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3 O DIREITO

6.2 Autenticidade de registros

Tradicionalmente, os arquivistas têm deixado o julgamento sobre a confiabilidade e utilização de evidência para os usuários finais, que fazem esses julgamentos de acordo com as suas necessidades e conhecimentos. Em ocasiões em que são questionados sobre a autenticidade, informam que aplicam testes diplomáticos (Gilliland-Swetland, 2002).

Em 1949, Kahn publicou artigo discutindo métodos pelos quais o arquivista poderia certificar a autenticidade de documentos que encontram-se sob sua guarda. O autor afirma que era solicitado ao arquivista, além de atestar a autenticidade do documento, incluir outras informações como a data em que o documento veio para sua custódia ou, ainda, que nada foi adicionado ou removido da série ou arquivo do qual o documento faz parte. Segundo o autor, o arquivista sofre críticas por se recusar a prestar este tipo informação na autenticação, sendo considerado uma forma de se esquivar de sua responsabilidade para com o trabalho.

Lissovsky (2003, p. 55) afirma que todo arquivo contemporâneo é uma combinação particular de autenticação, testemunho, registro e autorização, que são “regimes de produção do verdadeiro, tanto na história de sua acumulação como na rotina de seus procedimentos e nas demandas de seus usuários”.

Duranti (1995) ressalta que desde os tempos medievais tem havido uma discussão sobre a autenticidade dos registros privados numa tentativa de encontrar uma forma pragmática de fazer as pessoas respeitarem as suas obrigações. Algumas culturas escolheram o caminho romano, que prevê que qualquer obrigação deve ser registrada por escrito por um oficial público ou de cartório. Outras culturas escolheram o caminho franco, segundo a qual as ações e obrigações são oralmente feitas na frente de testemunhas e representada por um objeto escolhido (por exemplo, um pedaço de

96 madeira, um broto, etc.). Mais tarde, quando surgiu a necessidade de provar a existência de tais ações ou obrigações, foram contadas pelas partes ou seus descendentes na frente de um real juiz, que iria colocar o processo na escrita e afixar um selo para o documento resultante.

Em ambos os casos, os registros que foram criados foram considerados fiáveis, porque as pessoas que os endossavam eram de confiança. Ao longo do tempo, poderiam ser considerados autênticos devido à inclusão, neles, de elementos difíceis de manipular, tais como selos e sinais especiais. Em ambos os casos, apor selos pessoais nos registros e preservá-los em um local seguro tinha como objetivo assegurar que as ações e obrigações a que se relacionam os registros, seriam consideradas válidas no futuro. Duranti (1995) esclarece que tais medidas teriam garantido para a posteridade a autenticidade dos registros, mas não a sua confiabilidade. Pois a confiabilidade diz respeito à autoridade e a confiabilidade dos registros como evidência, ou seja, sua capacidade fixar os fatos.

Delmas (1996) afirma que os documentos orgânicos produzidos no curso de uma atividade, carregam consigo, a partir de seu contexto de origem, sinais específicos de validação. O fato de não serem atos gratuitos, conferem à informação neles contida, a presunção de autenticidade. Sendo o criador do documento, autorizado e credenciado para o exercício de uma determinada atividade, permite reconhecer a proveniência de um documento, independentemente da veracidade de seu conteúdo.

Duranti (1995) afirma que, para consideramos que um registro é um documento, é necessário que tenha sido criado ou recebido no curso de uma atividade. Ao participar de uma ação, é visto como prova, como espelho dessa ação. E o valor dessa prova, em termos de validade e de peso, depende da confiabilidade do registro, que pode ser considerado confiável quando pode ser tratado como um fato, por si só, isto é, como a entidade da qual é evidência. Essa confiabilidade é fornecida para um registro em função de sua forma e do seu procedimento de criação. A forma é completa quando o registro possui todos os elementos que são necessários ao sistema sócio-jurídico em que é gerado para ser capaz de gerar os efeitos a que se propõe. Os dois elementos mais comumente exigidos de forma são a data e a subscrição, que geralmente toma a forma de uma assinatura e atribui responsabilidade à pessoa, com relação ao conteúdo do registro.

