• Nenhum resultado encontrado

Defesa, orçamento e tecnologia: um estudo de caso da marinha do Brasil (1990 a 2005)

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Defesa, orçamento e tecnologia: um estudo de caso da marinha do Brasil (1990 a 2005)"

Copied!
153
0
0

Texto

(1)

DEFESA, ORÇAMENTO E TECNOLOGIA: UM ESTUDO DE CASO DA MARINHA DO BRASIL (1990 a 2005)

Orientador: Prof. Dr. Thomas Ferdinand Heye

NITERÓI – RJ 2008

(2)

DEFESA, ORÇAMENTO E TECNOLOGIA: UM ESTUDO DE CASO DA MARINHA DO BRASIL (1990 a 2005)

Dissertação apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Ciência Política Defesa, da Universidade Federal Fluminense.

Orientador: Prof. Dr. Thomas Ferdinand Heye

NITERÓI – RJ 2008

(3)

do Brasil (1990 a 2005) / Cláudio Rogério de A. Flor. – Rio de Janeiro: Universidade Federal Fluminense, 2008.

151 p.

Inclui bibliografia.

1. Brasil – Forças Armadas - Orçamento 2. Indústria Bélica - Brasil I. Brasil. Marinha – Dotações e dispêndios II. Brasil. Marinha – Orçamento III. Título

(4)
(5)

À meus pais, meus filhos e minha mulher Carmen por todo apoio, compreensão e amor.

(6)

Não tenho a menor dúvida quanto a minha capacidade de errar como ser humano. No entanto, o desafio de se procurar o melhor com toda a certeza da incerteza que domina o ambiente social só foi possível e motivador com a ajuda de pessoas esclarecidas e competentes como o orientador e amigo Thomas Heye, assim como, todos aqueles que tiveram a iniciativa de iluminar os caminhos a trilhar deste mestrando.

Dessa forma, agradeço à Universidade Federal Fluminense e aos Professores Eurico de Lima Figueiredo, Renato Lessa, Vágner Camilo Alves, Inês Patrício e Carlos Henrique de Aguiar Serra. Concomitantemente, pude contar com a ajuda de outros Professores como Ronaldo Fiani (UFRJ), Ana Cristina Reif de Paula (EGN), Nival Nunes de Almeida (UERJ) e José Luiz Niemeyer dos Santos Filho (IBMEC). Esse convívio em um saudável e fraterno ambiente acadêmico foi muito estimulante e encorajador para os momentos de reflexão.

Os Almirantes Antonio Ruy de Almeida e Silva e Reginaldo Gomes Garcia dos Reis abriram as portas, indicaram o rumo a seguir e acreditaram na possibilidade de habilitar alguém com mais de meio século de existência em Ciência Política. Fiquei muito feliz com essa oportunidade, com o apoio e a confiança em mim depositada.

Fico grato às amigas de-Corveta Regina Boanerges Siqueira e Capitão-Tenente Angélica Behenck Ceron, colaboradoras que foram na busca por erros e omissões no texto do trabalho em detrimento de seus momentos de lazer.

Muito devo aos amigos e colegas de todos os convívios pelas quais passei em minha vida. Mas, aos do Mestrado e da Escola de Guerra Naval, professores, instrutores e alunos, a dívida é mais recente não me permitindo deixar de mencioná-la em face dos debates, críticas e comentários, muitas das vezes carregados de paixão, que contribuíram para o meu desenvolvimento intelectual e humano.

(7)

os momentos de nossas vidas. Sem essa iniciativa fundamentada no amor que nos une, certamente teria que enfrentar obstáculos intransponíveis que comprometeriam qualquer esperança de sucesso no Mestrado.

(8)

Washington associado à crise sócio-econômica aguda afetou as dimensões da segurança nacional especificamente a Defesa da Pátria. Esta dissertação se propõe a identificar as razões que levam o Estado brasileiro no período pós Guerra Fria a adquirir material bélico descartado pelos países centrais, em que pese esse procedimento não reduzir significativamente as vulnerabilidades no campo da defesa. Para tal, fez-se uso de método que permitiu a identificação de parâmetros fundamentais e de suas relações verificando o equacionamento das dimensões de segurança do Estado. Por meio de uma investigação qualitativa e comparativa, identificou-se a necessidade de se proteger o cidadão e o território contra ameaças externas, enquanto a Carta Magna e de Leis Complementares apontam para uma tendência de emprego das Forças Armadas em assuntos internos. Observou-se, também, a partir de uma análise quantitativa que, enquanto a Lei Maior reduziu a liberdade da União na utilização de recursos orçamentários, a necessidade de se gerar superávits primários limitou ainda mais a discricionalidade das despesas do Governo Federal. Finalmente, um estudo de caso envolvendo a Marinha do Brasil tornou clara a capacidade nacional de geração de tecnologias duais com reflexos no campo internacional, assim como, a influência negativa de uma política orçamentária que privilegia os contratos com empresas estrangeiras, em detrimento à indústria bélica nacional, criando dificuldades para a construção de navios militares projetados e construídos no Brasil. Desse modo, a única alternativa para o Estado minimizar a vulnerabilidade militar naval é aceitar a dependência de material bélico sucateado dos países centrais.

ABSTRAC

In the post-Cold War period, the ideological impact it resulting of the Consensus of Washington associated to the sharp socio-economic crisis affected the dimensions of the national security specifically the Homeland Defense. This dissertation is proposed it identify the reasons that lead the Brazilian State in the post-Cold War period it acquire armaments discarded by the central countries, in despite that procedure do not reduce significantly the vulnerabilities in the field of the defense. For such, it did itself I use of approach that permitted the identification of fundamental parameters and of his relations verifying the rationalizing of the dimensions of security of the State. By means of a comparative and qualitative inquiry, identified itself the need of be protected the citizen and the territory against external threats, while the Constitution and of Complementary Laws aim for a tendency of employment Armed Forces in internal matters. It observed itself, also, from a quantitative analysis that, while the Highest Law reduced the freedom of the Union in the use of budgetary resources, the need of be generated primary surpluses limited still more to arbitrariness of the expenses of the Federal Government. Finally, a case study involving to Brazilian Navy became clear the national capacity of generation of dual technologies with consequences in the international field, as well as, the negative influence of a budgetary politics that privileges the contracts with foreign companies, in detriment to the national military industry, creating difficulties for the construction of military ships projected and built in Brazil. Of that way, to unique alternative for the State minimize the naval military vulnerability is going to accept the dependence of armaments scrapped of the central countries.

(9)

MATRIZ 1 – Estados do homem hobbesiano... 17

GRÁFICO 1 – Homem hobbesiano... 18

MATRIZ 2 – Estados do homem lockiano... 21

GRÁFICO 2 – Homem lockiano ... 22

QUADRO 1 – Características e possibilidades dos países ... 26

QUADRO 2 – Número de óbitos em calamidades mundiais no século XX... 27

MATRIZ 3 – Tipos de Estado segundo Buzan... 30

QUADRO 3 – Comparação entre os ataques japonês e terrorista aos EUA... 31

QUADRO 4 – Dimensões da insegurança e ação do Estado... 35

GRÁFICO 3 – Insegurança versus estados constitucionais... 41

QUADRO 5 – Dever do Estado versus direito e responsabilidade de todos... 42

QUADRO 6 – Legislação que ampara o emprego das Forças Armadas... 44

MATRIZ 4 – Estados do homem hobbesiano: o caso japonês... 48

MATRIZ 5 – Estados do homem lockiano: o caso japonês... 49

GRÁFICO 4 – Ator poderoso versus ator alvo... 51

QUADRO 7 – Componente estratégico-militar... 53

QUADRO 8 - Atividades das Forças Armadas brasileiras em tempo de paz... 55

QUADRO 9 – Mundo militar e político... 67

QUADRO 10 – Visões de políticos e militares... 67

QUADRO 11 – Distribuição dos ciclos e instrumentos orçamentários... 71

QUADRO 12 – As despesas e a rigidez orçamentária... 75

GRÁFICO 5 – Composição das receitas orçamentárias... 76

(10)

QUADRO 13 – Síntese dos resultados das políticas fiscal e orçamentária... 81

GRÁFICO 8 – Evolução da rigidez orçamentária... 82

QUADRO 14 – Comparação entre as categorias orçamentária e estratégico-militar.... 85

MATRIZ 7 – Ameaça de um poder militar dissuasório... 86

GRÁFICO 9 – Evolução das despesas militares nas LOA (1983 a 2006)... 87

GRÁFICO 10 – Evolução da despesa militar discriminada (1996 a 2006)... 88

GRÁFICO 11 – Despesas militares discriminadas percentualmente (1996 a 2006)... 88

