• Nenhum resultado encontrado

Com um território enorme, quase igual ao do Brasil60, e uma população que não ultrapassa a da grande São Paulo – por volta de 20 milhões de habitantes –, a Austrália está entre as treze maiores economias do mundo e possui, de acordo com um relatório de 2011 da Organização das Nações Unidas61, o segundo melhor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do mundo, atrás apenas da Noruega. Sua riqueza vem da agricultura, da mineração, da tecnologia de informação, do mercado financeiro e do turismo.

A taxa de desemprego entre os cidadãos de origem européia é muito reduzida. Mais de 70% da população possui casa própria e 50% investe em ações62. A qualidade de vida da população branca se reflete igualmente no consumo cultural e na educação. Dois de cada três

59 Não se tem a pretensão de explorar exaustivamente cada tópico. O intento é, antes, fornecer os subsídios contextuais necessários para a compreensão dos capítulos que virão a seguir.

60

O Brasil é o quinto maior país do mundo, com área total de 8.514.876 Km2, segundo o IBGE. A Austrália é o sexto maior país do mundo, com uma superfície de 7.692.024 km2, de acordo com o Geoscience Australia.

61 O Índice de Desenvolvimento Humano, aferido anualmente pela ONU, leva em conta a expectativa de vida, os níveis de escolaridade e a renda da população em cada país. É difícil imaginar que o IDH da Austrália leve em conta os números relativos às populações indígenas. O relatório de 2011 da ONU está disponível no sítio:

http://hdr.undp.org/en. Acesso em 15/01/2011.

62 Informações obtidas no site do governo australiano: http://www.dfat.gov.au/aib/tourism_students.html Acesso em 13/03/2011.

australianos frequentam cinema, e metade o faz pelo menos cinco vezes ao ano; um quarto da população visita museus e galerias63. Em 2010, a Austrália ficou em 10º lugar no Relatório Pisa, que avalia os conhecimentos e aptidões dos alunos de 15 anos de idade em matemática, leitura e ciências, e teve sete universidades incluídas no Ranking Times Higher Education das 200 melhores universidades do mundo64.

Mesmo após sua independência, a Austrália continua fazendo parte do Commonwealth. A rainha Elisabeth II, do Reino Unido, nomeia o Governador-Geral, seu representante em solo australiano. O Primeiro-Ministro, por outro lado, é sempre o líder do partido ou da coalizão que detém maioria na Câmara de Deputados. A vinculação à coroa britânica pode ser melhor compreendida à luz de um breve retrospecto histórico.

A colonização inglesa da Austrália é relativamente recente. Outros europeus já tinham conhecimento da Austrália antes dos ingleses. Em 1605, o espanhol Luis Vaes de Torres foi o primeiro a atravessar o estreito que leva seu nome – Estreito de Torres –, que separa a Nova Guiné da extremidade setentrional do atual estado de Queensland, na Austrália. Poucos anos depois, barcos da Companhia das Índias Orientais, navegando ao longo da costa australiana, passaram a se referir àquelas terras como Nova Holanda – termo utilizado até o século XIX. Prova das incursões holandesas nessa época é a ilha da Tasmânia, assim batizada em homenagem a Abel Tasman, chefe da expedição holandesa que ali chegou em 1642. Os holandeses, entretanto, não demonstraram interesse em colonizar o novo continente, pois o achavam “pouco hospitaleiro” (FATON e REBOURG, 1989: 10).

Os ingleses ficaram particularmente interessados por um relato de viagem escrito pelo pirata William Dampier, que aportou na Austrália duas vezes, no século XVII. Tanto que, em 1768, o Capitão Cook, da marinha britânica, partiu de Londres no navio Endeavour, rumo às terras descritas pelo pirata. A 29 de abril de 1770, Cook ancorou no local onde hoje fica Sydney. Em nome do rei George III, tomou posse da Nova Gales do Sul (New South Wales).

