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4. ANÁLISE DOGMÁTICA DOS CRITÉRIOS PARA A APLICAÇÃO DA RESO-

4.1 Requisitos positivos

4.1.3 Onerosidade excessiva

No direito italiano, a excessiva onerosidade é aquela que comporta uma extrema alteração da relação originária entre as prestações, da qual decorre uma situação de desequilíbrio dos respectivos valores ou prestações, com prejuízo a uma das partes.185

A figura da onerosidade excessiva decorre de uma alteração superveniente do momento da formação e execução do contrato, em que existia um equilíbrio econômico entre a prestação e contraprestação.

Inicialmente, é importante destacar que a onerosidade excessiva, requisito da aplicação do art. 478, não se confunde com outras figuras jurídicas, como a lesão, prevista no art. 157 do Código Civil,186 na qual o desequilíbrio entre a prestação e a contraprestação é verificado no momento da formação do contrato, e não na sua execução, com a consequente anulabilidade do negócio jurídico. Da mesma forma, a onerosidade excessiva não se confunde com a frustação da finalidade do contrato, na qual, da alteração das circunstâncias

184 Para Lucia Ancona Lopez de Magalhães, o enunciado n. 175 amplia a noção de imprevisibilidade na

medida em que “tem sinalizado no sentido de incorporar dentro dessa noção também as consequências imprevisíveis resultantes do fato gerador do desequilíbrio, ainda que esse fato, a priori, pudesse ser previsível pelas partes contratantes. Assim, em princípio, admite-se o pedido de revisão ou resolução judicial quando verificadas consequências imprevisíveis de fatos previsíveis” (DIAS, Lucia Ancona Lopez de Magalhães. Onerosidade excessiva e revisão contratual no direito brasileiro, p. 407-408).

185 MARTINO, V. La risoluzione per eccessiva onerosità, p. 542; MARTINS-COSTA, Judith. A revisão dos

contratos no Código Civil brasileiro. Roma e America: diritto romano comune, p. 150.

186 “Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga à prestação

manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta. § 1º Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico. § 2º Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.”

supervenientes à celebração do contrato, decorre a ausência da finalidade econômica e social do cumprimento do contrato, e não propriamente um desequilíbrio econômico.

Feitas essas distinções, passemos à análise dogmática desse requisito.

Apesar de o artigo não especificar um quantum para a configuração da onerosidade excessiva, é certo que uma mera dificuldade no cumprimento da prestação não justifica uma medida extrema, como é o caso da resolução do negócio jurídico.187

Nesse sentido, a prestação se torna onerosamente excessiva na medida em que o seu cumprimento demandaria um sacrifício patrimonial muito maior do que aquele consentido pela parte no momento da contratação. Contudo, esse sacrifício patrimonial não significaria necessariamente a falência da parte na hipótese de manutenção dos termos originalmente contratados.

Ademais, a onerosidade excessiva da prestação não se confunde com a impossibilidade de seu cumprimento,188 na medida em que a primeira não se torna impossível, mas apenas mais onerosa do que previsto pela parte. Logo, as consequências são distintas. Enquanto, na hipótese de impossibilidade de cumprimento da prestação, a parte é liberada de sua obrigação contratual, em casos de prestações onerosamente excessivas, ela permanece vinculada e obrigada ao cumprimento integral do que foi contratado, restando- lhe – desde que seja o devedor – recorrer ao judiciário, com fundamento no art. 478 do Código Civil, para buscar a resolução contratual ou sua revisão, nos termos do art. 479.

A análise da onerosidade excessiva, para fins de aplicação do art. 478, deve ser objetiva, ou seja, a prestação deve ser onerosa com relação ao contrato para uma categoria de pessoas que se encontrem na mesma situação da parte que invoca a revisão ou a

187 ASCENSÃO, Oliveira. A alteração das circunstâncias e justiça contratual no novo Código Civil, p. 182.

“Não é qualquer acréscimo de onerosidade provocado por factos supervenientes extraordinários que implica a intervenção deste instituto. É incorreta uma leitura da ‘cláusula’ rebus sic stantibus que leve a sustentar que qualquer modificação da base do negócio ou qualquer onerosidade daí derivada confere a faculdade de resolver ou modificar o negócio. Nenhum princípio jurídico é um absoluto. Não o é mesmo um princípio com uma justificação material tão sólida como o princípio rebus sic stantibus. Terá pelo menos de sofrer a concorrência de outros princípios, igualmente indispensáveis para a ordem social, que exigem uma conciliação. Neste caso, há que contar com o princípio da certeza ou segurança jurídica. Seria impossível a vida jurídica se todos os negócios pudessem ser revistos, ao sabor das alterações da realidade subjacente, que incessantemente evolui. Mesmo que essas alterações sejam alterações extraordinárias. A vida jurídica exige estabilidade. Na progressão, nenhum sistema jurídico poderia suportar a avalancha de processos que surgiriam. Não é desejável a judicialização da vida corrente: só os casos patológicos devem ser trazidos a juízo. A segurança jurídica impede que sobre todas as relações da vida paire a ameaça de apreciação judicial, por invocação de alteração de circunstâncias. A ordem jurídica traduz exuberantemente esta constrição: só admite intervenções fundadas na desproporção ou injustiça do conteúdo em casos em que o desequilíbrio seja manifesto”.

resolução.189 Portanto, para a determinação da onerosidade excessiva, é irrelevante a análise de condições subjetivas da parte.190 Nesse sentido, inclusive, tem sido o entendimento dos tribunais.191

Portanto, como o art. 478 trata de medida extrema com a intervenção do judiciário na autonomia privada, o preenchimento desse requisito depende de uma análise objetiva da onerosidade excessiva, comprovação de que essa é expressiva, além de não estar relacionada com os riscos inerentes do contrato.