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Construção de hidrelétricas no Rio Uruguai: comunicações políticas e jurídicas relacionadas aos impactos ambientais e sociais

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Academic year: 2021

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MARCELE SCAPIN ROGERIO

CONSTRUÇÃO DE HIDRELÉTRICAS NO RIO URUGUAI: COMUNICAÇÕES POLÍTICAS E JURÍDICAS RELACIONADAS AOS IMPACTOS AMBIENTAIS E

SOCIAIS

IJUÍ (RS) 2016

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MARCELE SCAPIN ROGERIO

CONSTRUÇÃO DE HIDRELÉTRICAS NO RIO URUGUAI: COMUNICAÇÕES POLÍTICAS E JURÍDICAS RELACIONADAS AOS IMPACTOS AMBIENTAIS E

SOCIAIS

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Direito, com Área de Concentração em Direitos Humanos, da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, como requisito parcial para a obtenção do Título de Mestre em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Mateus de Oliveira Fornasier

Ijuí (RS) 2016

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Catalogação na Publicação

Aline Morales dos Santos Theobald CRB10/1879

R722c Rogério, Marcele Scapin.

Construção de hidrelétricas no Rio Uruguai: comunicações políticas e jurídicas relacionadas aos impactos ambientais e sociais / Marcele Scapin Rogério. – Ijuí, 2016. –

167 f. ; 29 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Campus Ijuí). Direitos Humanos.

“Orientador: Mateus de Oliveira Fornasier”.

1. Risco. 2. Autopoiese. 3. Hidrelétricas. 4. Meio ambiente. 5. Teoria dos sistemas. I. Fornasier, Mateus deOliveira. II. Título. III. Título: Comunicações políticas e jurídicas relacionadas aos impactos ambientais e sociais.

CDU: 34:502.7

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Curso de Mestrado em Direitos Humanos

A Banca Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertação

CONSTRUÇÃO DE HIDRELÉTRICAS NO RIO URUGUAI: COMUNICAÇÕES POLÍTICAS E JURÍDICAS RELACIONADAS AOS IMPACTOS AMBIENTAIS E

SOCIAIS

elaborada por

MARELE SCAPIN ROGÉRIO

como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito

Banca Examinadora:

Prof. Dr. Mateus de Oliveira Fornasier (UNIJUÍ): ___________________________________

Prof. Dr. Paulo Roberto Ramos Alves (UNOESC): _________________________________

Profª. Drª. Elenise Felzke Schonardie (UNIJUÍ): ____________________________________

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“O Senhor é o meu Pastor, nada me faltará.” (Salmo 23)

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“Se alguém Já lhe deu a mão E não pediu mais nada em troca Pense bem, pois é um dia especial” Dedico esta pesquisa a todos que colaboraram para que eu pudesse realizá-la:

A Deus;

Aos meus pais Angelino Rogerio e Neuza Scapin pelo amor e pela preocupação em ensinar a mim e a meus irmãos valores e virtudes que possam nos tornam pessoas melhores;

À minha tia Gianete pelo cuidado e por demonstrar a verdadeira beleza das pessoas: a bondade; Ao meu orientador professor Mateus Fornasier pela imensa paciência e compreensão, mas principalmente pelo excelente profissional e pelo enorme conhecimento que me proporcionou adquirir;

À Sirlei de Lourdes Lauxen, tua preocupação e carinho foram fundamentais no princípio e na finalização deste trabalho, palavras não são suficientes para expressar toda a minha gratidão; Ao professor Domingos Benedetti Rodrigues, teus ensinamentos são inestimáveis, obrigada por sempre me acolher bem;

Ao querido professor Gilmar Antônio Bedin, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito, as dificuldades enfrentadas no início desta jornada foram mais fáceis de suportar diante da tua generosidade; teus conselhos são valiosos;

À Denise Tatiane Girardon dos Santos, minha trajetória acadêmica iniciou com teu exemplo; Aos meus queridos amigos;

Aos meus colegas da turma do Mestrado;

Aos professores do Mestrado por todo o conhecimento compartilhado, especialmente aos professores Daniel Rubens Cenci, Enio Waldir da Silva, Doglas Cesar Lucas, Elenise Schonardie, Janaína Machado Sturza e Ivo dos Santos Canabarro;

À Neudicléia de Oliveira (representante do MAB), ao Renato Kuntzer e ao professor Paulo Brack pela disposição em colaborarem com a pesquisa;

E à Janete Sloczinski Guterres - extensivo a todos os funcionários da UNIJUÍ -, secretária do Mestrado muito solícita em todos os apuros;

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“Deja que tus sueños sean olas que se van Libres como el viento en mitad del mar Creo que la vida es un tesoro sin igual De los buenos tiempos siempre quiero más”

