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MATRIZ 8 – Sensação dos Comandantes Militares

3.3 Os dois orçamentos

3.3.1 Orçamento nacional e sua lógica

3.3.1.2 Austeridade fiscal

No contexto da ideologia dominante de mercados e da livre movimentação de capitais, a austeridade fiscal é condição indispensável à saúde da economia e à obtenção de índices mais satisfatórios de desenvolvimento da União (SILVA, 2002, p.12).

A interpretação que os agentes do mercado fazem da ausência de austeridade é da existência de uma ameaça à segurança dos seus empréstimos com possíveis e, dependendo da análise, prováveis danos financeiros. O principal indicador internacional de insolvência é a evolução da dívida em relação ao PIB, onde a subjetividade do significado de uma “dívida elevada” pode ser mais bem interpretada. Avaliando o risco de suas aplicações eles tomam medidas para se auto protegerem aumentando o custo dos seus próximos empréstimos – elevação das taxas de risco -,29 podendo até cessá-los. Isso precipita a situação de insolvência do setor público. No final dos anos 80, o Brasil passou por essa interpretação ao se fecharem os créditos para o País, seria a visão 3 da Matriz abaixo que sintetiza a nossa compreensão.

A dívida acumulada no passado é elevada?

Visão dos agentes de mercado Sim Não

Sim

1) Estado podendo ter problema insolvência

(risco médio)

2) Estado sem problema de insolvência.

(risco baixo) O Estado é austero em

termos fiscais?

Não

3) Estado com sérios problemas de insolvência. (risco alto). 4) Estado com problema de insolvência. (risco médio) MATRIZ 6 – Visão dos agentes de mercado

O Gráfico 6 apresenta a evolução da dívida líquida do setor público em relação ao PIB no período de 1980 a 2004. Considerando-se a relação dívida/PIB herdada dos anos 80, o

29

Também conhecido como spread. Trata-se de um percentual acrescido à taxa de juros, comum em operações de crédito externo (MINISTÉRIO DA FAZENDA, [200-?] ).

perfil da curva na década de 90 nos indica a dificuldade do Estado em atender as suas demandas domésticas, assim como, aos ditames do mercado global.

GRÁFICO 7 – Evolução da dívida em relação ao PIB Fonte: IBGE e BACEN (POCHMANN, 2005, p. 5)

O quadro apresenta uma curva ascendente no período 1994 a 2000. Segundo Nascimento e Debus ([200-], pp. 45 e 46), isso se deveu, principalmente, a combinação de três fatores que expressaram 68,3% da expansão da dívida. Foram eles:

- programa de saneamento financeiro de Estados e Municípios, incluindo o apoio a reestruturação e/ou privatização de bancos estatais;

- programa de fortalecimento de bancos públicos; e

- reconhecimento de passivos que existiam e eram ocultados das estatísticas da dívida pública. Concomitantemente, as privatizações e os superávits orçamentários atuaram no sentido de reduzir a dívida, criando condições favoráveis para o seu financiamento. Essa iniciativa superavitária fortaleceu a política de austeridade fiscal assumida pela União por meio da Lei de Responsabilidade Fiscal que deu o amparo jurídico necessário para a opção de

contingenciamento por parte do Executivo.30 Com essa ferramenta, ele tem a possibilidade de controlar as despesas da União. No entanto, o contingenciamento incidiu sobre recursos vinculados ou não, incluindo aí algumas das despesas correntes, o que provocou sérias críticas a essa prática devido aos transtornos que acarreta, inclusive sociais. É o caso, por exemplo, do governo ter desvinculado cerca de 20% das receitas com despesas sociais sujeitando-as, também, a essa prática. Na realidade, o padrão de ajuste adotado tem demonstrado um elevado custo social e a manutenção do perfil da relação Dívida/PIB em torno de 45%. Entendemos que:

Deve-se, por fim, identificar que o objetivo de déficit nominal zero pode também ser alcançado por outros caminhos. Uma possibilidade concreta seria em torno de um novo compromisso em torno do crescimento econômico (grifo nosso) com queda efetiva da taxa de juros, o que implicaria a ruptura com o atual ciclo de financeirização da riqueza, gerador principal do endividamento público nacional. (POCHMANN, 2005, p.10).

Logicamente, o problema é complexo, porém não é o objetivo desse trabalho analisar cada uma das variáveis, como a taxa de juros mencionada por Pochmann. Contudo, a pesquisa nos levou a realçar as quatro maiores preocupações macroeconômicas domésticas dos governos no período considerado. São elas: câmbio, juros, dívida e inflação, todas inseridas em um ambiente macroeconômico volátil global que gera um elevado grau de incerteza. O resultado considerando os regimes das políticas fiscal e orçamentária está abaixo sintetizado (SILVA, 2003, pp. 11 a 33):

30

O estabelecimento da meta para se atingir o superávit primário é incluída na Lei de Diretrizes Orçamentárias para o respectivo exercício e indicada para os dois anos subseqüentes (SILVA, 2002, p. 28).

