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Governadores gerais de Angola e o comércio de escravos para o Brasil

CAPÍTULO 3 CRISE ECONÔMICAO ESTADO DO BRASIL E A

7.1. Governadores gerais de Angola e o comércio de escravos para o Brasil

Entre os anos que se seguiram ao fim da união com Castela, houve uma crise política dentro do império português que permaneceu latente até 1668, quando a Espanha aceitou a independência portuguesa. Uma crise fundadora do império ultramarino português, uma vez que a tentativa de enquadramento político da Coroa portuguesa perante as potências européias influenciou e foi influenciada pelas ocorrências ultramarinas. Concomitantemente à Restauração de Portugal o país observava um decréscimo substancial em seu território colonial e em seu círculo de influência comercial, em outros termos, quando em 1640, Dom João tomou para si a Coroa, parte importante do seu poderio comercial havia sido tomada pelos Países Baixos e, em partes pelos ingleses. Nesse quadro político se encaixa a perda do território angolano, mais precisamente do Porto de Luanda. Bem como os portugueses que necessitavam de escravos para produzir na América, os holandeses, em arremedo à

colonização lusitana, aplicaram o mesmo método de colonização, baseando-se no escravismo africano. Os holandeses, por meio da WOC, haviam açambarcado parte importante dos portos ocidentais portugueses (BOXER, 2008) e no Ocidente, por meio da WIC dominaram temporariamente algumas partes do território comercial português, como Pernambuco121 e Luanda (POSTMA, 1972; ALENCASTRO, 2006; DELGADO, 1971).

A intenção dos holandeses, ao tomarem o porto de Luanda, era similar à dos portugueses, mas, por meios diferentes, enquanto os portugueses que há quase um século haviam iniciado um processo de colonização, auxiliados pela evangelização, os batavos tão somente estavam interessados no comércio negreiro. Ora, esta também era a intenção do grupo africano que, naquele momento, comercializava escravos na região, principalmente os Jagas. Dessa forma, o ataque dos holandeses à Luanda teve sucesso porque havia uma recíproca por parte do reino Imbangala, centralizado nas mãos da Rainha Zinga, que em 1622- 24 ascendeu ao trono com o apoio dos portugueses122 centralizando o comércio de escravos na região e formando um espécie de cinturão que inibia a evolução do trato português com o interior do continente e passou a resistir as iniciativas (MILLER, 1975, p. 207). Em outros termos, os portugueses tentaram dominar o reino Imbangala conquistando a rainha que apenas se interessava em traficar escravos. Nesse sentido, os holandeses que exclusivamente pensavam no comércio, passaram a fazê-lo com a rainha, ao sul de Luanda, sem a anuência portuguesa, pois, enquanto os portugueses além de traficar escravos, tinham a finalidade de dominar a região; os holandeses apenas procuravam enviar escravos para a América. Não se afirma, todavia, que não era esse também o intuito lusitano, mas de modo que para além de um empenho com o mercado humano, havia também a demanda pelo território e pelas ―almas‖. Indo mais a fundo, em termos de colonização, os portugueses estavam desde 1575 num processo de domínio territorial que, certamente, não passou por despercebido nem pela

121 Variada é a historiografia a respeito: entre eles estão os livros de Evaldo Cabral de Mello, MELLO, Evaldo

Cabral de. O negócio do Brasil. 2003; BOXER, C. R. Os holandeses no Brasil. 1624 – 1654. 1961. Entre outros.

122 A Rainha Zinga, ou Ginga, é uma personagem lendária na história africana, uma vez que foi interpretada,

historicamente, como fiel depositária da resistência aos europeus. Essa interpretação aconteceu no movimento de independência de Angola e por historiadoresliberais, para os quais o fato dela ter resistido aos portugueses foi visto como um proto-nacionalismo. Não obstante, a historiografia tem mostrado que diferentemente de ter resistido ao avanço português baseada num nacionalismo a rainha tão somente se interessava em se assegurar no poder e, nesse sentido, fez inúmeras alianças com portugueses e holandeses. Sua base de poder era o tráfico de escravos que era feito com os europeus. Primeiramente, para ascender ao poder, ela se ancorou nos portugueses em 1622 quando tomou para si a Coroa em 1624. Para Joseph Miller essa ascensão foi incomum, pois, já havia se extinguido o costume de mulheres assumirem o poder no Congo; Thornnton, afirma que o costume não havia de todo se extinguido. O importante a se ressaltar é que, de fato, parte de sua elevação ao poder teve como base os portugueses ávidos por adentrar no sertão e capturar escravos. Como a rainha centralizou o reino do Dongo e o tráfico de escravos na região, criou-se uma nova etapa do tráfico de escravos, na qual a personagem feminina era uma fornecedora dos portugueses. (MILLER, 1975, p. 201 - 216); (THORNTON, 1991, p. 25 - 40).