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RESUMO

A dissertação se propôs a tematizar a construção de hidrelétricas no Rio Uruguai e a questão complexa na sociedade funcionalmente diferenciada em vista das comunicações políticas e jurídicas sobre o impacto socioambiental que possam causar. A pesquisa tem como justificativa demonstrar que os recursos hídricos existentes no país favorecem a construção de usinas hidrelétricas, porém é necessário o estudo das implicações ambientais e sociais originados por esses empreendimentos. Objetiva explicar de que maneira as comunicações intersistêmicas do sistema da política e do direito atingem o homem e sua dignidade humana em decorrência da construção de usinas hidrelétricas na Bacia do Rio Uruguai. Os objetivos específicos são: expor os principais dados históricos sobre a construção de hidrelétricas na Bacia do Rio Uruguai; delinear os principais conceitos e características da teoria dos sistemas autopoiéticos e construir observações acerca das diferenças de comunicação entre direitos fundamentais – de um lado a necessidade política de implementação da matriz energética; de outro, o desrespeito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. A situação problema que pretende ser solucionada é de que a partir da abordagem da teoria dos sistemas quais impactos socioambientais podem ser identificados com a implementação de políticas públicas relacionadas à ampliação da matriz energética mediante a construção de usinas hidrelétricas na Bacia do Rio Uruguai. A circunstância hipotética apontada de que a construção de hidrelétricas pode ser tida como fenômeno complexo, interpretável de maneiras diversas pelos sistemas sociais parciais da sociedade funcionalmente diferenciada – o que implica na necessidade de uma observação a partir de diferenciados pontos de vista-, restou confirmada no trabalho. Isso por que cada subsistema social comunicará uma possibilidade diversa ao do outro subsistema, o que caracteriza a contingência na sociedade funcionalmente diferenciada. O método de abordagem utilizado foi o sistêmico-construtivista, o qual parte do pressuposto o fato de que toda a construção teórica se dá a partir do ponto de vista de um observador. Nesse sentido, o trabalho destaca a importância da observação às consequências socioambientais advindas da construção de hidrelétricas, preconizada pelo sistema da política como necessária para a efetivação do direito fundamental ao desenvolvimento socioeconômico; mas por outro

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lado, tanto pelas políticas públicas quanto pelas operações jurídicas, é assegurado o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

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ABSTRACT

The research pourpose is thematize the construction of hydroelectric plants in Uruguay River and the complex question in the functionally differentiated society by political and juridical communications about the social and environmental impact that can be caused. The research justification is to demonstrate that the hydro resources availabe in the country favor the construction of hydroeletric plants, although its necessary the study of the social and environmental implications originated by this projects. The aim is to explain how the inter- systemic communications of the political system and the law affect the human-beings and its human dignity as the result of the construction of the hydroeletric plants in the Urugay River Bay. The specific objectives are: expose the principal historical data about the construction of hydroelectric plants in Uruguay River Bay; delineate the principal concepts and features of the theory of the autopoietic systems and construct observations about the diferences of communications between fundamental rights – at one side the political necessity of the energetic plant implementation; on the other side, the disrespect to the ecologically equilibrated environment. The problem-situation that we aim to solve is that from the approach of the systems theory which social and enviromental impacts can be indentificated with the implementation of public politicies related to the energetic matrix enlargment by construction of hydroelectric plants in the Urugay River Bay. The hipotetical circusntance pointed is that the construction of hydroelectric plants can be viwed as a complex fenomena, that can be interpretated in different ways by the partial social systems of the funcionally differentiated society – what implicates in the necessity of a observation from different points of view -, was left confirmed in this work. That is because every social sub-system will communicate a different possibility to the other sub-system, what features the contingency in the functionally differentiated society. The approach method used was sistemic- construtivistic, which assumes from the begining that all theoretical construction takes place from the observer point of view. In this sense, this work highlights the importance of the observation of social and environmental consequences that comes from the construction of hydroelectric plants, suggested by the political system as necessary to effect the fundamental right to socio-economical development; but on the other hand, both by public policies and

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juridical operations is guaranteed the fundamental right to a ecologically equilibrated environment.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 13

