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5 LIÇÕES DA UNESCO PARA EDUCAR O “HOMEM DE

1.5 AUTOAJUDA NAS RELAÇÕES DE TRABALHO

A autoajuda aplicada às relações de trabalho, com tais características, é extensivamente disseminada nos anos 90 do século XX, considerado período do boom de publicações de materiais do gênero com origem no século XIX, mais precisamente nos meados dos anos de 1840, período no qual que Samuel Smiles12 (1812 – 1904) lança as bases do que ficou conhecido como autoajuda para trabalhadores. No século XIX, a autoajuda visava construir um tipo de trabalhador com valores fundamentados na formação do caráter perante uma nova ordenação produtiva. Diante da afirmação dos preceitos liberais, Smiles disseminava os valores necessários àquela época em seu livro Self-help. Apenas nos dois primeiros anos, foi registrada a venda de 35.000 cópias e, em menos de 40 anos, mais de 280.000 exemplares haviam sido vendidos somente na Inglaterra. Nos Estados Unidos, o livro tornou-se referência em bibliotecas de muitas escolas, inclusive no Brasil, segundo pesquisa de Bastos (2000). Self-Help foi publicado e traduzido para o holandês, alemão, sueco, francês, português, croata, russo, italiano, espanhol, turco, dinamarquês, chinês, siamês, árabe, japonês e alguns

12 Em 1859, Samuel Smiles publica Self-Help (Ajuda-te). Vale registrar nosso agradecimento

ao Prof. Dr. Francisco Rüdiger, que viabilizou o acesso à referida publicação. Esta passará a ser citada no presente trabalho pelo ano de publicação ao qual se tem acesso, 1893.

dialetos indianos, o que evidencia a disseminação dos preceitos da autoajuda de Smiles pelo mundo.

Em artigo Leituras da ilustração brasileira: Samuel Smiles (1812-1904), Maria Helena Câmara Bastos (2000) mostra como a autoajuda de Smiles influenciou a intelectualidade brasileira no século XIX. Em sua pesquisa, a autora descobriu que Smiles é um dos pensadores que a elite ilustrada brasileira leu nesse século. O tipo dominante da ilustração brasileira era o tipo liberal.

A história da ilustração brasileira chega a confundir-se com a história do liberalismo nacional, em que pesem as múltiplas e diversas orientações, com seu esforço civilizador, com o seu trabalho para fazer do Brasil um país, não só cronológica, mas realmente uma nação do século XIX. (BARROS, 1959 apud BASTOS, 2000, p. 118).

Bastos descreve que em 1886, nas salas do Museu Escolar Nacional, “o professor Luiz Augusto dos Reis realiza uma conferência pedagógica sobre a Tese: Influência da escola sobre a educação dos alunos: meios ao alcance do professor para a formação do caráter dos seus discípulos” (BASTOS, 2000, p. 120). Para essa aula, dentre os livros indicados para leitura constavam três publicações de Smiles: O poder da vontade; O caráter; e O dever. Estes livros também estavam incluídos, “no catálogo do material e livros aprovados para o uso das escolas primárias de 1891” (BASTOS, 2000, p. 120). Considerando a grande circulação das obras de Smiles, Bastos procurou conhecer mais a respeito das suas idéias e “o porquê de terem atraído a intelectualidade brasileira”, querendo entender “em que medida essas idéias fortaleceram uma visão liberal conservadora? Como se deu a apropriação de suas idéias pela intelectualidade brasileira?” (BASTOS, 2000, p. 120).

Em sua pesquisa, a partir da análise dos livros acima referenciados, a autora constatou que as ideias divulgadas nesses manuais foram traduzidas no Brasil, para “fortalecer um ideário de valorização do trabalho livre, numa sociedade em processo de abolição da escravatura, que precisava (re)valorizar o trabalho, nas novas perspectivas que assumia e que deveria assumir.” (BASTOS, 2000, p. 133). Na concepção de Smiles, “o trabalho se naturaliza, a partir do que se mostrava como um senso comum universal, preparando o espírito da

elite ilustrada brasileira, para a ideologia do sucesso individual, como fruto da persistência, do esforço e do trabalho.” (BASTOS, 2000, p. 133).

