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Autonomia na legislação: um olhar a partir da organização da educação brasileira

Capítulo II – A autonomia docente

2.1 Autonomia na legislação: um olhar a partir da organização da educação brasileira

A palavra autonomia relacionada diretamente à educação é tratada na Constituição Federal de 1988 no que diz respeito à educação superior apenas em seu Art. 207, afirmando que “As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”.

68 O conceito de autonomia trabalhado na dissertação não é um ponto de chegada, um fim em si, mas sim uma contribuição para o início da reflexão, um dos elementos de conexão à centralidade da categoria da contradição como base do estudo da autonomia inserida numa realidade concreta. Esse aspecto foi detalhado na metodologia, Capítulo IV do trabalho.

Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, sobre os sistemas de ensino, em seu Art. 15, explicita que estes “assegurarão às unidades escolares públicas de educação básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira, observadas as normas gerais de direito financeiro público”. No ensino médio, última etapa da educação básica, coloca como finalidade “o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico” para os educandos (BRASIL, Lei n. 9.394/1996, Art. 35, III). O restante das ocorrências para a palavra autonomia estão ligadas a educação superior.

O desempenho insatisfatório nas avaliações do Ministério da Educação podem fazer com que instituições de ensino superior tenham suas prerrogativas de autonomia suspensas temporariamente ou até que sejam descredenciadas, como preconiza o Art. 46, § 1º da LDB. No Art. 53 são definidas as atribuições em que a universidade pode atuar, como criação de cursos e currículos, estabelecer projetos de pesquisa e atividades de extensão, elaboração de regimentos internos, conferir títulos, firmar convênios e administração financeira. O parágrafo único do mesmo artigo estabelece que, dentro dos recursos disponíveis, os colegiados deliberem sobre número de vagas, programação das pesquisas e, para os docentes, contratação e plano de carreira docente. No art. 54, § 1º, a LDB informa que além das atribuições do artigo anterior, as universidades públicas gozam de autonomia para realizar outras funções. Porém, ao lermos os incisos de I a VII, vemos que há uma repetição do Art. 53 com outra redação, ao passo que as universidades públicas, ao menos juridicamente – e não politicamente –, tem menos autonomia do que instituições particulares, o que é positivo em algumas situações e negativo em outras. Essas atribuições de autonomia universitária podem ser estendidas à outras instituições, após avaliadas pelo poder público e comprovada a excelência acadêmica, como mostra o Art. 54, § 2º. Por fim, diz a lei no Art. 90 que a autonomia universitária é preservada em questões suscitadas em legislação anterior à Lei n. 9.394/1996, ficando o Conselho Nacional de Educação como responsável para dirimir quaisquer questões sobre esses casos.

Por parte do Poder Executivo, a palavra autonomia também toma significado. É o caso do credenciamento de universidade ou centro universitário que, para gozar de autonomia, “depende do credenciamento específico de instituição já credenciada, em funcionamento regular e com padrão satisfatório de qualidade” (BRASIL, Decreto n. 5.773/2006). Quando uma instituição pede credenciamento de campus universitário fora de sede em município com abrangência geográfica do ato do credenciamento, em outro estado, mesmo que o campus

integre o conjunto da universidade, ele não goza de autonomia (BRASIL, Decreto n. 6.303/2007, Art. 24, § 1o ). O Executivo tem o entendimento de que campus universitários devem representar uma área geográfica dentro de um mesmo estado da federação, não importando a composição das cidades em região de fronteira com outros estados, algo comum no país.

É válido que o Poder Público deva intervir sobre determinadas situações, como na regulamentação de cursos (BRASIL, CF/88, Art. 46, § 1º), mas extrapola a sua competência a partir do momento em que delimita as atribuições da universidade e seu correspondente conselho universitário (BRASIL, CF/88, Art. 53). Em outros pontos, a autonomia universitária se fortalece, como na escolha de seu estatuto jurídico especial (BRASIL, CF/88, Art. 54). No entanto, no § 1º do mesmo artigo, há a possibilidade de a universidade fazer operações de crédito ou financiamento com autorização do Poder Público, como consta no inciso VI, ou aprovar e executar projetos de investimentos referentes à obras, serviços e aquisições a depender de alocação de recursos, como observa-se no Inciso III. A autonomia universitária está, dessa forma, condicionada primeiramente ao orçamento. No Sistema Universidade Aberta do Brasil não é diferente, em que a autonomia das instituições públicas de ensino superior para organizar os encontros presenciais depende de liberação de recursos para diárias e transporte de professores.

Observados os aspectos legais da autonomia aplicada à organização da educação brasileira, essas ressalvas mostram que a autonomia na educação superior esbarra em limites colocados pelo Estado, indo ao encontro da visão de uma autonomia relativa, ou seja, uma autonomia que não é exercida em sua plenitude, como demonstrado. Foram dadas exemplificações de como a autonomia das instituições pode ser ferida pela política do Sistema Universidade Aberta do Brasil. Alguns exemplos de cerceamento da autonomia docente foram comprovados e detalhados na análise dos dados. O Capítulo V, que trata da análise dos dados, traz elementos que foram coletados a partir das entrevistas semiestruturadas com os professores supervisores, importantes para traçarmos um paralelo com a teoria de autonomia docente contemplada na pesquisa, sempre abordando na análise as condições objetivas de existência dos professores como elemento indispensável à compreensão da totalidade de sua prática de trabalho, tornando-os sujeitos históricos e constituintes do processo educativo e não mero objeto a ser observado sem nenhuma criticidade. O subcapítulo que segue trará mais detalhadamente a divisão entre o docente crítico reflexivo – concepção essa defendida nessa pesquisa – e o docente técnico, o expert infalível, com suas respectivas caracterizações.

2.2 A natureza ontológica do trabalho docente a partir da conceituação de