1 CONSTRUÇÃO DE HIDRELÉTRICAS NO RIO URUGUAI 16

1.1 Consumismo e demanda por energia elétrica 18

1.2 Políticas Públicas e Energia Elétrica no Brasil 27

1.3 Construção de Hidrelétricas no Rio Uruguai 38

2 TEORIA DOS SISTEMAS AUTOPOIÉTICOS, POLÍTICA E DIREITO 52

2.1 Teoria dos Sistemas, Sociedade e Meio Ambiente 55

2.1.1 Sistemas Naturais 60

2.1.2 Sistemas Sociais 63

2.2 Complexidade e Diferenciação Funcional 66

2.2.1 Diferenciação Funcional e Paradoxo 70

2.2.2 Complexidade e Contingência 73

2.3 Autopoiese e Sociedade 77

2.3.1 Autopoiese: de Maturana e Varela a Luhmann 80

2.3.2 Autopoiese e Direito 85

2.3.3 Autopoiese e Política 88

2.3.4 Autopoiese e Economia 90

3 COMUNICAÇÕES POLÍTICAS E JURÍDICAS SOBRE A INSTALAÇÃO DE

HIDRELÉTRICAS NO RIO URUGUAI 93

3.1 Impactos ao meio ambiente 97

3.2 Poder e construção de hidrelétricas 112

3.3 Decisão jurídica, direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e direitos

(des)respeitados 125

CONCLUSÃO 146

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INTRODUÇÃO

O presente estudo visa analisar a complexidade da construção de hidrelétricas na Bacia do Rio Uruguai na sociedade funcionalmente diferenciada, tendo seu foco nas comunicações políticas e jurídicas atinentes ao caso e sobre o impacto socioambiental que possam causar.

O contexto social atual é caracterizado pela hipercomplexidade do mundo e, com as múltiplas transformações observadas neste contexto – as quais ocorrem nas mais variadas esferas (direito, política, economia, ciência, entre outros) –, observa-se uma grande complexidade, sendo preciso uma teoria que elucide as relações entre os sistemas e seu entorno e que seja capaz de delimitar o estudo das interações entre a necessidade de energia elétrica e a sua obtenção por intermédio de hidrelétricas, bem como os efeitos ocasionados por esses empreendimentos à biodiversidade e às pessoas atingidas.

A teoria que será usada como base neste estudo é a teoria dos sistemas autopoiéticos concebida por Niklas Luhmann, uma base teórica da sociedade capaz de analisar as comunicações de cada sistema social não como uma visão totalizante da sociedade, como as demais teorias sociais, mas que propõe uma mudança de forma de observação e que possibilite o estudo sociológico suficiente para o contexto social hipercomplexo.

Enfrentou-se, assim, no decorrer da pesquisa, o seguinte problema: a partir da abordagem da teoria dos sistemas, que impactos socioambientais podem ser identificados com a implementação de políticas públicas relacionadas à ampliação da matriz energética mediante a construção de usinas hidrelétricas na Bacia do Rio Uruguai?

Diante deste problema, a hipótese do trabalho pode ser assim apresentada: a construção de hidrelétricas tem sido considerada pelo sistema da política no Brasil como necessária para a efetivação do direito fundamental ao desenvolvimento socioeconômico (art. 170, caput, da Constituição Federal de 1988). Ainda, é determinado, tanto pelas políticas públicas quanto pelas operações jurídicas, o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, art. 225, da Constituição Federal. Ocorre que embora seja permitida a livre atividade econômica com fins lucrativos, é preciso cumprir a lei ambiental a fim de evitar danos a biodiversidade. As usinas hidrelétricas provocam a inundação de extensas áreas, destruindo a natureza do local, o que causa reflexos prejudiciais à dignidade

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da pessoa humana, já que todo o equilíbrio ecológico da área é afetado pela perda de biodiversidade. Ainda, há alteração de importantes processos físico-químicos relacionados ao ambiente. Os danos sociais aos atingidos pelas barragens também serão mencionados nesta pesquisa, mas os efeitos socioambientais serão os mais proeminentes.

Nesse sentido, analisa-se que a construção de hidrelétricas pode ser tida como fenômeno complexo, interpretável de maneiras diversas pelos sistemas sociais parciais da sociedade funcionalmente diferenciada – o que implica na necessidade de uma observação a partir de diferenciados pontos de vista.

O objetivo geral do trabalho é analisar as comunicações intersistêmicas do sistema da política e do direito no que tange aos impactos socioambientais que atingem o homem e sua dignidade humana em decorrência da construção de usinas hidrelétricas na Bacia do Rio Uruguai. Os objetivos específicos são: expor os principais dados históricos sobre a construção de hidrelétricas na Bacia do Rio Uruguai – sendo abordados os modos de implementação das políticas relacionadas a elas e o impacto ao meio ambiente; delinear os principais conceitos e características da teoria dos sistemas autopoiéticos, a fim de construir, sistemicamente, os sistemas e o ambiente social em que as questões levantadas serão discutidas; e, construir observações acerca das diferenças de comunicação entre direitos fundamentais – de um lado a necessidade política de implementação da matriz energética; de outro, o desrespeito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado -, que emergem deste problema.