rainha, nem pelos reis africanos que, quando faziam a aliança era para se manter no poder frente aos seus concorrentes e, também, como manobra para não ser achacado pelo povo ibérico. De modo que a aliança comercial feita com os portugueses, desde a década de 30, foi fruto da diferença de interesses comerciais entre os dois países europeus, que acabou implicando na aliança militar entre os Imbangalas e os batavos com a finalidade de expulsar os portugueses de Luanda em 1641. A rainha Zinga passou a agir em todo o Noroeste de Angola (Mapa 1). Com isso, atacava os povos que não se lhe submetiam e os escravizavam, recrudescendo o tráfico negreiro ocidental.

Mapa 1: Noroete de Angola c. de 1600123.

A importância da rainha Zinga teve umvalor muito grande no que diz respeito a um período crucial da história do tráfico de escravos africanos. Podemos dividir em duas etapas seu contato com os portugueses, anterior aos holandeses. Ao preferir os batavos,

ela resistiu à ação portuguesa de colonização. Depois de ter utilizado como escada até ascender ao poder. Depois dos holandeses, na segunda etapa, ela abriu as portas de parte do sertão africano aos lusitanos. De qualquer forma, em seu longo período como rainha Imbangala, ela forneceu escravos aos europeus e, acima de tudo, auxiliou no processo de construção da empresa escravista:

Ela acabou inesperadamente com seus antecessores opositores, abriu suas terras para as invasões de comerciantes de escravos portugueses, assim, expos os membros do reino a apreensão e venda. Ela também violou preferências ideológicas Mbundu, acolhendo os missionários cristãos à sua capital (MILLER, 1975, p. 208) (tradução livre)124

Quando em 1648 os holandeses foram expulsos de Luanda, restou a Zinga apenas a possibilidade de comercializar com os portugueses. Em 1656, houve uma aliança entre ela e os portugueses, a partir da qual se acelerou o processo de colonização do reino Matamba, ao sudoeste de Luanda. O acesso ao tráfico a esta região, depois de 1656 melhorou significativamente quando ela tornou-se católica e assim morreu em 1663, deixando aos seus descendentes o legado português (MILLER, 1975, p. 221) que implicou numa querela pelo trono, entre a opção de resistir ou aliar-se aos portugueses. Zinga soube, talvez como nenhum outro rei do período, aproveitar-se dos europeus para conseguir se sustentar no poder, sendo extremamente respeitada e temida, tanto pelos europeus, como pelos africanos. Forneceu muitos escravos para a América portuguesa e holandesa durante seu reinado, ajudou a articular internamente o tráfico negreiro, dando uma dimensão Atlântica ao trato.

O período de dominação holandesa em Angola marcou de um lado a fuga temporária dos portugueses da região, na medida em que os batavos se preocuparam tão somente em dominar a região do porto de Luanda com o intuito de comercializar. Outro aspecto característico dos holandeses foi a participação ativa da WIC que buscava escravos para a América a pedido de Nassau, pois, necessitava incrementar a produção (POSTMA, 1972, p. 239 ). Assim, por alguns anos, o tráfico de escravos feito pelos holandeses recrudesceu devido a tomada do porto de Luanda, mas, já em 1646 arrefeceu consideravelmente, e em 1648 entrou em crise profunda devido à guerra com os portugueses (Tabela 3).

124She abruptly ended her predecessors opposition to Portuguese encroachments, opening her lands to Portuguese

slave traders and thus exposing the kinsmen of the kingdom to seizure and sale. She also violated Mbundu ideological preferences by welcoming Christian missionaries to her capital (MILLER, 1975, p. 208)

Tabela 3

Tráfico holandês de escravos entre (1641 – 1648).

