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4. ANÁLISE DOGMÁTICA DOS CRITÉRIOS PARA A APLICAÇÃO DA RESO-

4.1 Requisitos positivos

4.1.1 Contrato de execução continuada ou diferida

O Código Civil prevê expressamente que a aplicação do art. 478 se restringe aos contratos de execução continuada ou diferida. Dessa forma, para a identificação desse requisito e consequente aplicação correta do artigo, é fundamental a compreensão da classificação contratual quanto à sua execução.

156 Nesse sentido LOPEZ, Teresa Ancona. Princípios contratuais. In: FERNANDES, Wanderley (Coord.).

Contratos empresariais: fundamentos e princípios dos contratos empresariais. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 32-35; DIAS, Lucia Ancona Lopez de Magalhães. Onerosidade excessiva e revisão contratual no direito brasileiro, p. 339. Antonio Junqueira de Azevedo também faz essa distinção, contudo as denomina condições positivas e condições negativas (AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Novos estudos e pareceres

de direito privado, p. 191).

157 Esses requisitos negativos não estão expressamente previstos no art. 478 do Código Civil. Contudo, a

doutrina os considera fundamentais para a análise do pedido de resolução contratual. Nesse sentido, SCHUNCK, Giuliana Bonanno. A onerosidade excessiva superveniente no Código Civil, p. 96-97. “Muito embora os artigos 478 e 479 do Código Civil não tratem dos requisitos negativos aqui comentados, analisaremos abaixo cada um dos requisitos aqui mencionados com maiores detalhes, na medida em que a doutrina já os considera importantes para a análise do pedido de revisão ou resolução contratual.”

Os contratos, quanto à execução, podem ser classificados como: (i) execução instantânea e imediata; e (ii) execução continuada ou diferida.

Os contratos de execução instantânea e imediata, mais frequentes na vida do cidadão, são aqueles cujas prestações de ambas as partes são iniciadas e concluídas em conjunto, no momento da celebração do contrato, não se sujeitando a circunstâncias posteriores. O exemplo clássico de contrato de execução instantânea e imediata é a compra e venda à vista, no qual o comprador, pagando o preço ajustado à vista, compra uma determinada coisa de um vendedor, que, por sua vez, entrega a coisa ao comprador no ato do pagamento, aperfeiçoando-se o contrato com o pagamento do preço e entrega da coisa.158

Portanto, pela simples sistemática dos contratos de execução instantânea e imediata, a conclusão lógica é que é juridicamente impossível que circunstâncias extraordinárias e imprevisíveis tornem a prestação onerosamente excessiva para uma das partes.

Dessa forma, a resolução por onerosidade excessiva não está autorizada nas hipóteses de contratos cujas obrigações são executadas concomitantemente à sua celebração, como é o caso do contrato de compra e venda à vista.159 Logo, o art. 478 não se aplica aos contratos de execução instantânea e imediata.160

Compreendido o conceito e, consequentemente, excluído o contrato de execução instantânea e continuada da esfera de aplicação do art. 478 do Código Civil, passemos para

158 ZANETTI, Cristiano de Sousa. Resolução e revisão por onerosidade excessiva, p. 217-227. “Os contratos

de execução instantânea costumam ser os mais frequentes na vida do cidadão. Desde a compra e venda de um simples refrigerante até a aquisição de um custoso veículo automotor, os negócios tendem a ser atuados de imediato. À prestação se segue a contraprestação, sem que haja maior intervalo temporal que o necessário para que a execução se dê com tranquilidade”.

159 KHOURI, Paulo Roberto Roque Antonio. A revisão judicial dos contratos no novo Código Civil, Código

do Consumidor e Lei n. 8.666/93: a onerosidade excessiva superveniente, p. 2. “É fato que o contrato cujas obrigações são executadas concomitantemente à sua celebração, como é o caso de compra e venda à vista, não oferece esse tipo de discussão, ainda que esses tipos contratuais possam conter o vício da lesão na cláusula preço. Nesse caso, há um vício na origem da relação negocial, e o vínculo simplesmente não se forma. Então, o que dizer dos contratos de duração? A questão colocada em debate, nesses contratos, não é exclusivamente relativa a esse vício de origem. É completamente diferente. O contrato forma-se sem nenhum vício, mas porque a execução das obrigações dele decorrentes não é imediata, como, v.g., a compra e venda a prazo, cuja relação pode ser atingida por fatos futuros, que venham afetar gravemente sua execução. Esse é um dos problemas permanentes suscitados no direito das obrigações com relação aos contratos de duração. Num primeiro momento, eles são gerados sem nenhum vício e, posteriormente, por conta de fatos supervenientes, podem deixar de vincular os contratantes. Nesse caso, ou se resolve a obrigação, a exemplo do que ocorre com a incidência do caso fortuito ou força maior, ou o contrato sobrevive, com a modificação do conteúdo”.

