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2 TEORIA DOS SISTEMAS AUTOPOIÉTICOS, POLÍTICA E DIREITO

2.3 Autopoiese e Sociedade

2.3.2 Autopoiese e Direito

As concepções desenvolvidas por Luhmann na teoria dos sistemas autopoiéticos trouxeram uma significativa contribuição ao pensamento sociológico difundido até então. Em comparação à teoria da autopoiese desenvolvida por Maturana na área da Biologia, Luhmann incorporou na sua ideia a possibilidade de considerar a sociedade como um grande sistema social que compreende seus subsistemas (sistemas parciais da sociedade), em consequência da comunicação.

O autor levou em conta que a sociedade e suas inter-relações poderiam ser considerados sistemas – isto porque poderia abranger a complexidade dos fenômenos sociais. No que diz respeito ao Direito, as análises devem ser realizadas conjuntamente e de modo complexo com a sociedade, verificando-se os processos elementares de formação do Direito e a sua função em conjunto com os elementos estruturais dos sistemas sociais. (FORNASIER, 2013)

O sistema social somente é possível pela ocorrência da comunicação e, sendo assim, a comunicação decorre da linguagem, das estruturas, da diferenciação e das funções. Todos estes componentes tornam possível a evolução social, embora o que seja definitivo para a evolução seja a diferenciação. A característica em manter relações com o ambiente constitui toda teoria dos sistemas. A teoria da diferenciação, para Rocha (2013, p. 336) afirma que

―somente os sistemas são dotados de sentido, sendo que o ambiente é apenas uma complexidade bruta, que ao ser reduzida já faz parte de um sistema. É o sistema a partir da dinâmica da diferenciação que constrói o sentido‖.

A diferenciação funcional dos sistemas sociais é uma particularidade desenvolvida com o surgimento da sociedade moderna, ao se entender que ela tem condições de controle das indeterminações, mas ao mesmo tempo não para de produzi-las. E esta situação de controle e produção ocasiona um paradoxo na comunicação. Nesta senda, a pesquisa jurídica deve ser conduzida para uma nova compreensão que seja capaz de centrar a sociedade na complexidade, com base em premissas que possibilitem a observação dos paradoxos da sociedade e também o entendimento da complexa ideia de risco. (ROCHA, 2013)

As sociedades organizadas a partir da diferenciação funcional, no caso as sociedades modernas:

diferenciam-se em subsistemas funcionais que são autopoiéticos e auto-referenciais, nos quais o que importa para a construção do sistema não é mais a posição de cada subsistema, nas sim a função que cada um desempenha na sociedade. Assim, cada subsistema funcional (por exemplo, o subsistema político, o econômico, o jurídico, o educacional, o científico etc.) exerce uma função específica e o faz a partir de uma estrutura que se baseia num código binário que lhe é próprio e, ademais, exclusivo. Diante disso, cada subsistema funcional somente pode observar a sociedade a partir de sua função, o que obsta qualquer ordem sobre os demais. Não há, desse modo, como pretender que um determinado subsistema se arrogue numa posição privilegiada em relação aos demais. É por essa razão que a sociedade moderna passa a ser descrita como funcionalmente fragmentada, acêntrica ou, para utilizar um termo mais preciso, policontextural9, pois admite inúmeras codificações com validade simultânea. (VILLAS BÔAS FILHO, 2009, p. 105)

Para que um sistema seja diferenciado, é imprescindível que ele seja, simultaneamente, aberto e fechado. Para elucidar esse fenômeno, significa que o sistema deve ser ―operativamente fechado para manter sua unidade‖ e cognitivamente aberto para conseguir observar a sua ―diferença constitutiva‖. Desse modo, a sociedade tem como componente principal a comunicação que, de acordo com Rocha (2013, p. 337), é ―a capacidade de repetir as suas operações diferenciando-as de suas observações e devendo ser observada tanto em relação a esta capacidade de fechamento e abertura simultânea como também em relação à diferença sistema/ambiente‖.

Como as relações entre o ser humano e o mundo ocorrem sensitivamente, o homem tem a oportunidade de experimentar incontáveis ações, mas em contrapartida tem limitado o seu potencial de ação consciente e atual. O que acontece é que há um excesso de possibilidades de ação proporcionadas pelo mundo, pois são criadas variadas situações de modo incessante, o que gera situações contingentes e complexas. A complexidade, para Luhmann (1983), significa que sempre existem mais possibilidades do que se é capaz de realizar.

