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2 TEORIA DOS SISTEMAS AUTOPOIÉTICOS, POLÍTICA E DIREITO

2.3 Autopoiese e Sociedade

2.3.1 Autopoiese: de Maturana e Varela a Luhmann

O trabalho de Maturana provocou reflexões sobre a dimensão que o tema poderia abranger, principalmente no que concerne à ―evolução cultural da humanidade como um sistema unitário‖. O desdobramento de temas relacionados à autopoiese permitiu, inclusive, a formulação de teorias para explicar a organização dos sistemas sociais, a operação da inteligência humana, o ―surgimento do espaço físico nos seres humanos‖ e uma nova ideia de evolução orgânica. (MATURANA; VARELA, 1995, p. 40)

Ainda, inovou, pois como afirmam Maturana e Varela (1995, p. 40) foi possível ―a consideração precisa a respeito do espaço conceitual que valida tais afirmações sem recorrer à noção de conhecimento objetivo e como, por sua vez, tal critério de validação radica no próprio fundamento cognoscitivo (experiencial) universal à nossa natureza‖. A amplitude conceitual concernente, por exemplo, à evolução dos seres vivos, evolução orgânica, à inteligência, à comunicação e linguagem, foi possível com a colaboração de outros

pesquisadores, entre eles Francisco Varela (organização dos seres vivos e evolução orgânica. (MATURANA; VARELA, 1995)

De acordo com Rocha (2013, p. 338), o primeiro a utilizar a ideia de autopoiese, contemporaneamente e com êxito, foi Humberto Maturana, juntamente com Francisco Varela. As relações entre cognição e biologia nunca mais foram as mesmas depois da autopoiese e ao afirmar e confirmar aos mais tradicionais observadores de que os ―obstáculos são necessários para o conhecimento do conhecimento‖. (ROCHA, 2013, p. 338)

A autopoiese foi analisada por Maturana e Varela (1995, p. 87) a partir das ideias de organização e estrutura, sendo que a organização compreende ―as relações que devem se dar entre os componentes de um sistema para que este seja reconhecido como membro de uma classe específica‖, enquanto a estrutura define-se como conjunto de todos ―os componentes e as relações que concretamente constituem uma determinada unidade e realizam sua organização.‖

A organização autopoiética é uma característica dos seres vivos. O que os diferencia entre si são as suas estruturas diversas, mas em sua organização são idênticos. Reconhecer que a organização autopoiética caracteriza os seres vivos possibilita relacionar uma quantidade significativa de dados empíricos acerca do funcionamento celular e sua bioquímica. O conceito de autopoiese de Maturana e Varela (1995, p. 88) ―não contradiz esse corpo de dados - ao contrário, apoia-se neles e propõe, explicitamente, interpretá-los de um ponto de vista específico, que enfatiza o fato de os seres vivos serem unidades autônomas.‖

Um sistema é autônomo se conseguir especificar suas próprias leis, aquilo que é próprio dele. O ser humano possui como uma das características mais evidentes a autonomia e o mecanismo que os torna sistemas autônomos é a autopoiese. A organização não é própria do ser humano, mas de todas as coisas que se pode analisar como sistemas. Maturana e Varela (1995, p. 89) asseveram que, apesar disso, o que os ―distingue é sua organização ser tal que se único produto são eles mesmos, inexistindo separação entre produtor e produto. O ser e o fazer de uma unidade autopoiética são inseparáveis, e esse constitui seu modo específico de organização.‖

Rocha afirma que para Maturana o sentido é gerado por distinções. (ROCHA, 2013) Distinção é o ato de escolher qualquer ser, unidade, coisa ou objeto; destacando o escolhido e o distinguindo de um fundo. Maturana e Varela (1995, p. 83) sobre as distinções referem que ―toda vez que fazemos referência a algo, de modo implícito, estamos especificando um critério de distinção, que designa aquilo de que falamos e especifica sua propriedade como ser, unidade ou objeto‖.

