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A AUTO-INDAGAÇÃO DO «EU» «QUEM EU SOU»

AUTO-INDAGAÇÃO DO «EU»

Imagine o leitor que tem um pedaço de gelo e deseja levá- lo ao estado gasoso. Para isto deve agregar calor ao sistema.

A energia introduzida conduz inicialmente a fase líquida e após, levará a água ao estado gasoso. O semelhante ocorre com a prática meditativa. Primeiro é necessário indagar o mundo interior e descobrir a testemunha estável que adverte a sua própria ausência de conteúdos mentais. No entanto, se requer seguir o caminho e auto-indagar a essa mesma «testemunha», que emergiu observando a vacuidade.

Auto-indagar implica em ser consciente do processo cognitivo que está funcionando e reconhecer a sua própria ordem sem buscar intervir nela. Quando enfim a atenção se voltar exclusivamente sobre a «testemunha», sobre o «eu», sobre a própria testemunha, o conhecedor se converte em seu próprio objeto de percepção. Assim o conhecedor e o conhecido coincidem sendo simultâneos. É ali onde nasce a percepção não-dual.

O vazio interior situado à distância, agora se desenvolve de forma homogênea em todo o campo interior enquanto que a testemunha se encontra diluída também em todo o campo interior. É como a um gás dissolvido no espaço de uma sala. O conhecido e o conhecedor se apreciam simultaneamente. Não se adverte fronteira alguma entre a homogeneidade do vazio cheio de atenção e a nova testemunha que conhece esta situação. A experiência é profundamente relaxante, pois não existe uma zona do campo que agrupe exclusivamente o perceptor, ele se encontra disperso em todo o espaço interior e a partir daí, completamente diluído, conhece a imensidão não-diferente dele mesmo.

É tal a falta de tensão do sistema nervoso, que a própria prática se converte em algo profundamente terapêutico. Os sentidos agora se precipitam para a desconexão. O mundo interior é cada vez mais pétreo e apresenta uma gravidade altamente densa, semelhante ao próprio aço.

A não-dualidade está ainda delimitada pelo próprio inconsciente, o qual ainda não se solta. Todo o corpo se encontra relaxado completamente. Se induz a não-dualidade em um campo que todavia se apresenta fechado, limitado pela memória a longo prazo. Perceptor e percebido habitam um universo interior cujas fronteiras não se detectam. A imensidão se agrupa em seu próprio silêncio. A viveza do nada surpreende a cada instante levando a que o espaço e o tempo deixem de ser um marco de referência e passem a ser desconhecidos padrões que já não diferenciam e nem se diferenciam.

Chega inclusive o momento onde o mundo externo é impossível de ser detectado. Sumidos agora em uma espécie de ovo que a tudo cobre e envolve, não se adverte o isolamento nem cessa a imensa quietude diante da presença de qualquer ruído, por mais forte que seja, ou o incomodo de uma postura que ainda se mantém imóvel.

Estudante- Os objetos mentais não perduram no mundo interior? Sesha- Exatamente. Os objetos mentais, os pensamentos,

sentimentos, emoções e paixões, semelhante a toda lembrança, são apenas fantasmas que se avivam pelo medo de quem os teme. Os conteúdos mentas não tem inteligência, não possuem consciência. Basta indagar o mundo interior e notar que desaparecem como bolhas de sabão.

E.- Mas, o que sustenta os pensamentos?

S.- O mesmo que sustenta os volumes em relação com o espaço. Uma entidade contínua e indetectável aos sentidos, que não permite ser captada diretamente pela mente, mas da qual consideramos a sua existência: o contínuo da Consciência. Inicialmente poderá notar como se insinua a existência da Consciência quando no processo de auto-indagação do mundo interior perceber que os pensamentos nascem e morrem como as ondas que se produzem no oceano da Consciência.

Posteriormente, quando todo o conteúdo mental cessar, advertirá a força e a quietude da Consciência que já começa a revelar-se como a estabilidade plena de atenção que observa a distância o vazio mental.

Finalmente, quando auto-indagar a testemunha do vazio, notará que se dilui em todo o campo interior sem notar-se localizado em qualquer local da imensidão percebida. É agora, na indagação do «eu», onde a Consciência começa a cobrar suficiente substância que finalmente se revelará como absoluta quando o «campo interior» se abra e nasça a Meditação.

E.- Primeiro devemos voltar-nos sobre nós mesmos para descobrir uma testemunha, um «eu» o suficiente estável que reconheça a ausência de todo conteúdo mental; é assim?

S.- Isso mesmo, o que você apresenta é a primeira faze da auto- indagação. Voltar-se para o interior e converter a cognição em algo semelhante a observar o céu completamente obscuro, enquanto permanece recostado em um monte observando a negritude do céu.

E.- Auto-indagado o mundo interior se conclui em reconhecer a uma «testemunha» a um «eu» que permanece firme e atento ao vazio de pensamentos que se apresenta diante de sua alenta observação interior; é assim?

S.- Assim é. É possível permanecer ali por minutos ou horas, englobado na imensa quietude do não pensar, enquanto se está atento à força interior que ferve como silêncio e homogeneidade.

E.- Mas ainda assim, sem importar a quietude alcançada, é necessário seguir adiante e dirigir a atenção não ao vazio, mas sim a testemunha.

S.- Exatamente. É aqui onde inicia a segunda faze da auto- indagação. A própria estabilidade do vazio declarado à

distância e a sua testemunha devem evoluir a algo, todavia mais estável.

A mesma maturidade da indagação do mundo interior acaba por modificar o próprio estado, semelhante que o calor sustentado acaba por evaporar o líquido contido na onda. De forma natural e completamente espontânea a atenção mudará de foco e surpreendentemente se firmará em si mesmo e não na vacuidade. A sensação levará a que a nova testemunha da cognição se dilua na totalidade de si mesmo. Temos convertido o sujeito em objeto de cognição, agora emerge a não-dualidade, a simultaneidade de objeto e sujeito.

E.- E é a esta maneira de conhecer ao que geralmente denomina-se como não-dualidade?

S.- Certamente. A simultaneidade de conhecedor e conhecido unicamente pode advertir-se através da não-dualidade. Buscamos essencialmente que a atenção se atenda a si mesma. Quando isto se alcança percebemos um universo existente, mas não diferenciado de quem o conhece.

E.- E também, o mundo interior ainda permanece limitado pelo inconsciente?

S.- A mente está limitada pelas fronteiras internas que se expressam na forma de pensamentos, cuja causa matriz é o sentido de «eu», e pela memória inconsciente que entre muito mais coisas, impulsiona a força geradora do instinto que leva a evolução do corpo e mente.

Quando se auto-indaga ao «eu», a testemunha estável que observa a ausência de conteúdos mentais, a mente se reestrutura induzindo a um caminho na relação objeto- sujeito. A «atenta atenção a atenção» alcança a experiência não-dual. No entanto, ainda seguimos caminhando, não temos finalizado a tarefa. Agora estamos no amanhecer do descobrimento de Atman.

Terceira fase: