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CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS DO DSM – IV PARA PERTURBAÇÃO DO ESPECTRO DO AUTISMO

4.3. Autismo e compreensão social

As diferentes investigações executadas sobre as emoções parecem confirmar que enquanto o desenvolvimento evolutivo das emoções segue um processo gradual espontâneo nas pessoas ditas “normais” (Baron-Cohen & Bolton, 1993;), os indivíduos portadores da síndrome de autismo, manifestam graves défices no que respeita à aquisição deste desenvolvimento, incluindo, imensas dificuldades para compreender e, em consequência, oferecer razões às emoções experimentadas por outrem.

Aos 3 – 4 anos de vida, enquanto as crianças ditas “normais” já distinguem que certas situações causam determinadas emoções, uma vez que a partir da sua experiência social descobrem o sentido entre os acontecimentos e as emoções que estes provocam e, posteriormente, generalizam este conhecimento a novas situações, o qual ajudará a compreender as emoções em si próprios e nos outros (Bisquerra, 2012), o mesmo não acontece com as crianças com P.E.A. umas vez que estes apresentam importantes défices na aquisição das dimensões mentalistas.

O mentalismo relaciona-se, pois, com a compreensão social ou compreensão da intensão do outro, explicado pela Teoria da Mente e definido como a capacidade de inferir e deduzir o que os outros pensam, crêem ou sentem num determinado momento. Assim, a comunicação não verbal exige, por um lado, a capacidade perceptiva e compreensiva das expressões faciais dos outros e, por outro, a habilidade para a expressão dessa mesma modalidade. Pois bem, enquanto os diferentes estudos denotam uma maior dificuldade dos indivíduos com autismo no que diz respeito à denominação ou reconhecimento das emoções definidas como cognitivas em referência à atribuição causal de crenças ou desejos às emoções dos outros, a verdade é que as dificuldades destas pessoas persistem em relação às duas formas básicas do desenvolvimento emocional, tanto às emoções cognitivas como às emoções simples.Com efeito, Ekman (1993) y Hobson (1993), citados por Baron- Cohen & Bolton (1993), mostram como as pessoas com P.E.A. falham especificamente na identificação da expressão facial dos outros, a qual constitui um dos veículos mais importantes para a comunicação social.

Hobson (1993) confirma que os autistas obtêm piores resultados em tarefas de nomeação de emoções, demonstrando para estas áreas uma maior resistência evolutiva à melhoria do que no desenvolvimento comportamental, os estereótipos ou a conduta motora. Afirma, pois, que estas formas deficitárias, da perceção das emoções, devem-se a dificuldades para compreender as expressões emocionais e, ainda por existir dúvidas acerca da possibilidade destas habilidades serem requisitos para o reconhecimento das emoções ou, se pelo contrário, estas são o resultado das capacidades cognitivas, que facilitariam a sua compreensão, o que não há dúvida é de que ambos, o desenvolvimento cognitivo e o desenvolvimento percetivo e emocional, que constituem processos do desenvolvimento psicológico, caracterizados pela sua sistematicidade no funcionamento cognitivo, podem ser afetados mutuamente nesta inter-relação.

Este problema complexo parece estar directamente relacionado com as diminuídas habilidades das pessoas com autismo para gerar meta representações cognitivas. Neste sentido, a capacidade para realizar meta representações implica a habilidade para simular a realidade observada e, em consequência, imaginá-la e descrevê-la de acordo com a própria crença sobre o

que as outras pessoas percebem, ou seja, baseia-se no ponto de vista dos outros sobre a mesma situação entendida. A partir do desenvolvimento da capacidade mentalista, as pessoas vão adquirindo as destrezas necessárias para entender os estados emocionais, tais como a alegria ou a tristeza observada nas expressões faciais de outras pessoas.

Numa síntese sobre os défices transcritos, Hadwin, Baron-Cohen & Howlin (2006) indicam as seguintes características do desenvolvimento evolutivo emocional nas pessoas com PEA: 1) insensibilidade perante os sentimentos de outras pessoas; 2) incapacidade para ter em conta o que os outros sabem; 3) incapacidade para iniciar amizades com compreensão intencional; 4) incapacidade para observar o nível de interesse de outrém; 5) incapacidade para analisar o significado do interlocutor; 6) incapacidade para compreender os mal-entendidos; 7) incapacidade para compreender o engano; 9) incapacidade para compreender as razões das acções dos outros; 10) incapacidade para compreender as convenções.