FIGURA 1 – Relações entre o Estado, a indústria e a universidade... 105

QUADRO 15 – Modelo tradicional versus Spin-off tecnológico... 107

QUADRO 16 – Períodos de construção das Corvetas... 117

GRÁFICO 12 – Construção da Cv Barroso e as 4 Cv: uma comparação... 119

QUADRO 17 – Períodos de construção dos submarinos... 121

GRÁFICO 13 – Construção dos submarinos: uma comparação... 123

GRÁFICO 14 – Construção de corvetas e submarinos: uma comparação... 124

GRÁFICO 15 – Construção de corvetas e submarinos no AMRJ (1983 a 2008)... 125

(11)

INTRODUÇÃO... 11

1 EQUACIONANDO A INSEGURANÇA... 16

1.1 Hobbes e a dicotomia segurança/insegurança... 16

1.2 Locke e a dicotomia segurança/insegurança... 20

1.3 O triângulo da insegurança... 23

1.4 Ampliando o sentido da (in)segurança... 24

1.5 Uma ameaça mal avaliada... 26

1.6 Considerações parciais... 28

1.7 Pearl Harbor e o 11 de Setembro... 28

1.8 A proteção de navios e portos... 32

1.9 Considerações finais... 35

2 ESTADO BRASILEIRO: SEGURANÇA E DEFESA... 38

2.1 O que proteger... 38

2.2 Outros fundamentos constitucionais... 39

2.3 A Constituição e a insegurança nacional... 40

2.4 Forças Armadas: organizações do Estado prestadoras do serviço defesa da Pátria.... 47

2.5 As ameaças não tradicionais... 56

2.6 Considerações finais... 58

3 ORÇAMENTO DA DEFESA... 60

3.1 Contextualizando... 60

3.2 As esferas militar e civil... 65

3.3 Os dois orçamentos... 70

3.3.1 Orçamento nacional e sua lógica... 70

3.3.1.1 Características marcantes... 74

3.3.1.2 Austeridade fiscal... 78

3.3.2 O orçamento militar... 83

3.4 A Marinha enquanto Ministério... 89

3.4 Considerações finais... 93

4 TECNOLOGIA... 97

4.1 Conhecimento e defesa... 97

4.2 Inovação e tecnologia... 98

4.3 Tecnologia e segurança nacional... 101

4.4 A tríade: Estado, indústria e universidade... 104

4.5 O Spin-off tecnológico... 106

4.6 Inovação brasileira na área nuclear e seus desdobramentos... 109

4.6.1 O programa nuclear da MB... 111

4.6.2 Considerações parciais... 115

4.7 Construções navais e outras iniciativas... 116

4.7.1 As Corvetas “brasileiras”... 116

4.7.2 Os submarinos “brasileiros”... 120

4.7.3 Considerações parciais... 124

4.7.4 Duas soluções: um sucesso... 126

4.8 Considerações finais... 129

5 CONCLUSÃO... 130

5.1 Sumário... 131

(12)
(13)

INTRODUÇÃO

A pesquisa empreendida possui como objetivo analisar a relação entre os recursos orçamentários e desenvolvimentos (ou tentativas de desenvolvimentos) tecnológicos ocorridos na Marinha do Brasil no período de 1990 a 2005. Para tal, concentramos nosso estudo na Marinha do Brasil (MB), o que não significa dizer que outras forças singulares, ou mesmo diferentes formas de defesa da soberania, sejam menos importantes. As razões para a escolha da MB como estudo de caso se devem a possibilidade dessa análise vir a se comprovar o valor emblemático das dificuldades de produção doméstica de tecnologia bélica.

Diversos autores realistas da política internacional, desde Tucídides1 até o contemporâneo Gilpin (1989, pp. 15-52), compartilham da perspectiva de que a dinâmica das Relações Internacionais é função do diferencial de crescimento de poder2 entre os Estados3 em um sistema internacional caracterizado pela anarquia, entendida como ausência de um poder central. Como desdobramento, o fenômeno político da guerra é uma constante ao longo da história, permanecendo possível e provável até os dias atuais.

Dentro dessa perspectiva, no Capítulo 1 confrontamos instintos humanos como sobrevivência e solidariedade que têm primazia nas leituras de Thomas Hobbes e John Locke, respectivamente, com o objetivo de entendermos o significado da expressão segurança. Na realidade, a colaboração desses dois filósofos políticos se estendeu ao permitir uma melhor compreensão da substancialidade e subjetividade do significado tanto de controle como de poder. No entanto, esse entendimento não obliterou a percepção contemporânea de poder de

1

Historiador que apresenta o conflito envolvendo as duas principais cidades-estado Grécia e seus aliados. (Tucídides, 2001).

2

Para Max Weber o poder é “a possibilidade de que uma pessoa ou um número de pessoas realize a sua própria vontade numa ação comum, mesmo contra a resistência de outros que participam na ação”. (WEBER, 2005, p. 16).

3

Compreendido como “um agrupamento de dominação que apresenta caráter institucional e que procurou, com êxito, monopolizar nos limites do território, a violência física legítima como instrumento de domínio e que, tendo esse objetivo, reuniu nas mãos dos dirigentes os meios materiais de gestão”. Esse conceito aborda quatro pontos importantes para a pesquisa: dominação, território, violência e dirigentes.( Ibidem, p. 67).

(14)

Dahl e de Weber, mas sim, complementou-as. Pudemos, assim, identificar a importância do Estado em termos de ação que venha se contrapor aos fatores ameaça, vulnerabilidade e dano, a fim de prover um sentimento de segurança àqueles que vivem sob a sua dominação. Desse modo, surgiu a idéia de se formar com esses três fatores o triângulo da insegurança, que tem no Estado a sua antítese.

Do mundo concreto extraímos algumas experiências, porém o 11 de Setembro ocorrido no alvorecer do século XXI foi analisado comparativamente com foco nos danos humanos causados. A ameaça terrorista classificada por Buzan como de baixa intensidade foi capaz de causar mais vítimas que o ataque da Marinha Imperial do Japão à frota americana estacionada em Pearl Harbor em dezembro de 1941. O surgimento dessa nova ameaça externa e não militar ao Estado, não só abalou a hegemonia norte americana como surgiu desafiando à segurança dos países. O mais interessante foi o fato desse prenúncio aterrador ter sido antecipado, dois anos antes, pelos coronéis chineses Qiao e Wang (1999) os quais defendem dimensões de segurança semelhantes às que são propostas por Buzan (1991).

Na pesquisa por uma maior consistência do triângulo da insegurança identificado a partir de Hobbes verificamos que iniciativas surgidas no pós 11 de Setembro como a National Strategy for Homeland Security (NSHS), dos EUA, e o Código Internacional de Segurança para Navios e Instalações Portuárias (ISPS Code), da Organização Marítima Internacional, explicitam os três fatores fundamentais que compõem a figura geométrica. Desse modo, a análise empírica mostrou-se eficaz permitindo a indicação de uma equação teórica na qual a insegurança é diretamente proporcional à ameaça, vulnerabilidade e dano sendo, concomitantemente, indiretamente proporcional à ações do Estado atuando em um ou mais fatores do triângulo.

Estabelecida a nossa equação teórica, no Capítulo 2 analisamos qualitativamente a Constituição Federal de 1988 considerando dimensões como social, econômica, militar e

(15)

política da segurança nacional, termo não empregado, mas que é adequado no nível de Estado que tem como objetivo primário a proteção do seu cidadão e do território. Da análise constatamos que a segurança pública – um dos ramos da dimensão social da segurança nacional - é direito e responsabilidade de todos, assim como um dever do Estado, enquanto a defesa da Pátria – dimensão militar da segurança nacional – é tão somente um dever do Estado. Assim, o cidadão militar também é responsável pela segurança pública induzindo a péssima idéia de emprego de militares nesse setor, quando o foco deve ser o de ameaça externa que possa causar danos ao cidadão ou território brasileiro. Essa percepção errônea de que as Forças Armadas podem ser empregadas contra cidadãos brasileiros que elas têm que proteger por dever constitucional, encontra respaldo em países subdesenvolvidos onde a disputa política pelo poder necessita do aparato bélico militar. No caso brasileiro, a própria Constituição estabelece seis instrumentos civis – polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícia civil, polícia militar e corpo de bombeiro -, que têm por objetivo prover a segurança pública o que, desqualifica a utilização das Forças Armadas (FFAA) nesse tipo de ação. No entanto, leis complementares e decretos procuraram de alguma forma, legalizar o emprego de militares no âmbito interno.4

Assim, entendemos que as FFAA são organizações de estado prestadoras do serviço de defesa da Pátria. No caso brasileiro, a busca constitucional pela paz entre os povos não prevê qualquer renúncia à guerra ou à preparação voltada para a defesa da Pátria. No entanto, no mundo pós 11 de Setembro novas ameaças externas demandam novos serviços que, desta feita, sugerem operações combinadas onde a cooperação entre órgãos policiais e FFAA possam existir dentro da esfera de ação legal e legítima de cada um. Desse modo, as atividades outras que não guerra executadas por militares assumem maiores proporções para um país como o Brasil no qual a guerra é uma exceção que continua a se mostrar possível.

