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MATRIZ 8 – Sensação dos Comandantes Militares

3.3 Os dois orçamentos

3.3.1 Orçamento nacional e sua lógica

3.3.1.1 Características marcantes

A Constituição de 1988 ampliou os direitos de seguridade social 20 com base de sustentação na cooperação financeira da Federação, ou seja, União, Estados e Municípios.21 Segregando-se a previdência por sua dimensão nacional, esperava-se que parte das receitas da União, dos Estados e dos Municípios fosse canalizada para atender as outras despesas da seguridade social, como as relativas à saúde e assistência social. Essa descentralização não se confirmou na prática. A carência no serviço público de saúde, por exemplo, beneficiou o setor privado quando observamos que, no período de 1988 a 1996, houve um aumento de 11,2% para 29,0% nos gastos das famílias com planos de saúde, respectivamente (SANTOS e GERSCHMAN, 2004). Do lado da receita, as antigas e novas fontes de financiamento da seguridade social permaneceram com a União. Os repasses dos recursos da seguridade, excluído os da previdência, foram realizados para os Estados e Municípios, porém não há qualquer condicionamento constitucional que os obrigue as usá-los na saúde ou assistência social. Na realidade, o artigo 167 da Constituição proíbe qualquer condicionamento em relação a transferências constitucionais. Assim, a União conduz os recursos obtidos para fins sociais aos Estados e Municípios, esses decidem onde empregá-los, ou seja, cooperam ou não com a finalidade social (SILVA, 2003, p.10).

Simultaneamente, observamos que, ao longo da década de 1990 e início século XXI, as mudanças promovidas no processo de apreciação da proposta orçamentária fortaleceram o

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Conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Art. 194 da Constituição.

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Destaque de uma parcela dos orçamentos de estados e municípios para o financiamento da seguridade social. Isso “jamais tornou-se realidade nos moldes originalmente concebidos” (SILVA, 2003, p.10).

compromisso com o ajuste fiscal e com as prioridades nacionais no tocante à repartição dos recursos desvinculados.22

Foi um período de elevada vulnerabilidade da economia brasileira considerando como ameaça os choques externos que poderiam ocorrer. Essa insegurança se deveu a um

[...] contexto marcado pela lenta reação da política fiscal aos efeitos da queda da inflação sobre despesas não-financeiras do setor público e pela intensa utilização da taxa de juros e câmbio na ancoragem dos preços” (SILVA, 2003, p.9).

Essa elevada proporção do orçamento destinado a compromissos financeiros acumulados e garantia dos direitos legalmente constituídos acabou por ocasionar a denominada rigidez orçamentária (RO) (SILVA, 2003, p.8). A RO não se dissocia da prática do incrementalismo pelo qual o orçamento de um ano é sempre elaborado com base no orçamento do ano anterior, com ajustes marginais em função de pequenas variações nas disponibilidades de recursos. Sumariando, existem pelo menos três fatores que acarretam a RO: os compromissos financeiros, a garantia de direitos e o incrementalismo. O quadro abaixo sintetiza o descrito acima:

Despesas Discriminação RO

Obrigatórias As de pessoal e encargos sociais; serviço da dívida; contrapartida dos empréstimos efetuados por agentes financeiros internacionais

Sim

Correntes As realizadas com manutenção dos equipamentos e com o funcionamento dos órgãos ou unidades orçamentárias.

Sim (a princípio)23 As ações com o propósito de formar e/ou adquirir ativos reais.24 Não De capital

As amortizações de dívidas e concessões de empréstimos externos. Sim QUADRO 12 – As despesas e a rigidez orçamentária

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Resoluções nº 2, de 1995, e nº 1, de 2001, ambas da Comissão Mista do Orçamento (SILVA, 2003, p.11). 23

As incertezas no desempenho da economia acarretam a necessidade de um contingenciamento adequado no início do ano, a fim de sinalizar aos agentes de mercado que o governo é austero, não havendo necessidade de eles aumentarem os juros. Esse contingenciamento vai incidir em despesas legais, vinculadas ou não, que podem ser postergadas e nas que se destinam às rotinas administrativas e programas em andamento (SILVA, 2002, pp.14 e 15).

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Abrange, entre outras ações, o planejamento e a execução de obras, a compra de instalações, equipamentos, material permanente, títulos representativos do capital de empresas ou entidades de qualquer natureza (TESOURO NACIONAL, [200-?] ).

A prática do incrementalismo é uma primeira explicação para o fato de que apesar da carga tributária ter aumentado,25 somente uma parcela da ordem de 20% se enquadra em recursos discricionários.26 Porém, ela não está sozinha, a segunda justificativa estaria na busca de vínculos. Normalmente, os políticos disputam uma parte dos recursos desvinculados, procurando atar a receita a uma despesa de forma de garantir os seus interesses. Mudanças mais profundas para canalizar a despesa de modo a atender novas demandas vão depender de votações destinadas emendas constitucionais ou novas leis que, entrando em vigor, venham revogar os dispositivos legais contrários. Desse modo, passa a haver um novo perfil de despesa colaborando para aumentar a RO (SILVA, 2002, p. 13).

No entanto, esses recursos desvinculados na receita quando aprovados pela LOA estão sujeitos a contingenciamentos, devido ao caráter autorizativo do orçamento, o que acarreta uma natural redução na eficiência do seu gasto no transcorrer do exercício financeiro.27

GRÁFICO 5 – Composição das receitas orçamentárias Fonte: SOF, 2003

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No período de 1988 a 2007, segundo dados do Ministério da Fazenda e do IBGE, a carga tributária cresceu em média 3,3% ao ano, maior que o crescimento médio do PIB real e da população que foram, respectivamente, 2,5% e 1,6% ao ano (NETTO, 2008).

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Também podemos dividir a elaboração do orçamento em duas questões básicas em torna das quais o Executivo e o Legislativo debatem. Seriam, os recursos de ordem geral (definição do salário mínimo, reajuste dos salários dos servidores, mudanças na legislação tributária) e os desvinculados (SILVA, 2003, p.11).

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O Congresso autoriza um limite de gasto, porém não obriga o Executivo a executar toda a despesa (SILVA, 2002, pp. 15 e 62).

Essa inflexibilidade na gestão pós Lei Maior pode ser observada pela composição das receitas orçamentárias do Gráfico 5.

As receitas desvinculadas sofreram uma forte redução em 1990, ou seja, a Constituição de 1988 reduziu o poder discricionário de alocação de recursos da União. A reação dos governantes pós 1993 foi a de reverter essa inflexibilidade por meio de Fundo Social de Emergência (FSE) que foi substituído pelo Fundo de Estabilização Fiscal (FEF) até 1999, quando foi instituída a Desvinculação de Recursos da União (DRU) prorrogada até 2011. 28 Conclui-se que a União desvinculou mais do que 20% de todo o orçamento a partir de 1994, no entanto, manteve-se a tendência a vinculações conforme mostra o Gráfico 6 que abrange um período mais recente.

11:22 16

Impacto do FSE e de seus substitutos

(Composição das Receitas Orçamentárias)

0% 20% 40% 60% 80% 100% 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 00 01 02 03 04 05 06 3a v 07 P L08 Anos

Desvinculada FSE/FEF/DRU Vinculada Tranf. Est./Mun.

Obs: 1 - Somente receitas do Tesouro, desconsideradas as de colocação de títulos e de privatizações.

GRÁFICO 6 – O impacto do FSE e de seus substitutos Fonte: SOARES, 2007, p. 16.

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