Ano Costa do ouro Golfo do

Benin Baía do Biafra África Central e Sta Helena Total 1641 0 827 685 423 1.935 1642 0 519 535 2.074 3.128 1643 213 146 1.508 4.336 6.203 1644 0 881 1.210 4.325 6.416 1645 0 497 490 3.564 4.551 1646 0 0 255 876 1.131 1647 0 0 0 7 7 Total 213 2.817 4.683 15.605 23.371

Fonte: Transatlantic Slave Data Base

Os holandeses foram expulsos de Angola na junção dos interesses de um grupo do Rio de Janeiro liderados por Salvador Correia de Sá e da Coroa portuguesa, a qual prontamente ajudou a financiar a empreitada com dinheiro, navios e suplementos125. Mas, o feito e a disposição ao ataque foram organizados e postos em prática pelo grupo do Rio de Janeiro. Mas, qual o interesse deles em Angola? Vejamos o caso de Salvador Correia de Sá. Dois pontos o agradavam na empreitada: a necessidade de escravos para colônia e, não menos importante, os ganhos que teria com a reconquista, isto é, as mercês que receberia depois da recuperação.

Charles Boxer afirmou que o intento português para além de econômico e político, era também religioso, em outros termos, os interesses portugueses em resistir em Luanda também teve a finalidade de ―salvar almas‖. Na avaliação do autor, os holandeses estavam mais aptos a resistir aos portugueses devido à posição geográfica que os colocavam

125 Entre outros: DELGADO (1972); ALENCASTRO (2006); BOXER (1973). Os três autores mostram de

diferentes ângulos as questões posteriores à restauração de Portugal, cujo interesse no circuito atântico esteve atravessado pelas necessidades americanas, em outros termos, entendiam que sem Angola o Brasil açucareiro não existiria e, por consequência, Portugal pereceria.

em um ponto estratégico, além do auxílio militar dos Jagas (BOXER, 1973, p.267). Mas, com todas as oportunidades de resistir, os holandeses deixaram a região aos portugueses que, depois disso, passaram a dominar definitivamente a região, principal, depois do acordo com a rinha Zinga em 1656.

A expulsão dos holandeses de Luanda foi o ponto fundador da política brasílica dentro de Angola, o que certamente esperava Salvador de Sá quando se propôs a atacar Luanda batava com tropas e cabedais brasílicos. Aplicou uma política de colonização baseada no sentido de extrair da colônia africana o máximo de cativos à América.

Depois de expulsar os holandeses de Angola, fez-se necessária a reorientação da colonização no território angolano, reestruturar a dinâmica portuguesa em Luanda e região atendendo aos novos interesses. Primeiramente, regressaram alguns fugitivos dos ataques holandeses que estavam em vilarejos circundantes a Luanda, ou seja, repovoar de portugueses a cidade126. Nesse sentido, também muitas dívidas que os moradores e sobas contraíram antes da invasão tiveram que ser perdoadas127. Também, se redistribuíram as terras e as sesmarias nas margens dos rios Zenze, Dande e Cuanza para os colonos do interior. Com o ataque holandês, o abastecimento de alimentos foi desarticulado, portanto, depois da retomada, houve a necessidade de rearticular o abastecimento da cidade. Passou-se a reaproveitar as águas do rio Maiga. Substituiu a moeda de panos de palha (moeda local), pela moeda de cobre128. O fator militar era a maior preocupação, na medida em que, havia o medo de um contra-ataque holandês, devido à deficiência marítima, construíram-se algumas galés que serviam para o transporte e ligações internas. Todos os presídios foram reconstruídos e alguns outros feitos, além do hospital de Luanda129. Em termos comerciais, criou-se uma moenda que substituísse os antigos panos de palha. Houve uma intensificação nas questões religiosas, exemplificadas na vinda de mais religiosos à cidade e, à construção de conventos, como o de São José. Houve uma preocupação muito especial com a captura de escravos e com o

126 Em 4 de Maio de 1649 o rei enviou à Luanda 6 mulheres portuguesas para que fundassem família. O rei

enviou uma carta a Salvador Correia de Sá afirmando que era para ele transladá-las a casas de homens bens casado enquanto esperavam maridos. Carta Régia a Salvador Correia de Sá (04-05-1649). AHC — Cód. 275, fl. 148. (MMA, 1981, vol XII, p.344). Em 1651 ocorreu o mesmo segundo os anexos da carta.

127 Carta Patente De Salvador Correia (16-01-1650). AHA - Livro de Patentes do tempo do Sr. Salvador Correia

de Sá e Benevides, vol. 2°, fl. 146 V.-148. — Publicado era A. A., 2.A Série, vol. II, p. 181-183. (MMA, 1981, vol XII, p.472-473).