4

A Força Nacional é mais um instrumento civil composto de policiais militares de vários estados brasileiros no esforço de melhorar a segurança pública. Os defensores do emprego de militares das Forças Armadas com o mesmo objetivo se ampara na expressão constitucional “garantia da lei e da ordem”.

(16)

Das ameaças tradicionais às novas ameaças, ambas externas que permeiam a segurança interna, o Estado tem o dever de integrar as FFAA a outros instrumentos legais em ações destinadas a proteger o cidadão e o território nacional.

No Capítulo 3, contextualizamos um período da história brasileira que começou no início dos anos 70 e terminou no final da década de 80 marcada pela crise da dívida, pela Constituição Federal de 1988, pelo reinício das eleições diretas para a Presidência da República e pelo fim da Guerra Fria. O surgimento da hegemonia estadunidense traz à reboque, a ideologia liberal com seus desdobramentos no campo doméstico. Fizemos, então, uma avaliação das relações civil militares, apoiados em teóricos como Huntington e Dahl, de modo a melhor entender um possível confronto entre os dois atores na disputa orçamentária.

Na avaliação do orçamento nos focamos em características como a evolução da rigidez e a composição das receitas, onde constatamos a brusca redução do poder discricionário do Executivo sobre recursos orçamentários. Ao analisarmos os fatores evolução da dívida em relação ao PIB e austeridade fiscal foi possível verificar os danos colaterais causados a aspectos sociais e militares, devido à primazia da segurança econômica. As conseqüências danosas sobre essa duas áreas tiveram sua causa na crise da dívida externa brasileira ocorrida no final dos anos 80.

A análise do orçamento militar mostrou que o País estava vulnerável a ações fruto dessa síndrome da crise, vivida pelos governantes eleitos diretamente pelo povo a partir de 1990, no qual recursos passaram a ser contingenciados no campo doméstico como sinal de garantia para o pagamento da dívida. Observou-se que além do expressivo corte fruto da redução do poder discricionário do executivo, esse mesmo poder limitava ainda mais a utilização dos recursos destinados à outras despesas de preparação para a guerra que não pessoal e encargos.

(17)

No Capítulo IV, usando Schumpeter como marco teórico, partimos para uma premissa de desenvolvimento dual, civil e militar, discutida por teóricos de países centrais, mas que é válida para o Estado brasileiro. O passado sem danos severos a seu povo e território, não imuniza o Brasil das guerras. Porém entendemos que a ausência do imperativo funcional de Huntington torna difícil convencer o cidadão e a política da necessidade de investimentos maiores do que aqueles que viriam a atender interesses civis e militares concomitantemente. Assim como aconteceu com os EUA, surpreendidos pelo ataque a Pearl Harbor, somente o instinto da sobrevivência com o orgulho nacional ferido poderão determinar a primazia em investimentos militares. Portanto, não há como não assumir esse risco que é indubitavelmente menor do que o atual.

Avaliamos a MB com o auxílio das iniciativas dessa Força que, sob o manto do ideário desenvolvimentista, buscou superar as etapas para lançar o primeiro submarino a propulsão nuclear, construiu corvetas e submarinos, e continua lutando para terminar a construção da Corveta Barroso iniciada em 1994. Isso não foi suficiente para impedir a compra de sucatas bélicas de países centrais. Nosso estudo mostra como e porque ações estabelecidas pelo Estado brasileiro paradoxalmente estimulam indústrias bélicas de outros países e, simultaneamente, desestimulam a produção de inovações e empregos em indústrias estratégicas de defesa no Brasil.

Não há qualquer dúvida que, desde sua origem, a MB tem adquirido material militar com tecnologia exógena. O desenvolvimento industrial do país no século passado foi incapaz de alterar esse quadro, assim como o término da Guerra Fria, a Constituição de 1988 e a democratização do País. Por fim, investigamos para apontar as razões que levam a MB a continuar adquirindo material bélico no exterior. As conclusões estão no Capítulo V desta dissertação.

(18)

1 EQUACIONANDO A (IN)SEGURANÇA

Este capítulo pretende analisar o significado da dicotomia segurança-insegurança, identificando os fatores que direta e indiretamente influenciam esse sentimento. Começaremos por Thomas Hobbes (1588-1679) que tinha no medo sua paixão dominante. Se este era causador da desordem no estado da natureza, tornou-se causador da ordem no estado civil de Hobbes. Em seguida, abordaremos o também filósofo John Locke (1637-1704) que apresentou uma interpretação focada no entendimento humano. A sua perspectiva de que a paz era a regra e a guerra uma exceção se confrontou com a visão oposta de Hobbes.

No mundo contemporâneo, continuaremos a análise com Barry Buzan de modo a validar e ampliar o significado da dicotomia e de seus fatores identificados com o auxílio dos pensadores mencionados. Nesse ponto, alguns desdobramentos do ataque terrorista em 11 de setembro de 2001 nos EUA servirão para tornar melhor entendida a conclusão que irá balizar o estudo proposto. Por fim, apresentaremos uma equação teórica que sintetize a idéia de segurança nacional.

1.1 Hobbes e a dicotomia segurança/insegurança

Para Thomas Hobbes “seja em que matéria for que houver lugar para a adição e para a subtração, há também para a razão”. Indo mais longe definiu a multiplicação como “a adição conjunta de coisas iguais” e a divisão como “a subtração de uma coisa, tantas vezes quantas for possível” (2006, p.39). Essa leitura é o ponto de partida para o nosso esforço no sentido de estabelecer uma equação que traduza a dicotomia segurança-insegurança por meio de parâmetros.

(19)

Essa discussão se originou nos desígnios do homem – liberdade e domínio sobre os outros - que o levavam ao desejo de um poder crescente.1 O homem hobbesiano utiliza a violência para que se torne dominador e, necessariamente, se preocupa com a defesa para que não venha a ser dominado. Podemos considerar que a partir de uma possibilidade de ameaça aos seus desígnios, o indivíduo busca uma situação menos insegura ou mais segura.

A violência, originada pela ação humana a partir do “direito natural”, acarretou um comportamento peculiar diante da morte violenta. Num ambiente no qual a sobrevivência é o instinto dos instintos, se o ser humano tem medo da morte, ele tem pavor da morte violenta, ao menos na cultura judaica-cristã ocidental. Assim, o homem hobbesiano mostrou-se predisposto a abrir mão de parte de seus desígnios, ou seja, de seu poder, para um poder comum, capaz de manter todos em respeito mútuo, com a finalidade de reduzir sua insegurança.

Para exemplificar estas considerações iniciais, elaboramos a seguinte matriz com evidência nos meios de autodefesa.2

Há concentração de meios de autodefesa comum para todos os homens ou grupos? Estados do homem hobbesiano

(sensação) 3 Não Sim

Não 1)Estado de natureza (Insegurança máxima)

3)Estado de paz (Segurança parcial) Os homens ou grupos possuem seus

meios de autodefesa? Sim 2)Estado de natureza (Insegurança parcial)

4)Estado de paz (Segurança máxima)

MATRIZ 1 – Estados do homem hobbesiano

Com foco na sobrevivência admitindo a morte natural como antítese à morte violenta, consideramos um continuum que compreende desde a insegurança máxima a uma segurança

1

Poder no sentido da teoria substancialista, ligada a Hobbes, no qual o poder é um bem que se possui e se usa ou, na concepção de Bertrand Russel na qual ele se manifesta na “produção dos efeitos desejados” (BOBBIO, 1987, pp. 76 a 78).

2

A matriz explora a importância do convívio humano no estado da natureza no qual existiam indivíduos vivendo isoladamente e, outros indivíduos unidos em grupo. Desse modo a matriz vai considerar esses dois tipos de unidades: individual e grupal (HOBBES, 2006, pp. 96 a 99 e 127 a 131; LUPI, 2001, p. 49).

3

A sensação se refere a cada tipo de insegurança ou segurança associada aos estados hobbesianos, apresentados também entre parênteses. O estado significa o modo como se encontra o indivíduo. Então, estado de natureza é entendido como o convívio de indivíduos sob os auspícios do “direito e das leis naturais”, onde há a primazia do instinto da sobrevivência.

(20)

máxima. Os meios de autodefesa estão diretamente relacionados à insegurança ou segurança.4 Nesse ponto é importante destacar que a concentração de desses meios de autodefesa não significa, necessariamente, que os homens ou grupos deixarão de ter os seus próprios meios. O gráfico representa a nossa compreensão em relação à Matriz 1.