160 Nesse sentido, vale ressaltar que, de acordo com pesquisa jurisprudencial realizada nos tribunais

brasileiros sobre o assunto, não há registro da aplicação da cláusula rebus sic stantibus em contratos de execução imediata e instantânea (MORAES, Renato José. Cláusula rebus sic stantibus. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 178 e ss.).

a análise dos contratos de execução continuada ou diferida, aqueles nos quais se verifica um lapso temporal entre a sua formação e seu cumprimento.161

Contudo, apesar de terem em comum o fato de serem contratos de duração e de terem identificado o fator tempo entre formação e cumprimento, eles não se confundem.

Nos contratos de execução continuada, a obrigação é uma só, que se divide no tempo, como é o caso de contrato de locação de imóvel,162 contrato de fornecimento (no qual se renovam periodicamente as prestações de ambas as partes)163 e contratos de trabalho.164 Portanto, o fator tempo é desejado pelas partes.

O mesmo não ocorre nos contratos de execução diferida, pois, neles, o tempo não é necessariamente uma escolha das partes, mas um elemento necessário para o aperfeiçoamento do contrato, razão pela qual as partes suportam o lapso temporal. Ademais, esse lapso temporal pode ocorrer mesmo que a prestação comporte execução em um único momento, ou seja, quando é diferida para o futuro. Isso ocorre, por exemplo, em contrato de compra e venda cuja entrega da coisa ocorrerá em 60 dias após o pagamento do valor,165 em contratos de compra e venda com pagamento futuro e em contratos de empreitada.166

Assim, tanto os contratos de execução continuada, como os de execução diferida, em razão da existência de lapso temporal entre as respectivas celebração e execução, estão sujeitos ao problema de eventual variação do valor contratado frente à prestação ao longo do tempo.

Diante dessa possibilidade de alteração das condições contratadas em razão do lapso temporal entre celebração e execução, é razoável e compreensível que o legislador tenha

161 DIAS, Lucia Ancona Lopez de Magalhães. Onerosidade excessiva e revisão contratual no direito

brasileiro, p. 339.

162 ZANETTI, Cristiano de Sousa. Resolução e revisão por onerosidade excessiva, p. 217-227. “O cidadão

comum vivencia a experiência no contrato de locação de imóveis. Embora o imóvel seja entregue em um único ato, o pagamento repete-se mensalmente. Do ponto de vista do locatário, a execução do contrato não é imediata, mas sim continuada”.

163 ZANETTI, Cristiano de Sousa. Resolução e revisão por onerosidade excessiva, p. 217-227. “Para conferir

maior concretude, pode-se pensar no fornecimento de gasolina aos postos. Prevê-se que o combustível seja entregue a cada quinze dias, contra o respectivo pagamento. A execução do contrato é continuada sob o ponto de vista de ambos os contratantes”.

164 AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Natureza jurídica do contrato de consórcio. Classificação dos atos

jurídicos quanto ao número de partes e quanto aos efeitos. Os contratos relacionais. Alteração das circunstâncias e a onerosidade excessiva. Resolução parcial do contrato. Função social do contrato, p. 124.

165 ZANETTI, Cristiano de Sousa. Resolução e revisão por onerosidade excessiva, p. 217-227.

166 AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Natureza jurídica do contrato de consórcio. Classificação dos atos

jurídicos quanto ao número de partes e quanto aos efeitos. Os contratos relacionais. Alteração das circunstâncias e a onerosidade excessiva. Resolução parcial do contrato. Função social do contrato, p. 124.

optado por restringir a aplicação do art. 478 do Código Civil aos contratos de execução continuada e diferida. Essa opção do legislador é apoiada pela doutrina, que não vê nesse requisito maiores problemas e, consequentemente, não o tornou alvo de críticas.

Logo, somente é possível cogitar a resolução por onerosidade excessiva prevista no art. 478 do Código Civil em contratos de duração, com execução periódica ou continuada, em que as prestações se repetem ou se dividem no prazo avençado, ou de um contrato de execução diferida, em que simplesmente a prestação de uma das partes é protraída no tempo; ou seja, que se trate de um contrato em que haja certa distantia temporis entre o momento da celebração e o da execução.167