Com relação ao procedimento de criação, Duranti (1995) afirma se tratar de um conjunto de regras, segundo as quais os documentos são gravados. Essas regras referem-se ao estabelecimento de competências para criação, assinatura, manipulação, publicação, arquivamento, etc. A autora ressalta que quanto mais rigorosa e detalhada

97 as regras e mais estabelecida a rotina, mais confiáveis os registros resultantes de sua aplicação.

A fim de serem admitidas em um tribunal de Direito, as provas devem atender a um padrão mínimo de relevância, materialidade e autenticidade, conforme estabelecido pelo juiz. Caso a prova satisfaça aos critérios mínimos de admissibilidade, dúvidas sobre sua autenticidade e confiabilidade não excluem a prova de ser apresentada no tribunal. Embora os requisitos para autenticação de admissibilidade não sejam excessivamente rigorosos, as questões sobre autenticidade podem influenciar significativamente o peso dado à prova pelo júri (CARTER, 2010).

Com relação a essa questão, Duranti (1995) destaca o fato do conceito de autenticidade ser completamente diferente do conceito de confiabilidade, pois um documento pode ser autêntico (ou uma cópia autêntica) e não ter conteúdo confiável. Como já foi observado, um registro é confiável quando ele pode ser tratado como evidência e é autêntico quando é o documento que afirma ser. Dizer que um registro é autêntico não é afirmar que é confiável, é afirmar que não resulta de qualquer manipulação, substituição ou falsificação ocorrida após a conclusão do seu procedimento de criação.

De acordo com Duranti (1995), a autenticação da reprodução de um registro, feita por um funcionário autorizado para esta função, fornece essa cópia com a mesma força do documento que transcreve ou reproduz, seja um rascunho, um original ou outra cópia e, consequentemente, o mesmo grau de confiabilidade. Segundo a autora, a genuinidade é o conceito mais próximo da veracidade, mas o fato de um registro ser autêntico, não lhe garante a presunção de genuinidade. O que geralmente é aceito por todas as civilizações letradas e que garante aos documentos o caráter de genuinos, é o fato de serem autênticos, terem um procedimento controlado de criação, transmissão e preservação e que pode presumir-se verdadeiro quanto ao seu conteúdo.

Segundo Mak (2012), as diferentes noções de autenticidade (principalmente diplomática, legal e histórica) operam de forma independente umas das outras e têm seus próprios critérios de avaliação que sugerem como os materiais podem ser interpretados dentro de um determinado domínio. Autenticidade é, portanto, uma forma de tornar fontes produtiva para uma comunidade específica de leitores e usuários. Cada senso de autenticidade não é apenas circunscrito pelos limites de uma determinada disciplina, mas, também, determina ativamente os limites da utilidade e do significado da própria fonte.

Autenticidade legal, segundo Mak (2012), é uma forma de tornar fontes produtivas em um contexto jurídico. Cada fonte que é admissível em um processo jurídico deve ter sido demonstrada ser autêntica de acordo com codigo legal. Desta

98 forma, apesar de transmissão de erros factuais ou com falta de certos elementos diplomáticos, um documento pode ser considerado legalmente autêntico se for acompanhado do atestado de uma autoridade competente. Fontes legalmente autênticas são materiais que tenham sido estabelecidos ou reconhecidos como tal pelo sistema legal.

Na Arquivologia, os registros são uma manifestação, mais particularmente uma manifestação de fatos sobre eventos passados, e que dada as circunstâncias da criação e utilização, são capazes de apontar para além de si (como um todo), para o caso particular que lhes deu origem. Segundo Meehan (2006), pode-se mudar o foco da relação entre registro e provas para a relação entre o evento e o registro. Em termos legais, o evento é uma ocorrência do fato a ser provado, o registro é uma instância do fato que prova e as relações entre esses dois fatos constituem matéria de prova. A capacidade de registros servirem como prova não decorre da natureza supostamente inerente aos registros, mas, sim, dos próprios processos que usam registros como prova, que invariavelmente envolvem a análise e criação, mais do que mera identificação, das relações entre os registros e eventos.