Homem hobbesiano mín. máx. Meios de autodefesa S e n s açã o Insegurança(I=1/S) Segurança (S=1/I) Matriz nº1

GRÁFICO 1 – Homem hobbesiano

Por meio da autodefesa, o homem buscou formas para assegurar sua sobrevivência. Ter o máximo de meios de autodefesa é preferível a ter menos, digamos 60% desse máximo estipulado, que é por sua vez mais recomendável do que ter um mínimo, o que não significa necessariamente uma sensação de segurança ou insegurança plena nos dois extremos, respectivamente. Na prática isso fez com que homens se juntassem formando grupos e esses procurassem se associar a outros grupos de modo a maximizar a segurança individual, pois a vida está amparada no “direito e lei naturais”. Ou seja, o homem sozinho possui a sua maior liberdade, porém ao se juntar a um grupo ele a reduz, pois passa a ter obrigações perante esse grupo. No entanto, ele abre mão de parte de sua liberdade por dar maior prioridade a sua vida (HOBBES, 2006, p.101).

4

Estamos considerando que a segurança (S) é o inverso da insegurança (I). A expressão matemática que pode refletir essa relação é: S = I-1 ou S = 1 / I ou I = 1 / S.

(21)

A curva da Matriz 1 se sobrepõe às outras duas considerando somente a parte superior de ambas a partir da interseção das duas curvas S e I. Se observarmos da esquerda para a direita, ou seja, a partir de um mínimo de meios em diante, temos que na inexistência de concentração de meios para autodefesa comum, predomina a sensação de insegurança dos estados 1 (ausência total de meios), e 2 (meios com indivíduos ou grupos). Em seguida, passamos para uma sensação agora de segurança representada na Matriz pelos estados 3 (somente concentração de meios para autodefesa de todos) e 4 (concentração e individualização dos meios). Em suma, o estado 4 é preferível ao 3 que é melhor do que o 2 que é mais confortável do que o 1 e a existência de concentração de meios para autodefesa comum é, em hipótese, a melhor situação pela sensação de alguma segurança.

Todavia, Hobbes foi além ao identificar a necessidade de subordinar ao “Deus Imortal” um “Deus mortal – Leviatã”, denominado soberano que, mediante um pacto social, promovesse a paz e a defesa entre todos os seres humanos.5 Detentor desse tipo de poder relativamente absoluto o “Estado”, personificado no mortal soberano, tem a capacidade de destruir os homens pela morte violenta e, por isso, passa a ser temido por todos. “Os pactos sem força não passam de palavras sem substância para dar qualquer segurança a qualquer pessoa.” (HOBBES, 2006, p.127). Em outras palavras, os meios para autodefesa comum concentrado no soberano possibilitará um estado hobbesiano de paz, induzindo uma sensação de segurança aos pactuantes e, simultaneamente, acarretando a perda de uma parcela da liberdade dos súditos.

É lícito supor que quanto mais eficazes6 forem as ações do “Estado” em relação à segurança do indivíduo, menor será a sensação de insegurança deste. Caso a escolha estivesse

5

Para Hobbes o homem é egoísta, vaidoso e temente, estando, no estado natural, sujeito a paixões, ao orgulho e ao amor à liberdade. As causas das discórdias são competição, desconfiança e glória o que inviabilizaria a vida em sociedade.

6

A palavra eficácia utilizada neste trabalho tem o sentido de tudo ou nada. Esse conceito é diferente de eficiência que expressa um continuum de 0 a 100%. Exemplificando, dizemos que a execução de uma tarefa é

(22)

centrada na sensação de segurança, podemos afirmar dentro de uma perspectiva racional que quanto mais eficazes fossem as ações do soberano com foco na segurança do indivíduo, maior seria a sensação de segurança deste.7

Então, considerando-se que o homem tem por inimigo o próprio homem e pavor da morte violenta, podemos apontar outros fatores ressaltando que o homem é vulnerável (V) diante de uma ameaça (A) 8 que pode lhe causar danos (D) 9. Esses três fatores identificados são as “adições conjuntas de coisas iguais” por estarem diretamente relacionadas à única sensação, a de insegurança (I). Concomitantemente, a eficácia do “Estado” E no tratamento dos fatores acarretará uma menor sensação de I.

1.2 Locke e a dicotomia segurança/insegurança

Além da liberdade, John Locke (2005, p.39) considerou a propriedade e a igualdade inserida no seu entendimento de “direito natural”. Esses dois novos elementos podem ser identificados quando o homem se apropria da natureza, tirando dela alguma coisa que era comum e pertencia igualmente a todos, sem qualquer necessidade de um pacto lavrado.

Entretanto, as relações humanas em perfeita liberdade e igualdade no “estado de natureza”, não imunizava o homem de certos inconvenientes e o principal seria:

[...] a possível inclinação no sentido de beneficiar-se a si próprio ou a seus amigos. Como conseqüência, o gozo da propriedade e a conservação da liberdade e igualdade ficariam seriamente ameaçadas (grifo nosso). (LOCKE, 2005, p.19).

eficaz ao atingir o efeito desejado a que se propõe, porém, ela poderá ter várias qualificações quanto à eficiência quando considerarmos o seu custo (tempo, financeiro, social, político ..).

7

Dentro da dicotomia segurança-insegurança, optamos por trabalhar com o termo insegurança, devido a dificuldade de muitos governos em “tirar a violência das mãos dos indivíduos e instituições e monopolizá-las em suas próprias mãos” (CREVELD, 2004, p. 564).

8

No caso seria outro homem. 9

(23)

Nesse caso, diferentemente de Hobbes, o que Locke procurou foi uma medida de proteção aos três elementos, destacando que “a liberdade é o fundamento de todo o resto” (2005, p.32).

A solução lockiana se baseia na lei. Porém, para que seja compactuada o homem precisa sair da sua situação natural e, por consenso, chegar a um “estado de sociedade”.10 Cabe a esse poder outorgado exercer a sua autoridade sem abuso do poder, a fim de manter a liberdade social. Essa seria uma situação intermediária para evitar o “estado de guerra”. Assim, uma sociedade política formada pelo contrato, a partir de um consenso, teria condições de se contrapor a ameaça de um homem ou grupo de homens, capaz de causar dano à propriedade, liberdade e igualdade de outros homens que são vulneráveis às ações dos primeiros.11

A Matriz abaixo resume essas situações na qual a 1 é preferível a 2 que pretere a 3 melhor que a pior delas, a de nº 4 (LOCKE, 2005, p. 32 a 39).

Os homens convivem segundo: Estados do homem lockiano

(sensação) A razão.

O uso da força (ou intenção declarada de seu

uso). Sim 1) Estado de sociedade

(segurança máxima)

3) Estado de guerra (insegurança parcial) Há uma autoridade comum

exercendo o poder12 que lhe foi

outorgado? Não 2)Estado de natureza (segurança parcial)

4) Estado de guerra (insegurança máxima) MATRIZ 2 – Estados do homem lockiano

Também nesse caso podemos explicar a Matriz acima de outra forma considerando o uso da razão, dentro de uma perspectiva de solidariedade, e o uso da força, numa perspectiva de ausência de interesses e deveres mútuos. Em outras palavras, a solidariedade não abdica o interesse do indivíduo. Ao contrário, este acredita que seu interesse será atendido em parte

10

Cujo objetivo é “proteger e desagravar o inocente pela sua aplicação imparcial a todos que estão a ela sujeitos”. (LOCKE, 2005, p. 33).

11

Consenso este obtido a partir de uma barganha entre os diversos setores da sociedade, na qual frequentemente a violência ou a possibilidade de eclosões de protestos e revoltas violentas estava presente.

12

O poder na leitura de Locke é subjetivo sendo entendido como a capacidade de se obter certos efeitos específicos, semelhante ao efeito da fusão de dois materiais diferentes formando um terceiro com propriedades próprias (BOBBIO, 1987, pp. 76 a 78).

(24)

caso assuma uma posição que atenda aos interesses dos outros também, desde que todos assumam compromissos de alguma forma garantidos.

Homem lockiano

0

Uso da força ou uso da razão

S e n s açã o Insegurança (I=1/S) Segurança (S=1/I) Matriz nº2

GRÁFICO 2 – Homem lockiano

Da mesma forma como no Gráfico 1, a segurança máxima está associada a uma insegurança mínima ou vice-versa. A segurança de Hobbes depende dos meios de autodefesa enquanto a de Locke depende fundamentalmente da razão. No entanto, Locke admite a possibilidade do uso da força onde a insegurança prepondera.

É lícito afirmar que a existência da razão, onde predomina o instinto da solidariedade humana, é o fundamento lockiano enrobustecido por meio de um consenso que transferiu parte da liberdade individual para o soberano. Enquanto Hobbes fez a apologia por um poder absoluto, Locke defendeu um poder outorgado. Todavia, ambos concordaram com a necessidade de um soberano que diminuísse a sensação de insegurança ou melhorasse a sensação de segurança, respectivamente.13

Assim, o soberano de um “estado de sociedade” tem poderes previstos em lei que o tornam capaz de, por meio de ações, proteger o homem impedindo que se atinja o “estado guerra”, no qual prevalecem a “inimizade, malícia, violência e destruição recíproca”(LOCKE,

13

Locke procura mais segurança por partir da premissa da razão, enquanto Hobbes busca a redução da insegurança por considerar que “o homem é o lobo do homem”.