A colonização sistemática começaria após a independência das colônias norte-americanas, em 1783. Em parte, os ingleses queriam deixar claro para os franceses – que também haviam enviado barcos em missões de reconhecimento aos “mares do sul” – que a nova terra austral já tinha dono. Mas, acima de tudo, a Inglaterra pretendia resolver seu problema de excesso de

63

Dados disponíveis no portal de estatísticas da Austrália: http://www.abs.gov.au. Acesso em 13/03/2011.

64 A título de comparação, a USP aparece em 232º e a Unicamp em 248º lugar, no ranking. Quanto ao Relatório Pisa, em 2010 o Brasil obteve a 53ª colocação dentre os 65 países pesquisados nesse estudo da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).

contingente penitenciário: em 1787, o Parlamento britânico aprovou a deportação de 200 presidiários para a Austrália. A data de 18 de janeiro de 1788, quando a primeira frota levando condenados ancorou perto de Sydney, é considerada o marco oficial do início da colonização inglesa na Austrália.

Outros 150.000 presidiários chegariam nos anos seguintes, tendo tal política sido interrompida somente em 1868. À medida que crescia, paralelamente, a imigração de indivíduos livres, cidades iam sendo fundadas: em 1821, Brisbane; em 1829, Perth; em 1835, Melbourne. A partir de 1851, ocorreu um surto de crescimento econômico na colônia, em virtude da descoberta de minas de ouro, que vieram se somar à criação de carneiros, introduzidos com êxito em 1797.

A Federação Australiana (Commonwealth of Australia) formou-se em 1901, reunindo seis estados independentes e um território sob a mesma Constituição. Em 1914, a Austrália enviou soldados para a Primeira Guerra Mundial, tendo perdido 60.000 homens – o equivalente a 1,2% da população da época. O período entre-guerras foi de grande instabilidade, mas, após a Segunda Guerra, teve início um novo momento de prosperidade, graças à imigração de trabalhadores qualificados da Europa, ao crescimento industrial, a obras de infra-estrutura e à implantação de um sistema público de proteção social65. Desde então, não houve grandes crises políticas ou econômicas e o país só faz crescer, oferecendo um padrão de vida alto, em termos de saúde, educação, lazer e emprego, para a maioria de sua população branca66.

As metrópoles de Sydney, Camberra e Melbourne, que tive ocasião de conhecer, estão no sudeste, bem distantes das comunidades indígenas67 “remotas”. Já Cairns, Darwin e Alice Springs, onde também estive, ficam na metade norte do país e têm presença indígena bem maior. As duas comunidades aborígines com que tive contato são Yuendumu, perto de Alice Springs, e Yirrkala, de frente para o Golfo de Carpenteria. Os dois parques nacionais geridos por aborígines que visitei, Kakadu e Uluru, ficam no norte e no sul do Northern Territory, respectivamente. Importante notar que o miolo do mapa corresponde a um grande deserto de terra avermelhada, que cobre metade do país.

65 Maiores informações sobre esses e outros aspectos da história da Austrália podem ser encontradas em: TEO e WHITE, 2003; DENNON et al., 2000; DAVISON, HIRST e MACINTYRE (orgs.), 2001.

66 A alta qualidade de vida da Austrália branca teve consequências para minha pesquisa de campo. Não consegui um visto de mais de 3 meses, pois a maioria dos latino-americanos que vai à Austrália a trabalho não volta mais a seu país de origem. Levei um semestre para conseguir o visto, que custou caro e era não-renovável. Em segundo lugar, o custo de vida é tão alto, que a verba da bolsa de estudos foi inteiramente consumida pelo aluguel de uma kitchinete dentro do campus da Australian National University, em Camberra.

67 A palavra “comunidade”, usada ao longo da tese, é uma tradução de community, termo geral usado na Austrália para se referir a vilarejos em que um ou mais grupos indígenas se sedentarizaram após o contato.

Mapa 1. Os seis estados, o território e as principais cidades da Austrália. Os locais circundados são aqueles onde estive, em 2010.