Discriminação Do plano Real a 1998 A partir de 1999 Consenso

político

Reconhecimento da importância do ajuste fiscal para a estabilização da moeda

Idem.

Ação política a) Elevação da carga tributária b) Privatização de empresas estatais c) Manutenção das taxas de juros elevadas para sustentar a paridade cambial31

a) Elevação da carga tributária (depende do governo);

b) Elevação dos superávits primários (o governo fica “prisioneiro” dos compromissos assumidos relacionado à dívida); 32

c) Taxa de câmbio flutuante (passa a depender, principalmente, do mercado); e

d) Taxa de juros elevada (passa a depender do Banco Central). 33 Conseqüência a) Sucesso na estabilização da moeda

b) Criação de forte dependência dos recursos externos

c) A retomada do crescimento ficou comprometida

d) Declínio do superávit primário

Em suma: Vulnerabilidade externa às crises internacionais 34.

a) Redução da capacidade do governo de intervenção na economia (SILVA, 2003, p. 40).

Natureza do superávit primário

Variável de ajuste Restrição fundamental com força legal incluída na LDO (metas plurianuais de superávit primário) QUADRO 13 – Síntese dos resultados das políticas fiscal e orçamentária

31

As taxas de juros elevadas cumpriram duas funções: atraíram capitais externos e frearam o ritmo de crescimento econômico (SILVA, 2003, p.35).

32

Visando impedir o surgimento de desconfiança por parte dos investidores sobre a capacidade do governo de saldar ou reduzir a sua dívida. (SILVA, 2003, p. 40).

33

A cargo do Banco Central que tinha por objetivo se atingir as metas inflacionárias estabelecidas. 34

Essa vulnerabilidade externa foi alvo de ataques especulativos que ocorreram no México em 1994 e nos países do Sudeste da Ásia em 1997(Tailândia, Indonésia, Filipinas e Malásia), ambos com reflexos para o Brasil. A resposta brasileira foi aumentar a taxa básica de juros ainda mais (saltou de 20,7 para 43,4%) e aumentou-se a meta do superávit. A crise asiática agravou o problema brasileiro Com a decisão da Rússia de não pagar sua dívida. A opção foi um novo “choque de juros” considerado insuficiente pelo mercado, haja vista, a deterioração fiscal e os reflexos negativos maiores do que os previstos inicialmente devido à moratória da Rússia. O Brasil recorreu ao FMI o que não foi suficiente para acalmar os investidores, forçando o governo a deixar o dólar flutuar livremente (SILVA, 2003, pp. 37 a 39).

Em poucas palavras, a realização das despesas não obrigatórias, incluindo agora as despesas sociais desvinculadas observadas por Pochmann, depende da meta fiscal. A nova política fiscal a partir de 1999:

[...] produziu mudanças significativas no processo orçamentário, restringindo severamente as escolhas sobre a destinação dos recursos públicos, ao condicionar a realização das despesas não-obrigatórias à obtenção da meta fiscal estabelecida. Com isso, investimentos e outras despesas de custeio não protegidos por algum dispositivo constitucional ou norma legal têm sido afetados, com implicações negativas para o crescimento econômico (grifo nosso). (SILVA, 2003, p. 33).

As críticas de Pochmann voltadas para o crescimento econômico poderiam ser ainda mais intensificadas quando verificamos que a fonte de recursos da DRU é proveniente das verbas do orçamento que são constitucionalmente vinculadas às áreas de Educação, Saúde e Previdência Social. O Gráfico 7 mostra que a conquista de uma maior liberdade para gastar por meio dos instrumentos legais FSE, FEF e DRU, na realidade, foi restringida pela necessidade de apresentação de superávits primários crescentes.

GRÁFICO 8 – Evolução da rigidez orçamentária Fonte: SOF, 2003, p. 12.

As despesas apresentadas como discricionárias dependem da disponibilidade de recursos financeiros após o pagamento das despesas obrigatórias e o cumprimento das metas fiscais (superávit primário). Percebe- que, no âmbito da rigidez marcante dos orçamentos, a necessidade de convencimento dos agentes de mercado determinou o contingenciamento de recursos que poderiam ser empregados, também, na área econômica-social. Desse modo, para uma política cujo foco primário é a dívida, prejudicou-se o crescimento econômico, cujo reflexo pode se sentir no aumento da insegurança social.35 É nesse contexto em que há o embate militar e civil por mais verbas destinadas à defesa da Pátria.