(25)

2005, p.32). Em outras palavras, Locke reconhece a existência dessa degradante situação social, ou seja, ela é possível e pode ser evitada a partir de ações ou atitudes legítimas e legais do soberano.

Sintetizando, diante da possibilidade da intenção ou do uso da força o homem é uma ameaça capaz de causar danos à liberdade, igualdade ou propriedade do outro homem. Porém, por ser vulnerável, necessita estar subordinado a um poder superior ao seu para proteção e desagravo do inocente mediante uma lei consensual. Cabe, pois, concluir que identificamos os mesmos fatores já apontados anteriormente, ou seja, ameaça, vulnerabilidade, dano e o soberano com ações que reduzam a insegurança dos que estão sob a sua autoridade.

1.3 O triângulo da insegurança

Os fatores ameaça (A), vulnerabilidade (V) e dano (D) formam os lados de um triângulo que titularemos de insegurança. Contudo, essa figura geométrica se forma quando todos seus lados existirem em um determinado contexto. Portanto, quando o polígono estiver formado significa a existência da sensação de insegurança.14

A insegurança existirá sempre que houver A, V e D. É condição necessária e suficiente que as três variáveis estejam presentes ao mesmo tempo e no mesmo lugar.15 Em outras palavras, caso uma ameaça aproveite de nossa vulnerabilidade e, por isso, possa nos causar danos, estaremos inseguros. Na atualidade, se o Estado16 conseguir neutralizar, destruir, ou impedir a ação de A, podemos continuar vulneráveis e estarmos conscientes dos danos que ela

14

A partir daqui a dicotomia segurança-insegurança estará sempre associada à sensação ou crença. Morgenthau chega a argumentar que “a existência de determinados fatores psicológicos” é preponderante na decisão de países recorrerem ao desejo de se armarem. Continua ele: “é o receio de ataque, isto é, um sentimento de insegurança” (MORGENTHAU, 2003, p.783).

15

Nesse estágio da pesquisa a apresentação dos fatores tempo e local geográfico se torna importante e é intuitivo. Voltaremos a tratar esses fatores quando da apresentação de exemplos concretos.

16

Estado como um agrupamento de dominação de caráter institucional que monopolizou a violência física legítima como instrumento de domínio no limites do território, estando com os dirigentes os meios materiais da gestão. (WEBER, 2005).

(26)

causaria, porém nos sentiremos menos inseguros. Analisando por outro viés, no caso de uma ameaça presente com nossa vulnerabilidade reduzida ou eliminada completamente pelo Estado, seus danos teriam pouco ou nenhum efeito. Uma análise do fator D mostra as diferenças em relação aos anteriores, pois nesse caso, os danos podem ser minimizados por meio de ações compensatórias ou corretivas e não evitados.

Desse modo, se o Estado soberano conseguir evitar a formação do triângulo por meio de políticas públicas atingirá a segurança plena, condição ideal que inexiste no mundo real, onde só cabem ações para reduzir a insegurança.

1.4 Ampliando o sentido da (in)segurança

No mundo contemporâneo, o sentido da (in)segurança foi ampliado de modo a atender novas demandas individuais dos cidadãos perante o Estado. Buzan, por exemplo, defende um alargamento do conceito de segurança fazendo críticas à sua estreita compreensão. Esse autor realça a ênfase dada à dimensão política e militar, apresentando as razões que levam a confusão do termo segurança.17 Ressalta, ainda, que “a segurança da coletividade humana é afetada por cinco fatores principais: militar, político, econômico, social e ambiental”, apontando as ameaças e suas conseqüências – danos causados - em cada um deles (BUZAN, 1991, pp. 112 a 134).

Esses pontos apresentados por Buzan estão intimamente relacionados com o problema principal, a segurança. Porém, são interdependentes, não atuam isoladamente e sim em uma rede complexa.18 Assim, os níveis que o conceito segurança pode ser tratado são: individual,

17

Buzan apresenta cinco razões para a compreensão insuficiente do problema segurança. Suas críticas não poupam os seguidores das escolas realista e de outras perspectivas teóricas. Aborda tanto a complexidade do tema quando visto sob o ângulo das ciências sociais, não atraindo analistas dessa área de conhecimento, como a simplificação temerosa de se focar na maximização do poder político e militar (BUZAN, 1991, pp. 7 a 11). 18

Com a perspectiva de crescimento da demanda mundial energética devido ao desenvolvimento econômico da China e da Índia, estão ocorrendo emissões crescentes de CO2 o que sugere a necessidade de um controle do

(27)

estatal, regional e internacional. Essa separação é analítica, pois não faz qualquer sentido se estabelecer um nível de segurança descolado do indivíduo.

Costa (2004, pp.37 e 49) ao tratar da maior abrangência do conceito de segurança no pós-Guerra Fria, defende que o País deve primeiro estabelecer a segurança que se deseja para a Nação e seus cidadãos. No passo seguinte, seria identificado como defender as bases da segurança que estejam ameaçadas, por ele identificadas como: militar, política, econômica, técnico-científica, cultural, psicológica e social. O autor destaca que há novidades nas “questões de insegurança” e, por isso, novas concepções de defesa devem ser criadas.

Nas dimensões econômica e social, Gray (2000, p.14) analisou a relação entre liberdade de mercado e coesão social na Grã-Bretanha entre meados do século XIX e meados do século XX, concluindo que a liberdade de mercado produz alguns efeitos negativos que podem aumentar a pobreza. Para esse filósofo, o laissez-faire foi suplantado por pensadores como Keynes que “estavam prontos a utilizar os poderes do Estado para moderar os efeitos das forças de mercado, a fim de aliviar a pobreza e promover a segurança social”. Com foco na segurança social, há forças de mercado que ameaçam pessoas vulneráveis gerando pobreza, ou seja, acarretando danos sociais. Paralelamente, as liberdades do mercado podem aparecer como solução ideológica para se atingir uma segurança econômica. “O livre comércio sobreviveu na Grã-Bretanha até o impacto da Grande Depressão, persistindo como um dogma até muito depois de a sua ideologia ter acabado.” Em suma, medidas com o propósito de reduzir a insegurança econômica podem inserir ameaças que irão causar danos na esfera social. Cabe ao Estado avaliar e adotar iniciativas de modo a não comprometer outras dimensões que compõe a sua segurança.

Ananias (2005, pp. 18 a 21) tem uma visão similar ao propor uma revisão no conceito de segurança nacional que leve em consideração o desafio de se preservar a coesão social.

“dano ambiental”. Há, portanto, uma correlação entre pelo menos duas tipologias de segurança a econômica e a ambiental. A melhoria da segurança econômica dependendo de como é conduzida pode gerar uma maior insegurança ambiental (WOLF, 2007).

(28)

Esse aspecto estaria comprometido pelas ameaças como violência urbana e a desigualdade social. No campo externo, no qual convivem países desenvolvidos e subdesenvolvidos, as principais preocupações estão sintetizadas no Quadro abaixo.

Características predominantes dos países subdesenvolvidos

Possibilidades ou induções por parte dos países desenvolvidos

Reféns do mercado financeiro internacional Imposição de condicionalidades que induzem as prioridades nacionais

Dependência tecnológica Negação de tecnologias consideradas estratégicas Acesso a fontes suficientes de água potável e

energia

Razão de futuros conflitos

Pouca capacidade de compreender, prever e administrar conflitos potenciais ou explícitos, internos e externos.

Apresentação ameaças diferentes que não as verdadeiras como as ameaças à coesão e às fronteiras nacionais.

QUADRO 1 – Característica dos países subdesenvolvidos e possibilidades dos países desenvolvidos

Ou seja, os países subdesenvolvidos estão vulneráveis em vários campos da segurança nacional e com pouca capacidade de discernimento das suas fraquezas e das ameaças reais, a ponto de poder identificar um potencial inimigo como “protetor”. Nesse caso extremo, o Estado “protetor” naturalmente indicará os inimigos a serem enfrentados numa aliança que atenda os interesses deste (SCHMITT, 1992, p.78).

1.5 Uma ameaça mal avaliada

A pandemia de gripe de 1918 é um exemplo da insegurança vivida por brasileiros na época. Em que pese as dúvidas quanto à identificação da ameaça, pesquisas apontaram para “uma nova cepa de vírus influenza” surgida em 1916 que assumiu sua forma mortal em 1918.19 As péssimas condições de higiene a que estiveram submetidos os combatentes que lutavam entrincheirados na Europa durante a Primeira Guerra Mundial, tornou-os vulneráveis

19

Ocorreram duas ondas viróticas. A primeira , em fevereiro de 1918, era branda causando febre e mal-estar. A segunda se apresentou sob a forma letal em agosto do mesmo ano (ROCHA, [200-?]).