128 Consulta do Conselho Ultramarino (18-08-1649). AHU — Angola, cx. 3. — Cód. 14, fis. 182V-183V.

(MMA, 1981, vol XII, p.393-394).

129 Confirmação da Administração do Hospital Geral de Angola (23-11-1650). A H U — Angola, cx. 3. — Cód.

comércio com os colonos no interior, redistribuindo os arrendamentos dos contratos130. Em suma, iniciou-se uma colonização efetiva em Angola, caracterizada pela tentativa constante de dominar a região e de organizar o tráfico de escravos (DELGADO, 1972, p. 22).

Do ponto de vista diplomático, duas principais frentes se fizeram importantes: o rei do norte, Garcia II e Ana de Sousa, rainha Zinga. Salvador Correia de Sá, em 20 de setembro de 1647, foi o primeiro Governador e Capitão Geral de Angola depois da expulsão dos holandeses, tendo como função de aplicar a efetividade da reconquista (BOXER, 1973), iniciando um período de tentativa de domínio, que durou até cerca de 1670, um período de recrudescimento no apresamento de cativos destinados à América portuguesa (ALENCASTRO, 2006, p. 247 - 327). Embora, se tenha tornado mais evidente o período de ataque ao sertão quando estabelecido por Negreiros e Vieira, já Salvador de Sá aplicou um plano de ataque aos povos do interior africano com a finalidade de dominar a região. Por conta desses ataques, o rei o advertiu por carta em 1649, requisitando moderação, pois, não poderia sustentá-lo belicamente em caso de revide131. Em relação ao rei do Congo, também, foi advertido de que era para planificar um acordo132. Assim, em 1651, D. João o enviou uma carta na qual o agradecia, tratando-o de forma honrosa, pelo acordo feito com Salvador de Sá

133, cujos sucessores tudo fizeram para destroná-lo. O Governador que sucedeu imediatamente

Correia de Sá e Benavides, Rodrigo de Miranda Henrique, embora tenha tido pouco tempo de governo (27 de Fevereiro de 1651 a 12 de fevereiro de 1653), devido ao seu falecimento, recebeu do rei português logo que assumiu o poder, a instrução de conservar a paz com o rei do Congo134.

O acordo com a rainha Imbangala, Zinga, foi chamado de conversão, isto é, a rainha Ana de Sousa que, em 1622 tinha se aliado aos portugueses e, com a chegada dos holandeses começou a comercializar com eles na década de 30 tornando-se aliada dos mesmos, teve que rever sua posição política após a expulsão dos batavos, pois, tinha que escolher entre guerrear ou se aliar aos portugueses. Escolheu a última opção e, em 1659, se converteu ao catolicismo. Sua morte, em 1663, gerou uma luta dinástica pelo trono que

130 Consulta do Conselho Ultramarino (08-07-1649). AHC—Cód. 14, fls. 173 e seguintes. — Angola, cx. 3. —

Original. (MMA, 1981, vol XII, p.357-361).

131 Carta Régia Ao Governador de Angola (23-04-1649). AHU - Cód. 275. Fl. 247. In: (MMA, 1981, vol XII,

p.343).

132 Carta Régia a Salvador Correia de Sá (26-04-1649). AHC —Cód. 275, fl. 147 v. (MMA, 1981, vol XII,

p.344).

133 Carta de D. João IV ao Rei do Congo (23-09-1651). AHU — Angola, cx. 3. — Cópia. — ATT — Ms. 170

(Livraria), fl. 374. — Tradução italiana em APF. — SRCG, 249, fl. 170. (MMA, 1982, vol XIII, p.81).

134 Carta Régia ao Governador de Angola. (22-09-1651). AHTJ — Angola, cx. 3. Cópia. (MMA, 1982, vol XIII,

acabou com a parcial dominação do seu reino pelos portugueses135. Ana de Sousa, depois de convertida rearticulou o tráfico de escravos com os portugueses e, também, passou a converter seu reino. Quando faleceu, a arquitetura religiosa portuguesa já estava implantada. Ao deixar sua irmã como herdeira do trono, a qual também era fiel à religião europeia, descontentou parte da sociedade Imbangala. Em 1666, Ginga Amona, cunhado de Ana de Sousa, envenenou sua esposa herdeira e muitos portugueses que estavam em seu reino, tomando o poder em oposição aos europeus. Essa atitude implicou numa resposta portuguesa em função da necessitada de traficar escravos.