Além das noções de estrutura e de organização que fazem parte da teoria de Maturana, a cognição é outra ideia importante. Para Maturana e Varela (1995, p. 72) a cognição é um fenômeno biológico e é caracterizada ―como uma ação efetiva, uma ação que permita a um ser vivo continuar sua existência em determinado meio ao produzir aí seu mundo.‖

O observador também é importante para a definição do conceito biológico de autopoiese, e Maturana e Varela (1995, p. 34) definem que ―o observador é um sistema vivo, e o entendimento do conhecimento como fenômeno biológico deve dar conta do observador e do seu papel nele (no sistema vivo)‖. Para o observador tradicional, conhecer ―é adquirir informação de um ambiente cuja natureza é operacionalmente independente do fenômeno do conhecer, num processo cuja finalidade é permitir ao organismo adaptar-se a ele (ao ambiente).‖ (1995, p. 32)

Outra questão importante da teoria de Maturana, como esclarece Rocha (2013, p. 341), é o ―construtivismo para a metalinguagem da cognição da sociedade moderna. Isto possibilita ―propor uma análise pragmática radical da comunicação e da linguagem, vendo a cognição como um acoplamento estrutural adequado dos sistemas vivos a seu aspecto ecológico‖. Ele refere que Maturana indica um paradoxo, retomado por Luhmann de uma maneira crítica, chamado de ―ontologia do observador‖.

Niklas Luhmann incorporou uma metodologia que tem como pressuposto a possibilidade de comparar em uma teoria da sociedade vários sistemas voltados para uma função específica. O autor descreve a importância da comparação, a qual aumenta conforme se admite a impossibilidade de deduzir a sociedade de uma norma ou de um princípio transcendente, seja pelo modo antigo da solidariedade, da justiça ou do consenso racional. Por essa razão, é possível a análise de áreas diferentes como o Direito, a Economia e a Política, evidenciando as estruturas que podem ser comparadas por meio da observação da diversidade desses campos. (ROCHA, 2013)

Em meio a esses apontamentos, e considerando a proposta do construtivismo em Luhmann, é importante destacar que:

Niklas Luhmann assume, portanto, a proposta de um construtivismo voltado à produção de sentido desde critérios de autorreferência e auto-organização introduzidos pela autopoiese. A formação luhmanniana, porém, inspira-se na metodologia sistêmica. A autopoiese aparece, assim, como uma diferença importante entre Luhmann e Parsons. Para Luhmann, a grande questão que relaciona o Direito e a sociedade é caracterizada pela oposição entre autorreferência e heterorreferência, ou entre sistemas fechados e sistemas abertos. Luhmann aponta para a questão colocada por Tarski de que a identidade é sempre o desdobramento de uma tautologia. No caso do Direito, este enfrenta o problema da ruptura de sua

identidade do Direito com o próprio Direito, ou seja, a unidade da própria distinção. (ROCHA, 2013, p. 342)

O Direito, sem dúvida, se encontra na combinação de duas distinções: expectativas normativas/cognitivas e a distinção do código direito/não direito. Todas as adaptações sociais do direito operam com base nestas distinções e variam o conteúdo das normas jurídicas e dos programas. Os programas são os parâmetros resultantes de decisões passadas operadas pelo sistema, e que regulam, em cada caso, a atribuição correta dos valores direito/não direito, a fim de se manter, em uma área de compatibilidade mútua, as ligações de tempo e a capacidade de discordar e de consentir. (LUHMANN, 2005)

Luhmann afirma que o sistema do Direito opera na forma de comunicação, protegendo os limites que a própria sociedade traça. O sistema jurídico deve, então, destacar o que deve ser tratado no sistema como comunicação especificamente jurídica. (LUHMANN, 2005) Para o teórico, na comunicação não se pode dispensar nem as operações comunicativas, nem as estruturas, pois a comunicação não pode ser reduzida à ação comunicativa, visto que envolve, também, a informação e o ato de comunicar. (ROCHA, 2013)