(29)

ao vírus. Essa ameaça se deslocou dos campos de batalha europeu para os Estados Unidos da América do Norte, atingindo populações da Índia, Sudeste Asiático, Japão, China e Américas Central e do Sul. O ingresso do vírus no Brasil se deu em fins de setembro, encontrando a população desprotegida devido à crença que o “oceano impediria a chegada do mal ao país”. Os “terríveis” danos causados por essa pandemia contabilizaram o adoecimento de 65% da população e o registro de 16.348 óbitos nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo.20

O quadro abaixo fornece alguns dados comparativos entre fenômenos causadores de óbitos na primeira metade do século XX, ressaltando a importância do assunto em pauta:

Fenômeno

Discriminação Período Óbitos (milhões de pessoas) Pandemia

Grande Guerra (campos de batalha) II Guerra Mundial (campos de batalha)

1918-1919 1914-1918 1939-1945 20 a 40 9,2 15,0 QUADRO 2 – Número de óbitos em calamidades mundiais no século XX

Fonte: (ROCHA, [200-?])

A Pandemia de 1918 ainda fornece um ponto que merece ser explorado para o nosso estudo. A iniciativa do Estado ao nomear alguém para tomar as providências adequadas a fim de reduzir, ou pelo menos tentar reduzir, os danos causados por esse vírus tão devastador.

Durante a Pandemia de 1918, Carlos Chagas assumiu a direção do Instituto Oswaldo Cruz, reestruturando sua organização administrativa e de pesquisa. A convite do então presidente da república, Venceslau Brás, Chagas liderou ainda a campanha para combater a gripe espanhola, implementando cinco hospitais emergenciais e 27 postos de atendimento à população em diferentes pontos do Rio.(ROCHA, [200-?]).

20

Danos no psico-social da população também são descritos por Juliana Rocha ao transcrever as palavras do historiador Pedro Nava que presenciou os acontecimentos no Rio de Janeiro em 1918. Ele escreveu que “aterrava a velocidade do contágio e o número de pessoas que estavam sendo acometidas. Nenhuma de nossas calamidades chegara aos pés da moléstia reinante: o terrível não era o número de casualidades - mas não haver quem fabricasse caixões, quem os levasse ao cemitério, quem abrisse covas e enterrasse os mortos. O espantoso já não era a quantidade de doentes, mas o fato de estarem quase todos doentes, a impossibilidade de ajudar, tratar, transportar comida, vender gêneros, aviar receitas, exercer, em suma, os misteres indispensáveis à vida coletiva” (ROCHA, [200-?]).

(30)

Assim, a ação do governante com medidas destinadas a atuar sobre o fator D, certamente abrandou a insegurança, diminuindo um dos lados do nosso triângulo, porém não o rompeu.21

1.6 Considerações parciais

Mantendo o foco no indivíduo, concluímos que ele continua vulnerável a ameaças cada vez mais sutis e diversas. Com o advento das armas de destruição em massa, os danos se tornam maiores em número de vítimas o que aumenta a insegurança. O temor pela morte violenta continua sendo o cerne da questão e a guerra, irrestrita ou não, já ocorria antes da criação do Estado e ao que tudo indica, está fadada a sobreviver a ele também (CREVELD, 2004). Para o Estado que soberanamente se propõe a proteger o seu povo, o problema de segurança assume novos contornos como os cinco campos definidos por Buzan. Nesse ponto, vemos que o sistema internacional anárquico, entendido como a ausência de um poder central, poderia se aproximar do estado de natureza Lockiano, desde que os Estados abolissem o uso da força bruta (ou a intenção do seu uso). De acordo com essa hipótese, estaríamos governados pelo poder da razão com uma sensação de segurança parcial.

1.7 Pearl Harbor e o 11 de Setembro

No pós-11 de Setembro, o governo do Presidente George W. Bush aprovou os documentos National Strategy for Homeland Security (NSHS) e a National Security Strategy

21

Outro exemplo na área de saúde pública é a poliomielite considerada uma doença infecto-contagiosa de origem viral (A) que causa a paralisia (D). Para reduzir a probabilidade ou mesmo eliminar a possibilidade de infecção o Ministério da Saúde recomenda o “esquema vacinal de rotina que deve ser iniciado aos dois meses de idade”. Entretanto, a ocorrência de surtos ou detecção de casos dessa doença em outros países levou esse órgão a recomendar “a revisão da situação vacinal contra poliomielite para todos os viajantes” com destino a esses países. Logicamente, o homem é considerado como sendo vulnerável ao vírus, necessitando de medidas de proteção para reduzir essa ausência de imunidade (ORIENTAÇÕES, [200-?]).

(31)

of the USA (NSS) publicadas em julho de 2002 e a de março de 2006, respectivamente.22 A consistência do triângulo da insegurança pode ser fortalecida se considerarmos que a NSHS apresenta os três objetivos estratégicos dos EUA para maximizar a segurança desse Estado (THE WHITE, 2002, p. vii). São eles:

a) Prevenir ataques terroristas dentro dos EUA;

b) Reduzir a vulnerabilidade norte-americana ao terrorismo; e c) Minimizar os danos e sua recuperação após um ataque.

Percebe-se que os EUA reconhecem a existência de uma ameaça (A) terrorista que deve ser neutralizada antes de causar danos (D). Reconhecem, também, que estão vulneráveis e isso determina que se tomem medidas para reduzir esse fator. Por fim, como existe a possibilidade da ineficácia das ações que incidiram sobre os fatores A e V, admitem que providências devem ser levadas a cabo no sentido minimizar as perdas e o tempo de recuperação após o sucesso do ataque terrorista. Tendo abordado a estratégia principal, ou seja, a NSHS, todas as outras estratégias e ações são decorrentes dela, inclusive as NSS. Podemos também avaliar a consistência da NSHS ao verificarmos que esses fatores não se alteraram desde a sua publicação,23 diferentemente da NSS que teve as versões de set/2002 e mar/2006.24

Em suma, não existe a garantia de segurança total e sim a busca por uma minimização maior da insegurança. A matriz apresentada por Buzan já mostrava esse aspecto de insegurança, cuja idéia sai robustecida quando a NSHS usa os termos prevenir, reduzir e

22

Outras estratégias derivadas são: National Strategy to Combat Weapons of Mass Destruction (dez/2002),

National Strategy for Combat Terrorism (fev/2003), The National Military Strategy of the USA (2004) e National Defense Strategy of the USA (mar/2005).

23

Em outubro de 2007, foi apresentada a atual NSHS que apresenta quatro objetivos sendo os três primeiros semelhantes à estratégia anterior. São eles: impedir e interromper ataques terroristas; proteger o povo americano, a infra-estrutura crítica e os recursos chaves; responder e recuperar-se dos incidentes que venham a ocorrer; e continuar a reforçar os fundamentos para assegurar o sucesso no longo prazo. (THE WHITE, 2007, p.1).

24

Pecequilo realça a diferença entre as duas estratégias como exemplo da mudança da postura dos EUA no sistema internacional. Na NSS publicada em setembro de 2002 os norte-americanos assumiram uma posição isolacionista, enquanto na revisão da NSS (editada em março de 2006) demonstram uma postura multilateral. (PECEQUILO, 2007).

(32)

minimizar/recuperar, respectivamente, associando-os às variáveis ameaça, vulnerabilidade e dano. Ou seja, o fato dos países serem considerados fortes quanto a seu poder e a coesão sócio-política não os imuniza de todos os tipos de ameaças, mas, sim, da maioria.

Quanto à coesão sócio-política25.

Tipo de Estado Fraco Forte

Fraco

Altamente vulnerável à maioria dos tipos de

ameaças Particularmente vulnerável às ameaças militares Quanto ao seu poder.26 Forte Particularmente vulnerável às ameaças políticas Relativamente invulnerável à maioria dos tipos de ameaças MATRIZ 3 – Tipos de Estado segundo Buzan

Fonte: Buzan, 1991, p. 114.

Esse mesmo autor classifica o terrorismo como sendo uma ameaça difusa e, por esse motivo, a considera de baixa intensidade.27 Paralelamente, as ameaças que geram conseqüências de elevado custo são classificadas como sendo de alta intensidade (1991, p. 140). Porém, recorrendo mais uma vez à NSHS podemos contabilizar que a expressão terrorism é mencionada 349 vezes, só perdendo para a expressão security que contabilizou 720 menções. Queremos dizer com isso que terrorismo é hoje uma ameaça expressiva, pelo menos, para os norte-americanos. Essa assertiva fica mais consistente se considerarmos os danos em número de mortes causadas pela ação terrorista de 2001 e pelo ataque à Pearl Harbor, assim como os meios empregados em ambos ataques:

25

Buzan relaciona Estados fracos ou fortes à coesão sócio–política que depende da idéia de Estado, sua base física e da expressão institucional dele. Esses fatores vão influenciar a percepção que o Estado dá, por exemplo, a sua segurança nacional. Para o Estado com forte coesão sócio-política a segurança nacional se relaciona a ameaças e interferências externas. No Estado fraco a idéia de Estado e suas instituições são contestadas internamente com violência, por isso a segurança nacional se volta para dentro de suas fronteiras. São Estados onde há ausência de consenso político, com grupos controlando seus próprios territórios, contestando o governo central e os outros grupos com o emprego da força (BUZAN, 1991, pp. 97 a 101).

