proíbe o venire contra factum proprium.203

Portanto, a exigência desse requisito negativo tem como finalidade evitar que a parte que descumpriu suas obrigações recorra à figura da onerosidade excessiva como uma “desculpa” para justificar o seu inadimplemento.204

Assim, o devedor, para evitar a configuração da mora na hipótese de ter dificuldades para cumprir determinada prestação, deve notificar imediatamente o credor, requerendo inclusive que as partes tentem renegociar os termos do contrato, sob pena de, em havendo negativa do credor em negociar, o devedor ajuizar a ação competente.205

Nesse sentido, a parte que invoca a resolução por onerosidade excessiva não pode, a seu exclusivo critério, eximir-se do cumprimento da prestação, mesmo que esta tenha se tornado excessivamente onerosa. Isso porque a resolução por onerosidade excessiva prevista no art. 478 do CC não é norma autoaplicável. A sua confirmação depende necessariamente de declaração judicial, inclusive para verificar o preenchimento dos requisitos legais autorizadores da resolução.206

Ademais, a parte que já se encontrava em mora no momento da alteração das circunstâncias incorre na hipótese do art. 399 do Código Civil.207 Consequentemente, alegar onerosidade excessiva nessa situação não tem fundamento legal.

203 AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Novos estudos e pareceres de direito privado. São Paulo: Saraiva,

2009. p. 191. No mesmo sentido, DIAS, Lucia Ancona Lopez de Magalhães. Onerosidade excessiva e revisão contratual no direito brasileiro, p. 420.

204 Giuliana Bonanno ilustra o problema com o seguinte exemplo: “imagine o devedor que se encontra em

dificuldade financeira e não honra a prestação, sem ter motivo que o autorize; vai depois a juízo e, como mera desculpa, pleiteia a onerosidade excessiva superveniente, apenas visando liberar-se dos efeitos da mora e dos juros e acréscimos legais que lhe seriam regularmente cobrados”. SCHUNCK, Giuliana Bonanno. A onerosidade excessiva superveniente no Código Civil, p. 97.

205 Giuliana Bonanno ressalta que “caso não haja tempo hábil para isso [notificar o credor] ou caso não haja

resposta do credor a tempo, sugere-se que o devedor ajuíze a respectiva ação e peça a suspensão do cumprimento da prestação em caráter de urgência, seja por meio de tutela antecipada ou medida cautelar. Sendo possível, sugere-se que o devedor deposite a quantia que entende incontroversa, de modo a demonstrar a sua boa-fé e a evitar prejuízos maiores ao credor”. SCHUNCK, Giuliana Bonanno. A

onerosidade excessiva superveniente no Código Civil, p. 97.

206 Nesse sentido, é o entendimento dos tribunais: “Contrato – Teoria da Imprevisão – Oneração excessiva

da prestação devida de inesperada e imprevisível alteração da situação de fato contemporânea à celebração – circunstâncias que não o dissolve de pleno direito ou autoriza o prejudicado a alterar unilateralmente seu conteúdo – imprescindibilidade de intervenção judicial para apuração dos requisitos indispensáveis à aplicação da teoria revisionista – Recusa ilegítima do contratante em receber o valor contratualmente ajustado – consignação em pagamento procedente” (RT, 643/90 – TJ/SP).

207 “O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, embora essa impossibilidade resulte de

caso fortuito ou de força maior, se estes ocorrerem durante o atraso; salvo se provar isenção de culpa, ou que o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada.”

Portanto, a parte que se vê prejudicada, ainda que entenda que a prestação se tornou onerosamente excessiva, deve continuar no regular cumprimento de suas obrigações contratuais, notificando a outra parte da alteração de circunstâncias para evitar a mora e tomar as medidas judiciais cabíveis, nos termos do art. 478 do Código Civil.

Uma alternativa para evitar a caracterização da mora e ter a oportunidade de requerer em juízo a resolução por onerosidade excessiva de um determinado contrato é o depósito do valor controvertido em juízo. Com a referida providência, a parte que pretende invocar a resolução contratual fundada no art. 478 se resguarda de eventual caracterização de mora, evitando, assim, que o juiz ou tribunal arbitral decida pela impossibilidade da resolução por onerosidade excessiva em virtude da ausência de um de seus requisitos.

Logo, na hipótese em que uma das partes pretender invocar o art. 478, visando a resolução do contrato, esta deve tomar a cautela de depositar em juízo o valor controvertido, que alega oneroso, para garantir que sua pretensão tenha êxito.

4.2.3 Ausência de relação entre a onerosidade excessiva superveniente e o risco iminente