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3 O DIREITO

3.2 A norma jurídica

O homem e os grupos sociais, independentemente de sua vontade ou de seu poder, são controlados por normas sociais. A ordem social é formada por duas espécies de normas: as normas jurídicas, reconhecidas e garantidas pelo poder público, e as que dele independem e que são estabelecidas pelo costume. Para Reale (2011, p.95), “o que efetivamente caracteriza uma norma jurídica, de qualquer espécie, é o fato de ser uma estrutura proposicional enunciativa de uma forma de organização ou de conduta, que deve ser seguida de maneira objetiva e obrigatória”. O autor esclarece que a norma jurídica é uma “estrutura proposicional porque seu conteúdo pode ser enunciado mediante uma ou mais proposições entre si correlacionadas” e seu significado pleno só é dado pela integração das proposições nela contidas.

Nader (2002, p. 81) afirma que a norma jurídica atua como instrumento de definição da conduta exigida pelo Estado, indicando a “fórmula de justiça que satisfaça a sociedade em determinado momento histórico”. O autor conceitua norma jurídica como “conduta exigida ou o modelo imposto de organização social”. Para Gusmão (2006, p. 80), a norma jurídica é uma proposição normativa que, de forma coercitiva, pode disciplinar ações ou atos (regras de conduta) ou prescrever tipos de organizações e impostos. Provida de sanção6 e inserida em uma fórmula jurídica (lei, regulamento,

tratado internacional etc.), é garantida pelo poder público (direito interno) ou pelas organizações internacionais (direito internacional) e “tem por objetivo principal a ordem e a paz social e internacional”.

No Direito arcaico, as normas jurídicas eram dominadas pelo casuísmo, ou seja, por disciplinarem casos concretos. Já nas sociedades letradas e evoluídas, se caracterizam por serem dotadas de generalidade (não tendo por objeto situações concretas) e, no caso de normas disciplinadoras da conduta, pela bilateralidade. De uma forma geral, “a sua forma típica é imperativa, geral e abstrata” e compõe-se de “preceito e sanção” (GUSMÃO, 2006, p. 80).

O Direito, como norma de comportamento, por ter uma estrutura bilateral, distingue-se das demais normais sociais ao atribuir uma prerrogativa ou competência a uma parte e impor uma obrigação à outra. Mas a característica de bilateralidade não se aplica ao Direito como um todo, pois quando este prescreve a organização social, administrativa, política, etc., não tem esta característica. Gusmão (2006) advoga que a coercibilidade consiste no emprego de força física ou a possibilidade de recorrer ao Poder Judiciário para fazer com que a prescrição da norma seja observada. E, ainda,

6 Sanção: “todo e qualquer processo de garantia daquilo que se determina em uma regra” (REALE, 2011, p.72).

43 que embora hajam normas desprovidas de sanção, o ordenamento jurídico prevê consequências constrangedoras (sanções indiretas) para os que não observarem normas aparentemente sem sanção.

Temos duas categorias de normas, as que admitem violação (jurídicas, éticas, religiosas, costumeiras, técnicas) e as normas em que a violação é inconcebível (lei física). As normas técnicas, por sua vez, são regras que indicam como agir para atingir determinado resultado. Auxiliam as ciências e as artes e que diferem das normas jurídicas por não serem acompanhadas de sanção, no caso de sua inobservância. Nenhuma punição sofre o transgressor de normas técnicas, exceto não atingir seus objetivos, podendo ter como consequência o prejuízo econômico. Mas nada impede que uma norma jurídica tenha por conteúdo uma norma técnica, que, neste caso, cria obrigatoriedade de observância (GUSMÃO, 2006).

A norma jurídica é uma norma de comportamento que impõe uma conduta que deve ser observada diferentemente de uma lei física, que é inferida e anunciada, decorrente de uma constatação de regularidade de fatos que não podem ser modificados ou evitados pelo homem. A lei física enuncia uma relação causal entre fenômenos, enuncia não o que deve ser, mas o que é. Já a norma jurídica, segundo Telles Junior (2003, p. 256), “não é descritiva de um comportamento efetivamente mantido”, ela é a “indicação do caminho”, não descreve o que é, mas “o dever ser”. A lei física independe da vontade do homem e não admite transgressão, sua inobservância acarreta sua refutação, enquanto a norma jurídica disciplina fatos e atos que dependem da vontade humana. E é, por este motivo, que é prescrita uma sanção, já prevendo a possibilidade de violação.

As características principais das normas jurídicas, segundo Bittar e Almeida (2009), são a prescrição da conduta considerada normal em uma determinada circunstância e a prescrição de uma sanção, caso esta conduta não se concretize. Os autores ressaltam que o Direito é constituído de um conjunto normativo, ou seja, de diversas espécies de normas como as normas proibitivas, normas obrigatórias, normas permissivas, normas programáticas e normas de estrutura ou de competência, esclarecendo, ainda, que nem todas as normas jurídicas são dotadas de sanção. Meirelles (2009, p.720) ressalta, ainda, que os atos legislativos, ou seja, as leis propriamente ditas (normas em sentido formal e material), não ficam sujeitos à anulação judicial pelos meios processuais comuns e, sim, “pela via especial da ação direta de inconstitucionalidade” e, também, “pela ação declaratória de constitucionalidade, tanto para a lei em tese como para os demais atos normativos”.