26

O poder é relativo a outros Estados em função da capacidade econômica e militar de cada um (BUZAN, 1991, p. 97).

27

Para Buzan as ameaças difusas derivam mais dos processos do que do ator, objeto ou política. Como exemplo cita: o comunismo ou o capitalismo, a proliferação nuclear (tanto em tecnologia militar como civil), depressão econômica e efeito estufa (BUZAN, 1991, pp. 134 e 135).

(33)

Discriminação Ataque do Japão (07 dez. 1941) Ataque terrorista (11 set. 2001) Alvo

Base militar e navios de guerra dos EUA em Pearl Harbor

Símbolos do poder econômico, militar e político (este alvo não

foi atingido) dos EUA. Meio empregado no ataque

Força militar aeronaval com cerca de 15.000 militares distribuídos em 30 navios e 400

aeronaves, aproximadamente.

Grupo terrorista com12 homens usando como armas 4 aeronaves comerciais com passageiros.

Dano causado (nº de vítimas)28

2.413

(grande maioria de militares)

2.973

(grande maioria de civis)

QUADRO 3 – Comparação entre os ataques japonês e terrorista aos EUA

Os dois fenômenos tiveram como semelhança a surpresa, a liberdade de ação e a iniciativa do ataque, importantes princípios de guerra utilizados por militares em suas ações de emprego da força contra inimigos. As diferenças marcantes podem ser retiradas do objetivo de cada ataque. Enquanto os japoneses focaram alvos militares, os terroristas conseguiram atingir o povo, causaram algum dano ao Pentágono e tentaram atingir a sede do governo dos EUA.29 Outro ponto a observar é o custo30 dos empreendimentos japonês e terrorista. Em termos de vidas humanas e bens materiais, podemos afirmar que o segundo foi extremamente menor que o primeiro para um resultado 23% maior em número de vítimas. Ou seja, a relação custo/benefício foi extremamente favorável no caso da iniciativa terrorista se comparada com a japonesa sessenta anos antes.

Conclui-se que uma ameaça difusa não significa necessariamente como sendo de baixa intensidade. A história recente mostra que os danos causados por esse tipo de ameaça foram de elevada monta e, o que nos parece pior, voltada para alvos civis. No âmbito do atual sistema internacional, o 11 de Setembro sinalizou claramente a existência de organizações excluídas ou párias capazes de causar danos catastróficos. Além disso, essas organizações não

28

(ALVES, 2007 apud BOOT, 2006, pp. 246 a 360) 29

Clausewitz considera o povo, o governo e o exército como os três elementos fundamentais de um país. O ataque de 11 de Setembro procurou atingir esses três elementos.

30

Estamos nos referindo às perdas humanas e materiais dos japoneses e dos terroristas para concluir com êxito os ataques planejados por ambos. Os japoneses perderam no ataque 29 aviões, 6 submarinos e menos de 100 mortos (SURPRESA, [19--?]).

(34)

observam quaisquer regras, empregam meios limitados – militares ou não – em uma guerra sem restrições, a fim de submeter o inimigo aos interesses delas (Qiao e Wang, 1999, pp. 12 a 54).

Por fim, a NSHS (2002, p.x) apresenta quatro fundamentos visando atingir a melhor situação do país em termos de segurança. São eles: lei, ciência e tecnologia (C&T), compartilhamento de informações e sistemas, e cooperação internacional. No campo de C&T, vamos observar que nesse assunto os estadunidenses estão dispostos a não cooperar, inclusive proibindo essa prática por meio do fundamento legal expresso no Technology Alert List.31

1.8 A proteção de navios e portos

Os atentados do 11 de Setembro foram determinantes na decisão da vigésima segunda sessão da Assembléia da Organização Marítima Internacional (IMO) em aprovar o desenvolvimento de novas medidas relativas à proteção de navios e instalações portuárias.32

Como resultado, a denominada Conferência Diplomática sobre Proteção Marítima realizada de 9 a 13 de dezembro de 2002 aprovou emendas ao SOLAS 74 e adotou uma série de Resoluções, dentre elas a de número 2, originando o Código Internacional para a Proteção de Navios e Instalações Portuárias, conhecido internacionalmente como ISPS Code.33 Esse Código se propõe, basicamente, “a estabelecer uma estrutura internacional envolvendo a

cooperação (grifo nosso) entre Governos Contratantes (...) a fim de detectar ameaças (grifo

31

Como exemplo podemos citar as restrições publicadas pela Universidade de Harvard (TECNOLOGY, 2007). 32

Esse evento ocorreu em novembro de 2001. Para viabilizar o estudo que deveria estar pronto em dezembro de 2002 na Conferência de Governos Contratantes da Convenção Internacional para a Proteção da Vida Humana no Mar de 1974 (SOLAS 74), o Comitê de Segurança Marítima da Organização iniciou os trabalhos no mês de novembro de 2001, concluindo e apresentando-os no prazo previsto. SOLAS 74 é uma abreviatura da expressão

Safety of Life at Sea Convention 1974.

33

(35)

nosso) à proteção e tomar medidas preventivas contra incidentes de proteção” (CONPORTOS, 2003, pp. 5 e 6). 34

Esse tipo de segurança a nível internacional merece uma análise parcial. Inicialmente, apesar de o ISPS Code ter sido publicado após o 11 de Setembro, não encontramos qualquer menção ao terrorismo, seus atos ou ações. As medidas preventivas estão relacionadas a incidentes de proteção.35 Podemos inferir que a inserção do termo terrorismo acarretaria impactos econômicos mundiais, haja vista um aumento substancial no frete marítimo devido ao valor do seguro, este diretamente proporcional à elevação do risco envolvido. Ou seja, a IMO está preocupada com a segurança da vida humana, dos bens materiais (carga, navios e instalações portuárias) e, do comércio marítimo internacional. Logicamente, todos vulneráveis a várias ameaças bem antes do 11 de Setembro. Torna-se lícito dizer que o Código trabalha primariamente com as dimensões de segurança social e econômica. Secundariamente, com a segurança política dos governos, ambiental - devido a certeza de que determinados ataques à navios no porto ou no mar acarreta danos ao meio ambiente -, e, finalmente, militar.

Outro aspecto que chama a atenção na abordagem ao ISPS Code é a conceituação de risco que o documento apresenta. Para ele, “o risco de proteção é uma função da ameaça de um ataque, juntamente com a vulnerabilidade do alvo e as conseqüências de um ataque” (CONPORTOS, 2003, p. 38). Mais uma vez constatamos a presença dos três fatores, de

34

A tradução oficial do ISPS Code é o Anexo da Resolução 03, de 27 jun. 2003, da Comissão Nacional de Segurança Pública nos Portos, Terminais e Vias Navegáveis (CONPORTOS).

35

A palavra terrorismo não é encontrada no IPS Code. Os incidentes de proteção previsto no Código são: dano ou destruição de um navio ou de uma instalação portuária, por meio de explosivos, incêndio criminoso, sabotagem ou vandalismo; seqüestro ou captura do navio ou de pessoas a bordo; violação de cargas, equipamentos ou sistema essenciais do navio ou de suas provisões; acesso ou uso não autorizado, incluindo a presença de clandestinos; tráfico de equipamentos ou armas, incluindo armas de destruição em massa; utilização do navio para transportar pessoas cuja intenção é causar um incidente de proteção e/ou seus equipamentos; utilização do navio como arma ou como meio de causar dano ou destruição; ataques vindos do mar enquanto o navio estiver atracado ou fundeado; ataques enquanto o navio estiver no mar; bloqueio: de entradas dos portos, comportas, aproximações, etc; e ataque nuclear, biológico e químico. Além dos “incidentes de proteção” para navios (CONPORTOS, 2003, p. 59), o ISPS Code tipifica os relativos às instalações portuárias (ibidem, p. 82). Eles são muito semelhantes, a principal diferença é o objeto que se pretende proteger: navio ou instalação portuária.

(36)

forma tão explícita como publicada na NSHS. Aqui, o risco se confunde com a insegurança, porém os dois se relacionam de maneira diretamente proporcional se considerarmos que quanto maior for o risco de algo nos causar danos, maior será o nosso sentimento de insegurança.

O Brasil, como um dos 162 países signatários, adotou o Código como diretriz para a elaboração dos planos de segurança tanto para navios como para portos, cuja tarefa coube a Comissão Nacional de Segurança Pública nos Portos, Terminais e Vias Navegáveis (CONPORTOS). Três aspectos são dignos de nota quanto ao funcionamento dessa Comissão. Primeiramente, ela foi criada em 1995 em função de novas demandas em área específica de segurança pública – portos, terminais e vias navegáveis.36 Em segundo lugar, as deliberações com ações concretas começaram a ocorrer efetivamente no pós ISPS Code, ou seja, cinco anos após a sua criação.37 Por último, o colegiado da CONPORTOS é formado por componentes dos Ministérios da Defesa – representado pela Marinha do Brasil -, Transportes, Fazenda, Relações Exteriores e Justiça, sendo presidida por este. Em suma, essa cooperação interministerial passou a funcionar e a apresentar resultados somente após um imperativo funcional da IMO, cujo não cumprimento acarretaria sanções à participação da indústria marítima brasileira no comércio marítimo internacional. 38

Um conceito também interessante inserido no ISPS Code é o de proteção. Esse Código sugere que a preocupação fundamental das indústrias portuária e de navegação, componentes que são da indústria marítima, está voltada para as vulnerabilidades e seus danos. Não há qualquer referência voltada contra a ameaça no sentido de se contrapor por meio de medidas coercitivas. Ele enfatiza medidas do tipo anti ameaça, entendidas como sendo iniciativas

36

A CONPORTOS foi criada pelo Decreto Lei nº 1.507, de 30 de março de 1995. 37

De sua criação até o 11 de Setembro, a CONPORTOS nunca havia emitido qualquer Resolução. Em 2002, emitiu as de nº 001 e 002 em 24 jun. e 02 dez., respectivamente. No pós ISPS Code emitiu dezessete em 2003, sendo que a de nº 003, 27 jun. 2003, estabeleceu o Código como diretriz para a elaboração das avaliações e elaboração dos planos de segurança de cada porto ou terminal portuário (LEGISLAÇÃO, 2008).

38

A implantação do ISPS Code concorreu para a competitividade dos portos brasileiros a nível internacional. Dos 218 planos de segurança pública portuária aprovados até 27 de março de 2006, 130 estão certificados, as demais instalações portuárias estão com certificação provisória (SEGURANÇA, 2007).

(37)

destinadas a reduzir V e D e a busca por indícios de algo antes que se torne capaz de causar danos. Uma vez informado ao Estado, caberá a ele atuar em A com legalidade e legitimidade para neutralizá-la ou eliminá-la, com o emprego de força bruta se necessário. Conclui-se que o papel da indústria marítima é anti ameaça enquanto somente o Estado pode adotar ações contra ameaça. 39

1.9 Considerações finais

O Estado soberano é o ator principal no provimento da questão da segurança. A natureza humana do temor à morte violenta não mudou e novos tipos de ameaças pairam no mundo pós-Guerra Fria atuando em dimensões não só da política, econômica e militar, como da cultural e de informação ou social e ambiental. Assim, é licito dizer que essas dimensões não estão isoladas, mas se combinando com níveis de insegurança individual, de um grupo de pessoas, nacional e internacional. A iniciativa estatal pode ser sintetizada no quadro que se segue, onde o termo defesa será empregado por entendermos que ele consolida as ações do Estado nos três lados do triângulo da insegurança.40

Dimensões da Insegurança Ação do Estado atento à trilogia (A.V.D) • política • econômica • cultural • informação • social • ambiental • militar • defesa política • defesa econômica • defesa cultural • defesa da informação • defesa social • defesa ambiental • defesa militar QUADRO 4 – Dimensões da insegurança e ação do Estado

39

Os estadunidenses identificam dois tipos de ação para enfrentar a ameaça terrorista. Ações anti terrorismo são as que compreendem medidas defensivas para reduzir a vulnerabilidade a atos terroristas; e ações contra terrorismo são medidas ofensivas para prevenir, dissuadir e responder a atos terroristas (VIDIGAL, 2004, p. 33). 40

O emprego do termo proteção poderia induzir ao erro de se imaginar um Estado que somente atuasse nos fatores V e D.

(38)

Novas formas de ameaças não militares estão possibilitando danos maiores que os realizados por forças armadas convencionais. Se por um lado existem organizações internacionais que estabelecem medidas visando a proteção à vida humana, paralelamente há organizações párias que ameaçam várias dimensões de segurança em todos os níveis, aproveitando suas vulnerabilidades e causando danos. No caso Resolução nº 2 da IMO, tanto a cooperação brasileira a nível internacional, se integrando ao ISPS Code, como a nível doméstico, por meio da CONPORTOS, possibilitaram uma menor insegurança para os indivíduos, navios e portos brasileiros que integram o comércio marítimo mundial. Os EUA, a maior potência econômica e militar no pós-Guerra Fria, têm na cooperação internacional um dos pilares para a segurança da pátria estadunidense.

A insegurança está diretamente relacionada ao risco de algo acontecer nas dimensões e níveis já apontados anteriormente. Os três fatores corroboram diretamente com esse sentimento que, uma única palavra pode sintetizar o ponto comum em Hobbes e Locke, a liberdade. A liberdade humana que se inicia pela possibilidade de viver e morrer naturalmente.

Conclui-se com a seguinte equação cujo Estado E aparece como denominador capaz de reduzir a insegurança I de um povo limitado ao seu território, e submetido, ainda nos dias atuais, aos fatores ameaça A, vulnerabilidade V e dano D. A nível nacional, somente o Estado, principal ator do sistema internacional, pode impor medidas que atenuem essas variáveis nas dimensões e níveis de insegurança por nós identificados.

I = V.A.D E

Dentro de uma concepção nacional, há necessidade de se congregar o maior número possível das dimensões da insegurança. Conclui-se que a equação ficará:

(39)

Onde In, Ip,, Ie, Ic, Ii, Is, Ia, Im e Io representam, respectivamente, as dimensões da insegurança nacional, política, cultural, informação, social, ambiental, militar e outras. 41 Assim, há necessidade de ações do Estado em cada dimensão o que não impede iniciativas estatais abrangendo duas ou mais dimensões, em função da economia que alternativas dessa amplitude possam possibilitar. A associação de ações que sejam simultaneamente eficientes e eficazes é sempre desejável.

Por fim, a nossa equação In poderá também refletir a idéia de segurança nacional ( Sn ), considerando-se que I é o inverso de S para cada dimensão. Desse modo teremos:

Sn = Sp + Se + Sc + Si + Ss + Sa + Sm + So

Não pretendemos com isso, dizer que as dimensões da segurança estão no mesmo patamar de importância. Como vimos, vários pensadores elegeram a coesão política-social, os aspectos econômicos e militares apontando claramente para essas quatro dimensões. No entanto, uma nova ameaça surgiu desafiando o Estado, indicando a necessidade de iniciativas inovadoras para contrapô-la como as que já foram apresentadas.

Em suma, os fatores A,V e D considerados são peculiares para cada dimensão sendo o Estado o principal ator capaz de atender aos anseios de segurança do povo. Conclui-se que a equação Sn expressa a liberdade de um Estado sobreviver no mundo seja nos estados de natureza ou de paz hobbesiano, seja nos estados de guerra ou de sociedade lockiano.

41

Inserimos “outras” por não acreditamos poder identificar todas as dimensões de uma nação sem uma reflexão mais profunda a respeito de cada nacionalidade e de suas sensações aflitivas.

Referências

Documentos relacionados

Estamos perante um pacto sucessório renunciativo (os pactos sucessórios estão nos arts. 1678º/3), logo a alienação carecia do consentimento de ambos (art.. Estamos perante

A solução, inicialmente vermelha tornou-se gradativamente marrom, e o sólido marrom escuro obtido foi filtrado, lavado várias vezes com etanol, éter etílico anidro e

O levantamento das transformações ocorridas mediante a implantação da metodologia lipminiana propõe um debate acerca da importância de garantir uma educação holística

Na primeira, nos debruçaremos sobre a documentação portuária do Rio de Janeiro e outras fontes secundárias para comprovar que o açúcar proveniente de Campos, Norte Fluminense,

Nessa época, além da prá- tica em si, já havia também livros voltados para essas atividades, bem como a realização de apostas, demonstrando que o hábito já ia se consolidando

Este estudo tem o intuito de apresentar resultados de um inquérito epidemiológico sobre o traumatismo dento- alveolar em crianças e adolescentes de uma Organização Não

Contudo, as competências que permitiram que Trump tivesse sucesso nos seus negócios – e.g., agressividade, manipulação, improviso, desrespeito pela verdade – não nos

O terceiro estudo, também de caráter prospectivo, avaliou 43 bombeiros alemães em fase de treinamento visando identificar fatores de risco para sintomas de TEPT