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4.2. Segunda fase: Antigo Regime nos trópicos

4.2.2. Autonomia colonial

Frente aos estudos que mostravam a descentralização do poder real, do ponto de vista político, surgiu a ―nova‖ tese de um Antigo Regime nos Trópicos. Isto é, aceitando-se a descentralização da Coroa portuguesa, rapidamente, os autores foram tentados a aplicar tal teoria nas colônias. Portanto, desse ponto de vista, haveria a ruptura final com a ideia de

Sentido da Colonização e Sistema colonial. Em última análise, aquilo que foi visto como uma variável interna em Ciro Flamarion Cardoso, de um ponto de vista conjuntural, pode ser

entendido com um aspecto que faz parte da estrutura histórica do império: a descentralização. Jamais Cardoso Santana afirmou ou entendeu dessa forma, mas, sua tese concorda, ainda que de forma distante, com um poder local prevalecente.

Mas, mais importante foi a adaptação do grupo carioca ao conceito de descentralização, ao conceber Hespanha como mentor intelectual basilar de seus trabalhos, pois, com a necessidade de superar Fernando Novais, cujo trabalho principal concebe um rei essencialmente absoluto, a tese do português apresenta argumentos proporcionalmente antagônicos aos do autor paulista.

Visto de uma forma dicotômica, a interpretação fundamentada no Antigo sistema

colonial passa a perder a legitimidade perante a concepção do rei que tinha poderes limitados.

Pois, de que modo sustentar-se-ia a noção de pacto colonial se de forma alguma as colônias existiam para atender o aparato metropolitano. Igualmente, a ideia de uma exploração colonial

seria minimizada já que as colônias não eram um corpo no qual o rei, de forma parasitária, extraia suas rendas. Principalmente, retomando as teses já colocadas em Homens de Grossa

Aventurae Arcaísmo como projeto, as de que a economia basilar da colônia era voltada para

os homens de grosso trato, sendo a propriedade rural baseada no escravismo pouco importante, distanciam-se cabalmente as interpretações do ART as do Antigo Sistema colonial.

Em Antigo Regime nos Trópicoshá um importante artigo do professor Hespanha no qual acomoda sua tese de Monarquia Corporativa às colônias. Observemos alguns pontos traçados por ele:

1. Poder real partilhava o espaço político com poderes de maior ou menor hierarquia;

2. O direito legislativo da Coroa era limitado e enquadrado pela doutrina jurídica (ius commune) e pelos usos de práticas jurídicas locais;

3. Os deveres políticos cediam perante os deveres morais (graça, piedade, misericórdia, gratidão) ou afetivos, decorrentes de laços de amizade, institucionalizados em redes de amigos e de clientes;

4. Os ofícios régios gozavam de uma proteção muito alargada dos seus direitos e atribuições, podendo fazê-los valer mesmo em confronto com o rei e tendendo, por isso, a minar e expropriar o poder real (HESPANHA, 2010a, p. )21

Desse modo, os capítulos do referido livro insistem em expor com variadas pesquisas documentais os diversos modos como as localidades tinham o poder se de auto- administrar. O texto é de Cosentino (2010), cujo trabalho de pesquisa foi feito em sua tese de Doutorado. Dentro da linha de pensamento de Hespanha, o autor mostra que governadores gerais tinham amplos poderes ao tratar das questões coloniais, não necessitando pedir, a todo momento, autorização real para realizar suas ações (COSENTINO, 2009). O Governador Geral era, assim, um representante do rei que exercia função similar à dele, podendo legislar quando fosse imprescindível. Todos os outros cargos estavam submetidos a ele (HESPANHA, 2010a). O argumento que pesa para o rei não decidir na vivência colonial e deixar nas mãos dos governadores as decisões é abalizado na distância entre as colônias e a metrópole, que nas contas de Hespanha contavam nove meses(HESPANHA, 2010a, p. 50), o que atrapalharia ainda mais um controle central. Para ele, é um equívoco acreditar que o rei exercia poderes absolutos na vivência da colônia. Ao explicar a possível ocasião que levou os

21 Acreditamos que essa distância territorial não constituía um problema administrativo, sendo a afirmação

historiadores a conceber o poder monárquico da época moderna como resultado de um absolutismo, ressalta para uma análise retrospectiva a partir da imagem do estado do século XIX, deturpada por propostas políticas que observavam negativamente o poder central do rei.

Do ponto de vista do colonizador, a imagem de um império centralizado era a única que fazia suficientemente jus ao gênio colonizador da metrópole. Em contrapartida, admitir um papel constitutivo das forças periféricas reduziria o brilho da empresa imperial. Do ponto de vista das elites coloniais, um colonialismo absoluto e centralizado condiz melhor com uma visão histórica celebradora da independência(HESPANHA, 2010a, 168).

Os historiadores brasileiros passaram a estudar a história da colônia sob um ângulo retrospectivo, valorizando excessiva e continuamente uma visão antagônica entre a metrópole e a colônia, a qual estabelece uma continuidade interpretativa e que representaria uma posição política dos prós-independentistas do século XIX. Os alicerces da historiografia brasileira foram construídos no contexto imediato do pós-independência. Não por acaso expressaram uma aversão na relação metrópole/colônia. Em última análise, uma visão própria dos colonizadores e colonizados passou a ser pensada de maneira sistemática a partir do esquema colonial do século XIX, onde prevalece uma mentalidade marcadamente pensada na qual a metrópole explorava a colônia, em um sistema de trocas desigualmente projetado e moldado pelos interesses da burguesia aspirante à ascensão social.

O efeito mais perturbador da aplicação de um modelo corporativo à situação colonial é o questionamento do paradigma de uma ligação de dependência única e unilateral entre metrópole e colônias, uma ligação que a história colonial tradicional compreende como ‗exploração‘ e ‗coerção‘. Numa sociedade pluralista como aquela da Europa da baixa Idade Média e início da Época Moderna, exploração e coerção, mesmo quando elas existiram (e existiram muito frequentemente), eram canalizadas por um mecanismo muito complexo e diversificado: transferência de impostos, hierarquização simbólica, desigualdades jurídicas etc., que frequentemente desempenhavam papéis divergentes e mutuamente dissonantes ou mesmo conflituais. A tentativa de compreender a totalidade da história colonial com a história de uma relação monótona que submete colonizados a colonizadores é, vistas as coisas assim, uma simplificação grosseira, pouco aceitável pelas atuais regras de arte da história. E, já que falamos em colonizadores e colonizados, terminamos com a desconfortável questão de perguntar quem eram os colonizadores e quem eram os colonizados. Ou melhor, se os colonizadores eram o reino e se os colonizados eram os colonos de origem europeia e sua mestiçagem, onde colocamos os nativos?(HESPANHA, 2010a, p. 75)

Nesse sentido, aceitando-se as bases de uma sociedade na qual não se privilegiava a coerção social, fruto de trocas econômicas desiguais planejada, se impossibilita de pensar

que o sentido da colonização tenha sido a vivência de uma colônia sendo explorada pela metrópole, ainda menos, concebe-se a ideia de um projeto de colonização baseado num pacto social que se pretendia ser sustentáculo de uma divisão desigual entre a colônia e a metrópole. Colônia versus Metrópole é resultado, segundo Hespanha, de uma interpretação ligada politicamente com um tempo histórico que serviu de protótipo para toda uma interpretação histórica, de certo modo anacrônica. O que se percebe é que a escolha metodológica na qual se concebe a vivência colonial não como resultado de um processo coercivo, não acomodaria conjuntamente a ideia de uma colônia que tinha por função exportar para desenvolver a metrópole.