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Luhmann utiliza o termo para caracterizar uma sociedade concebida acentricamente. [...] Por outro lado, há também que se aludir à utilização do termo por Gunther Teubner, que analisa o papel desempenhado pelo direito num contexto de pluralização do mundo social, a qual é característica de uma sociedade diferenciada de forma irreconciliável em diversas esferas culturais de valor. Segundo Teubner, tal diferenciação, que, aliás, já é apontada por Max Weber, leva a um policontexturalismo que expressa o pluralismo de perspectivas incompatíveis de sistemas e contextos. [...] É oportuno lembrar que, para uma análise relativa à lógica dos sistemas policontexturais, Luhmann remete o leitor para um estudo de Gotthard Gunther, denominado ―Life as poly-contexturality‖. [...] (VILLAS BÔAS FILHO, 2009, p. 105)

Os sistemas obtêm a sua identidade por intermédio da constante diferenciação entre ambiente e sistemas, devido às decisões das organizações e interações concernentes aos processos sociais mais diversos. O Poder Judiciário, por exemplo, pode ser considerado uma organização destinada à tomada de decisões do sistema do Direito. A diferença produzida em cada ação de escolha de decisão gera o tempo. Quando ocorre a tomada de decisão, há produção de tempo dentro da sociedade. Sob este ponto de vista, o sentido das decisões é produzido pela diferenciação, e não pelo consenso. As estruturas burocráticas responsáveis pela tomada de decisões coletivas por intermédio da programação e do código dos sistemas são as organizações. (ROCHA, 2013)

As organizações e as interações são caracterizáveis como a própria sociedade, e o Poder Judiciário é a organização mais importante para o Direito, cuja função é a redução dos paradoxos na tomada de decisões face às incertezas e indeterminações. Os juristas observam o mundo a partir do sistema do Direito, que depende do Judiciário como organização. As disposições do Direito provenientes do Poder Legislativo que versam sobre as políticas energéticas são a fonte da qual os juristas extrairão a base de suas argumentações (seja em decisões ou petições).

O Poder Executivo como organização, por sua vez, pode criar estruturas burocráticas como Conselhos e Ministérios capazes de instituírem resoluções concernentes às políticas energéticas, que tanto podem fomentar a geração de energia elétrica como também podem prevenir danos oriundos dos riscos inerentes às suas atividades. Por fim, é o sistema do Direito quem define os problemas que vai observar e decidir.

A complexidade, para Luhmann, exige a seletividade das inúmeras possibilidades de ação. O processo de selecionar necessita de critérios próprios de auto-observação, e para Rocha (2009, p. 137) essa é a ―questão do sistema, a sua organização (auto-organização). Se o sistema consegue se auto-reproduzir com certa independência, isto é, consiga se fechar operacionalmente, existe, então, um sistema autopoiético‖. Os sistemas autopoiéticos são sistemas que conseguem criar um espaço próprio de sentido e se autorreproduzirem desde um código e de uma programação própria. Essa é uma ideia de autopoiese.

Em relação ao Direito, o sistema opera a partir do código binário: direito/não-direito. Com o advento da globalização, é forçoso um outro tipo de observação que anteriormente não se tinha. Não que antes as coisas não existiam, é que elas não eram observadas. O Direito necessita, atualmente, de uma maneira diferente de observação, um modo que seja não- normativista. Sob a perspectiva internacional também, pois é relevante considerar outras formas de possibilidades de organizações que existem no exterior, ―como a ONU, grandes

multinacionais e a União Européia, etc. Há, assim, uma observação plural do mundo, ou se quiser, mais do que um pluralismo, um multiculturalismo‖. (ROCHA, 2009, p. 145)

Analisar o Direito, mormente em relação aos desafios das questões que emergem da construção de hidrelétricas e dos impactos por ela causados, mesmo diante do fato de que não há a normatização completa da sociedade, não significa que o Direito expresse apenas uma autorreferencialidade insuficiente em relação ao ambiente. A descrição simplificada da dogmática jurídica não possibilita a análise mais aperfeiçoada do Direito, o que acaba sendo possível com a autopoiese.