Nesse caso, nenhum esquema de observação pode ser escolhido de forma arbitrária, uma vez que está sujeitado às particularidades da operação. Assim, a comunicação é realizada somente quando a realização da operação distingue entre informação, ato de comunicar e compreensão, e o próprio processo de comunicação decide qual desses três componentes serão ligadas no momento seguinte. (LUHMANN, 2005)

Como sistema de comunicação, a sociedade só pode se comunicar dentro de si, mas não para com o seu ambiente. Ela produz sua unidade realizando operativamente comunicações ao reiterar ou antecipar recursivamente outras comunicações. Quando Luhmann refere que a produção do sistema ocorre por si mesmo, que dizer que o sistema opera de modo recursivo mediante um fechamento operativo. (ROCHA, 2013)

Para o Direito, o meio ambiente equilibrado é um elemento essencial à dignidade da pessoa humana, é um bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, além de integrar o rol dos direitos fundamentais. No seu cerne, o meio ambiente tem tutela jurídica respaldada por princípios específicos que lhe garantem proteção especial. O Direito Ambiental é um ramo do direito que atua de modo a considerar a prevenção, a recuperação e o ressarcimento relativo a qualquer dano ao ambiente causado.

A Política compreende as necessidades energéticas como um fator a ser superado diante da demanda expressiva de energia elétrica. Para isso, são considerados muitos fatores

que favorecem políticas públicas de investimento no setor de energia elétrica, entre eles as matrizes energéticas disponíveis, os custos de investimentos e o benefício financeiro obtido nas concessões e leilões de energia. Muitas vezes, o poder político se sobrepõe aos interesses da maioria em prol de favorecimentos à minoria, pelo que é imperiosa a constante observação dos demais sistemas à comunicação do sistema da Política concernentes à energia elétrica a fim de evitar a corrupção.

O sistema da ciência, por sua vez, é capaz de apontar contingências (de acordo com seu código verdadeiro/falso) imprevistas ao tempo da adoção de uma política energética ou de decisão acerca da (in)constitucionalidade de uma lei correlata a tal política. O que tem se comunicado é que as hidrelétricas não são fontes de energia limpa, como há muito tem se divulgado, em virtude do alto índice de emissão de gás metano nos lagos formados nas barragens em consequência da ausência de oxigênio.

A autopoiese em Luhmann é designada como produção de sentido por si mesma, conforme descrição a seguir:

El concepto de producción (o más bien de poiesis) siempre designa sólo una parte de las causas que un observador puede identificar como necesarias; a saber, aquella parte que puede obtenerse mediante el entrelazamiento interno de operaciones del sistema, aquella parte con la cual el sistema determina su propio estado. Luego, reproducción significa —en el antiguo sentido de este concepto— producción a partir de productos, determinación de estados del sistema como punto de partida de toda determinación posterior de estados del sistema. Y dado que esta producción/reproducción exige distinguir entre condiciones internas y externas, con ello el sistema también efectúa la permanente reproducción de sus límites, es decir, la reproducción de su unidad. En este sentido, autopoiesis significa: producción del sistema por sí mismo. (LUHMANN, 2006, p. 69-70)

A clausura operativa realizada pela autopoiese tem relação direta com o nível de estabilidade que alcança uma operação, por meio de condições determinadas, e em que esta operação tende a formar um cálculo recursivo que sempre deve se voltar sobre si mesmo (autorreferência). O sentido é produzido, exclusivamente, como sentido das operações que o utilizam, e somente quando as operações o determinam, nem antes ou depois. Ele é um produto das operações que o usam e não uma qualidade do mundo devido a uma criação, fundação ou origem. (MANSILA; NAFARRATE, 2003)

Por essa razão a teoria dos sistemas autopoiéticos permite afirmar que o sentido restringe o que é possível solucionar por intermédio da sociedade, porque a sociedade é um sistema que determina sentido. Nesse sentido, Rocha (2009, p. 34) pondera que a autopoiese na teoria dos sistemas tem o fim de pensar as questões da sociedade de um modo totalmente

diferente, de uma perspectiva que, diante dos ―critérios de verdade da dogmática jurídica, são paradoxais‖, já que ―toda produção de sentido depende da observação‖.