As ideias de Smiles também tiveram forte influência no oriente, conforme afirma Jeffrey Liker, professor da Universidade de Michigan, autor de O modelo Toyota: 14 princípios de gestão do maior fabricante do mundo (2005). No livro, o autor traça a história da família Toyoda e do sistema de produção. Com a leitura do livro, o que surpreendeu? As ideias de Smiles também exerceram influência na trajetória de Sakichi Toyoda. Toyada constituiu uma trajetória como funileiro e inventor que, ao final, resultaram em teares automáticos altamente sofisticados, conhecidos como “as pérolas Mikimoto e os violinos Suzuki.” (LIKER, 2005, p. 37). Dentre as invenções de Toyada, havia um mecanismo especial para interromper o funcionamento de um tear toda vez que o fio se partisse, “uma invenção que partiu para um sistema mais amplo que se tornou um dos pilares do Sistema Toyota de Produção, chamado automação13 (automação com um toque humano).” (LIKER, 2005, p. 37). Toyada era engenheiro e, por seus feitos, ficou conhecido como o “Rei dos Inventores” no Japão. De acordo com Liker (2005, p. 37), a maior contribuição de Toyoda, “foi sua filosofia e abordagem de trabalho, baseadas no zelo pela melhoria contínua” que foram basilares para o desenvolvimento da Toyota.

Eis aqui um aspecto importante: “É interessante que essa filosofia, basicamente o Modelo Toyota, tenha sido significativamente influenciada pela leitura de um livro de Samuel Smiles publicado pela primeira vez na Inglaterra em 1859, intitulado Self-Help”14. Por que Smiles exerceu em Toyoda tal influência? O livro prega as virtudes do trabalho sistemático, do autodesenvolvimento, da economia. Em Self- Help, provavelmente encontrou semelhanças com a construção de sua trajetória de invenções, já que o livro é composto com ilustrações de fragmentos de histórias de grandes inventores da indústria, com destaque a James Watt, com o seu motor a vapor. Com o excerto biográfico de Watt entre outros inventores, Smiles destaca que não

13 Essencialmente, de acordo com Liker (2005, p. 37), “automação significa acréscimo de

qualidade enquanto se produz o material ou ‘constatação de erro’. Refere-se também à criação de operações de equipamentos para que os funcionários não fiquem amarrados às máquinas, e sim livres para desempenhar tarefas que agregam valor ao produto.”

14 “O livro inspirou tanto Toyoda que uma cópia da obra está exposta em um museu instalado

provinham de um dom natural, mas de muito esforço, trabalho duro, da perseverança e da disciplina. “Essas eram exatamente as características demonstradas por Sakichi Toyoda ao fazer seus teares funcionar com motores a vapor.” (LIKER, 2005, p. 38).

No início do século XX, com as transformações da base técnica, propagação dos princípios tayloristas de administração e, posteriormente, do fordismo, os processos de industrialização, urbanização, expansão da escola pública e emprego coadunavam-se para o controle e disciplinamento dos trabalhadores, como mostrou Gramsci. Naquele contexto, a literatura de autoajuda voltou-se aos “homens de negócios.” A crise de 1929, fechamento de fábricas, desemprego no contexto entre guerras e avanço do comunismo colocaram em cheque o projeto societário capitalista. Seguindo o entendimento de Hobsbawm (1995), a Primeira Guerra Mundial assinalou o colapso da civilização ocidental do século XIX. As crises políticas e econômicas que o capitalismo enfrentava no final do século XX e o “impacto da ‘Revolução de Outubro’ exigiam do capital uma resposta não só a nível do modo de acumulação e de gestão da força de trabalho, mas também a nível da hegemonia sobre a sociedade.” (VARGAS, 1985, p. 157). No discurso de autoajuda da primeira metade do século XX, enfatiza-se o conhecimento útil, disciplina, aceitação e conformação. Após a crise de 1970, a reestruturação das indústrias, do Estado, no contexto de mundialização do capital, e a implantação das políticas neoliberais impactam os mercados e as relações de trabalho, formando as bases de um novo bloco histórico.

A partir da década de 1990, a autoajuda refloresce e o discurso dos autores atuais visa configurar um trabalhador de novo tipo solicitado pela nova gestão do trabalho, administração flexível, também calcado nos casos exemplares, nas biografias de empresários de sucesso, homens que reorganizaram empresas consideradas em crise.