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MATRIZ 8 – Sensação dos Comandantes Militares

5.1 Sumário

Foi dentro desse contexto que realizamos a pesquisa cujo período se estendeu de 1990 a 2005, principalmente. Buscamos identificar as razões que justificassem por que os governos democráticos brasileiros pós-Guerra Fria continuaram a aceitar a prática de aquisição de material bélico sucatado de países centrais.

No Capítulo 1 identificamos os fatores que compõem o triângulo da insegurança (A, V e D) e a importância do papel do Estado com ações para reduzir essa sensação em suas dimensões política, econômica, cultural, informação, social, ambiental e militar. Constatamos também que surgiu uma nova ameaça não militar no século XXI causadora de mais danos aos cidadãos civis do que os produzidos por um ataque com forças armadas convencionais no século XX. As ações empreendidas ou autorizadas pelo Estado podem ser classificadas como anti ou contra ameaça. A primeira quando as iniciativas priorizam os fatores V e D, buscando indícios de A. Já as ações do tipo contra ameaça enfatizam a neutralização ou eliminação do fator A, colocando em plano secundário os outros dois.

No Capítulo 2 vimos que, independente do que prescreve uma Constituição, a necessidade de se defender o povo e o território de ameaças externas persiste. No caso

brasileiro, a Lei Maior tem seu foco prioritário na segurança pública, passando por saúde e educação e, por último, na defesa da Pátria, dever do Estado não compartilhado com a responsabilidade de todos os cidadãos.

No período considerado, novas demandas surgiram no campo doméstico e internacional, assim, foram acrescentadas mais tarefas ao instrumento militar brasileiro fruto das iniciativas empreendidas pelo Estado. Apontamos que no sistema internacional, por exemplo, há organizações dedicadas à proteção da vida humana concomitantemente com organizações párias que, associadas ou não a praticantes de ilícitos penais, internam uma ameaça externa dificultando as formas de combatê-la. Nesse ponto converge a necessidade de cooperação nos dois campos, civil e militar a fim de se proteger o cidadão e o território nacional.

No Capítulo 3 constatamos que a primazia dos governos democráticos pós 90 no enfrentamento da insegurança econômica devido à crise da dívida externa brasileira no final dos anos 80, sua conseqüente adesão ao Consenso de Washington, e a ascensão da hegemonia estadunidense. Esse comportamento da política e do povo brasileiro sugere a aceitação do Brasil como país periférico no cenário internacional. Por outro lado, a promulgação da Constituição de 1988 e a ausência do imperativo funcional huntingtoniano corroboraram no sentido de não dar importância à segurança militar. Desse modo, há um retorno implícito de uma aliança militar Brasil-EUA ou a crença na inexistência de qualquer ameaça militar externa, em suma, um conformismo como país periférico ou simplesmente uma ingenuidade nacional.

A Constituição de 1988 foi elaborada por uma Assembléia Constituinte composta de membros representantes do povo que pertenciam ao Legislativo. Partindo da premissa que o dono da chave do cofre detém o poder, o que pudemos observar foi uma vinculação da ordem de 80% dos recursos orçamentários a demandas classificadas como prioritárias pelos

Constituintes. Isso não deixa de ser coerente com a definição relacional de poder de Dahl. Ou seja, considerando os dois atores Executivo e Legislativo, o poder dos parlamentares na elaboração da Constituição implicou numa forte redução da liberdade do Executivo no campo orçamentário. Como conseqüência, as despesas obrigatórias definidas pelos primeiros acarretaram uma redução dos recursos de livre utilização para o segundo, implicando, inclusive, na concomitante restrição orçamentária para a defesa da Pátria. Essa busca pela vinculação continuou durante a década de 1990 quando os parlamentares, por meio da Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização garantiram os recursos que atendiam os interesses de suas bases políticas. A reação do Executivo foi notória ao negociar no Congresso os Fundos Social de Emergência e de Estabilização Fiscal, assim como, a Desvinculação de Recursos Orçamentários que foi prorrogada até 2011.

Identificamos uma diferenciação de tratamento para pagamentos na esfera internacional e doméstica. Para a primeira há garantias que faltam para a segunda. Esse aspecto mostra-se aderente com a ideologia de mercado que atende aos interesses dos países centrais, principais produtores de material bélico. Assim, as indústrias estratégicas militares de outros Estados são mantidas, também, por países periféricos como o Brasil, gerando um círculo virtuoso de desenvolvimento e de dependência desses serviços. Esse é o paradoxo do orçamento de defesa do Brasil que pode propiciar empregos no exterior e dependência externa, aumentando a vulnerabilidade militar e gerando um círculo vicioso difícil de ser revertido. Em suma, se essa ideologia é considerada adequada para a segurança econômica, ela é inadequada para a segurança militar que é compatível com a desenvolvimentista. Esta certamente causará menos dano à coesão social, um dos alicerces da segurança nacional.

Por fim, entendemos que o poder político brasileiro passou a exercer um controle fusionista sobre o militar no período considerado, fruto da tradição e dos costumes no Brasil. No entanto, constatamos uma ingerência da “justiça da liberdade” na “justiça da obediência”

o que pode acarretar crises domésticas que possivelmente serão resolvidas no atual regime democrático de direito, dentro de uma crença de ausência de conflitos externos que envolva o País.

No Capítulo 4 verificamos a inovação no enriquecimento de urânio com repercussões na esfera internacional. Esse fato poderia ter sido considerado uma ameaça às empresas estratégicas francesas ou norte-americanas, caso a produção brasileira estivesse em condições de competir no mercado mundial promovendo a “destruição criadora” que fomenta o capitalismo, mas poderia causar danos ao setor estratégico produtivo desses Estados. Observamos a cooperação da política brasileira para a paz mundial, oferecendo garantias e assumindo compromissos assimétricos em relação aos países centrais quanto à produção de armas nucleares. Não identificamos vantagens dessa posição que é totalmente coerente com a Constituição de 1988. Ao contrário, países que não cooperaram e investiram em sua sobrevivência como Israel, Paquistão e Índia têm hoje o status que o poder nuclear lhes dá. Relembrando Hobbes, os “pactos” que esses Estados assinam têm “substância” por terem o respaldo da “força”.

No estudo do caso envolvendo o AMRJ, pudemos constatar que a construção das Corvetas possibilitou alguma independência tecnológica, não exatamente na área de sistemas de armas, mas de sistemas de proteção e de tomada de decisão do meio de combate flutuante. A partir dos anos 90, a iniciativa com a Cv Barroso contendo mais itens nacionais mostrou-se desastrosa quando identificamos a duplicação do período normal do batimento da quilha à incorporação, ocorrida em agosto de 2008. Quanto aos submarinos, o contrato com o consórcio alemão mostrou que a média de 103 meses de construção no AMRJ foi mantida, sem qualquer desvio superior a 20%. Esse fato é um reflexo do paradoxo do orçamento de defesa no Brasil, identificado no Capítulo anterior.