As investigações científicas que explicam as dificuldades dos individuos autistas como uma consequência da disfunção cognitiva para integrar as funções procedentes de uma diversa panóplia de processos psicológicos, foram complementadas com a Teoria da Coerência Central Cognitiva. Esta, foi proposta por Frith (2004) e Happé (1994), citados por Hobson (1993), que defende que as pessoas com PEA tendem a realizar um processamento da informação baseado nos detalhes ou nas partes do seu significado global devido à sua menor capacidade para oferecer coerência global aos fenómenos e objectos que observam ou percebem, pelo que o seu sistema de processamento se caracteriza pela desconexão e debilidade, isto é, existe um défice no estabelecimento das relações cognitivas

Na mesma linha de consenso, a Teoria da Percepção por Ojea (2008), explica que o processo perceptivo supõe um feddback contínuo entre a informação provinda do meio e a experiência acumulada pelo indivíduo na memória a longo prazo, sendo esta o resultado de ambos os tipos de processos que actuam conjuntamente: os processos guiados conceptualmente e os processos dirigidos pelos dados. Assim, o processo de codificação cognitiva, que facilita a ligação entre uma interpretação cognitiva e o estabelecimento da sua representação correspondente, exige que a informação adquira significado e coerência entre os dois níveis perceptivos que operam no sistema, dirigido conceptualmente e pelos dados. Neste sentido, os défices assinalados são determinados pelas dificuldades para realizar a representação semântica dos fenómenos e dos objectos ou análise de conteúdos e é precisamente neste nível que os outros processos da cadeia cognitiva são influenciados pelo défice anterior. Devido a esta dificuldade localizada, a aprendizagem limita-se à informação recebida, sem que se produza um processo indutivo de inferir, aplicável a outras situações diferentes ou a novos estímulos, persistindo então, as estratégias de pensamento literal (literalidade cognitiva) (Hobson, 1993).

Com efeito, são numerosas as investigações que demonstram a existência de défices perceptivos e de reconhecimento das emoções nos indivíduos autistas, cujo substrato etiológico parece encontrar-se na base biológica do desenvolvimento humano. Nesta panóplia de estudos, maioritariamente realizados em observações entre grupos de controlo e grupos experimentais, definido este último por indivíduos autistas, a conclusão suprema é que existe invariavelmente uma grande dificuldade no que respeita à compreensão social por parte das pessoas com PEA. Estas apresentam, perante expressões faciais reveladoras de estados emocionais, uma resposta emocional

mais baixa e também graves dificuldades para realizar adequadamente a percepção das expressões emocionais no que se refere tanto às emoções de carácter estático como às de carácter dinâmico. Os indivíduos autistas entendem com grandes dificuldade as tarefas de análise e juízos acerca das emoções dos outros assim como raramente conseguem identificar as emoções nos próprios pares com PEA. Por outro lado, apesar da maioria destes indivíduos serem capazes de reconhecer e perceber emoções simples, assim como superar tarefas da Teoria da Mente, estes mesmos indivíduos mantém-se imensamente distantes da percepção das emoções complexas e da compreensão dos estados mentais.

Em apoio sobre a base da Teoria da Coerência Central, estudos demonstram que os autistas detém a sua atenção nos detalhes das expressões faciais localizadas, ao contrário das pessoas ditas “normais” que mostram mais atenção para com as propriedades dinâmicas dos estados emocionais do que as expressões faciais em si mesmas. Ou seja, apesar de ambos utilizarem estratégias similares quando se trata de percepções, os indivíduos com PEA mostram importantes défices quando se trata de realizar percepções de estados emocionais, baseando-se em percepções do tipo parcial ou local, focalizando a sua atenção de forma selectiva (Mello, 2005).

Os indivíduos com esta síndrome apesar de apresentarem algumas facilidades na utilização de chaves e sinais visuais relativamente a objectos, contudo, e devido aos défices existentes na capacidade de processamento visual, demonstram dificuldades enormes no reconhecimento das emoções. Além disso, estes défices não se manifestam apenas sobre figuras ou esquemas faciais, estendem-se também à percepção de figuras em movimento e aos gestos corporais.

É importante também referir Shamay-Tsoory (2008) e o seu estudo sobre as dificuldades no reconhecimento e compreensão social do estado emocional da inveja em indivíduos com PEA. Sobre o desenvolvimento evolutivo emocional, numa amostra representada por adultos com autismo de alto rendimento e síndrome de Asperger, esta investigação demonstrou importantes défices na compreensão das emoções, especificamente da ‘inveja’, o qual é um aspecto importantes, já que denota que, ao contrário do que outros estudos afirmam que o desenvolvimento emocional melhora notavelmente com o desenvolvimento cronológico, nesta ocasião não se referem melhoras como consequência da evolução. Por outro lado, foi observado como consequência dos défices de reconhecimento e processamento facial e das expressões gestuais, estes défices são generalizados à percepção da compreensão da ameaça social (Hadwin, Baron-Cohen & Howlin, 2006).

Não existem diferenças substanciais entre pessoas autistas com alto funcionamento cognitivo ou não, no que respeita à capacidade de realizar previsões quanto ao comportamento pessoal a partir da observação do estado de ânimo manifesto nas expressões emocionais. É notório também que estas respostas de previsão são menos frequentes perante situações influenciadas pelo humor como variável de influência no comportamento e todavia menor quando se refere a estados de ânimos que dependem de informação implícita que não é transmitida de forma clara e precisa. Estes estudos explicitam a importância a memória mecânica tem no processamento da informação das pessoas autistas, assim como a incapacidade para realizar um processo de auto-compreensão das emoções observadas nos outros.