Reale (2011, p.93) afirma que “sendo a norma um elemento constitutivo do Direito, como a célula do organismo jurídico, é natural que nela se encontrem as

44 mesmas características (...) sua natureza objetiva ou heterônoma7 e a exigibilidade ou

obrigatoriedade daquilo que enuncia”. O autor afirma que podemos estabelecer categorias fundamentais de normas, que se desdobram em diferentes espécies, mas que

o essencial é reconhecer que as normas jurídicas, sejam elas enunciativas de formas de ação ou comportamento, ou de formas de organização é garantia das ações ou comportamentos, não são modelos estáticos e isolados, mas sim modelos dinâmicos que se implicam e se correlacionam, dispondo-se num sistema, no qual umas são subordinantes e outras subordinadas, umas primárias e outras secundárias, umas principais e outras subsidiárias ou complementares, segundo ângulos e perspectivas que refletem nas diferenças de qualificação verbal (REALE, 2011, p.98).

Reale (2011) destaca, ainda, que a norma jurídica deve atender a requisitos de validade, que pode ser vista sob três aspectos, o da vigência ou validade formal (técnico-jurídica), o da eficácia (efetividade) ou validade social e o do fundamento ou validade ética. Para que se torne obrigatória e tenha condições de vigência, a norma jurídica deve atender aos seguintes requisitos: ser estabelecida por um órgão competente, ter o órgão competência sobre a matéria que é objeto da lei e ser o procedimento de elaboração da norma jurídica, legítimo. A eficácia se refere à aplicação ou execução da norma jurídica no seio da sociedade, que a reconhece e incorpora como um desejo da coletividade. E, finalmente, o fundamento diz respeito ao valor ou fim que a norma objetiva, ou seja, é a razão de ser da norma jurídica.

No que se refere à elaboração das normas jurídicas, Nader (2002, p. 229) ressalta que a elaboração do Direito escrito pressupõe “conteúdo”, que consiste em um composto normativo de natureza específica e “forma”, que se limita à técnica legislativa empregada na elaboração do ato normativo. A denominação técnica legislativa envolve duas ordens de estudo, sendo a primeira delas o processo legislativo, que dispõe sobre as fases que envolvem desde a proposição até a aprovação final do ato. A segunda trata da “apresentação formal e material do ato legislativo”, que é a redação e a distribuição dos assuntos no corpo da norma jurídica.

Segundo Gusmão (2006), na técnica de formulação legislativa, o legislador cria as normas jurídicas, geralmente imperativas, empregando como procedimentos técnicos a presunção (generalização de um fato conhecido), a ficção (considerando verdadeira uma criação artificial do pensamento), a forma (formato que dá certeza e segurança ao

45 ato jurídico) e a publicidade (que torna a norma de conhecimento de todos).

Para Nader (2002, p. 230), o ato legislativo deve ser um “todo harmônico e eficiente”, que requer planejamento e método, além de “exame cuidadoso da matéria social, dos critérios a serem adotados e do adequado ordenamento das regras”. A apresentação formal do ato diz respeito à sua estrutura, ou seja, às partes que o compõe, que de forma geral são: preâmbulo, corpo ou texto, disposições complementares, cláusulas de vigência e de revogação, fecho, assinatura e referenda. Ainda, segundo Nader (2002, p. 236), os critérios metodológicos empregados na distribuição do conteúdo de um ato normativo “proporcionam ao Direito uma forma prática de exteriorização”.

Para atingir seus objetivos, o Direito emprega sua técnica ou a “sua arte”, que consiste no “conjunto de procedimentos destinados a tornar mais perfeita e eficaz a criação e aplicação do Direito, bem como a tornar mais completo o seu conhecimento”. Compete à ciência fornecer o “conteúdo” do Direito e à técnica dar a “forma” das normas jurídicas (GUSMÃO, 2006, p.7).

Existe, na literatura do Direito, uma infinidade de formas de classificar as normas jurídicas, mas, neste trabalho, adota-se a classificação das normas jurídicas quanto às fontes de Direito, conforme proposto por Reale (2011, p.212), ao dizer “outro modo de classificar as regras jurídicas é quanto às fontes ou formas de sua produção. Segundo os meios e processos pelos quais o Direito se manifesta, poderemos distinguir quatro tipos de normas jurídicas”, no que complementa “normas legais, consuetudinárias, jurisprudenciais e doutrinárias ou científicas. A esses tipos tradicionais de regras, acrescentamos as regras negociais, produtos de autonomia da vontade”. A questão será aprofundada no item 3.4, que trata das fontes do Direito.