A escolha do tema se justifica pelo fato de que o Direito, assim como outros ramos do conhecimento, busca decidir no sentido de proteger o meio ambiente e a sociedade, propiciando não só um ambiente ecologicamente equilibrado para o desenvolvimento da sociedade, como, também, encontrando formas de tutelá-lo para a sobrevivência da vida no planeta. A abundância de recursos hídricos existentes no país favorece os investimentos em planejamento, construção e instalação de usinas hidrelétricas. Por outro lado, a construção das barragens para hidrelétricas vem causando muitas polêmicas e discussões, dada a preocupação com os danos gerados pela construção dessas barragens ao meio ambiente natural e à propriedade daqueles que são deslocados dos seus locais de origem a fim de que isto se implemente. Nesse sentido, é necessário o estudo das implicações ambientais e sociais, capazes de identificar as ações que intervém e modificam o ambiente.

No primeiro capítulo será abordada a construção de hidrelétricas no Rio Uruguai. Inicialmente será discorrido acerca do consumo da sociedade como fator estimulante à geração de energia elétrica; depois serão analisadas as políticas públicas relacionadas à

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energia elétrica no Brasil e após a pesquisa se constitui com uma exposição das principais hidrelétricas já construídas no Rio Uruguai para o abastecimento de demanda da eletricidade.

O segundo capítulo se propõe a apresentar os principais conceitos abordados na Teoria dos Sistemas de Niklas Luhmann, fazendo uma abordagem da Teoria dos Sistemas, da Sociedade e do Meio Ambiente. A linguagem sistêmica dos sistemas sociais, da diferenciação funcional, da complexidade e contingência, do paradoxo e da autopoiese será delineada para elucidação da teoria para análise do tema proposto.

O terceiro capítulo da dissertação, por fim, é o momento que se busca refletir acerca da confluência entre a teoria dos sistemas autopoiéticos e entre a decisão jurídica sobre os empreendimentos hidrelétricos e suas consequências socioambientais; bem como entre o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e os direitos (des)respeitados. E nesta senda se busca entender como os sistemas funcionalmente diferenciados podem comunicar, cada um deles, uma compreensão sobre as questões contraditórias que emergem da necessidade de construção de hidrelétricas para suprir a demanda de eletricidade.

A metodologia abordada na investigação é sistêmico-construtivista, pelo fato de a construção teórica ocorrer a partir do ponto de vista de um observador e, também, por propor, construtivamente, uma nova forma de observação do Direito na sociedade, onde se consiga analisar as comunicações não apenas entre fontes estatais e não-estatais, mas também através da dinâmica de transformação da sociedade que exige um processo construtivo mediante diálogo. O método de procedimento será o monográfico, visto que o estudo tende a se direcionar a uma temática delimitada e específica, proporcionando maior segurança na elaboração do trabalho. Concomitantemente, será realizada uma visão panorâmica de outras temáticas pertinentes, desde que contribua para elaborar um estudo coeso e forneça sentido ao tema central.

A técnica de pesquisa será a bibliográfica, que remete ao estudo de fontes doutrinárias, como textos de livros, periódicos, apontamentos, fichamentos e da legislação, o que proporciona possibilidade de discussão e reflexão dos fatos com vistas à transformação. Não se excluirá do trabalho a análise documental de informações encontráveis nos domínios da rede mundial de computadores e de dados fornecidos pelos tribunais.

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1 CONSTRUÇÃO DE HIDRELÉTRICAS NO RIO URUGUAI

A geração de energia é um fator importante para o desenvolvimento social e o setor elétrico brasileiro tem como priorização a construção de empreendimentos hidrelétricos para suprir essa necessidade sem, muitas vezes, considerar o valor das externalidades ambientais, sociais e econômicas aos atingidos direta e indiretamente no processo de planejamento desses empreendimentos.

A riqueza de recursos hídricos existentes no país favorece os investimentos em planejamento, construção e instalação de usinas hidrelétricas em áreas de vegetação abundante e relevo apropriado. Por outro lado, a construção das barragens hidrelétricas vem causando muitas polêmicas e discussões, dada a preocupação com os danos gerados pela construção dessas barragens ao meio ambiente natural e à propriedade daqueles que são deslocados dos seus locais de origem para outras regiões desconhecidas ou, até mesmo, para centros urbanos maiores.

O Brasil, enquanto Estado Democrático de Direito, incorporou, no texto da Constituição Federal de 19881, baseado nos valores da justiça social e da dignidade da pessoa humana, o sistema de direitos fundamentais. Dentre estes, de acordo com a classificação apresentada, observam-se os direitos intitulados como direitos fundamentais do homem- solidário ou de gênero humano, no qual se inclui o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. (BRASIL, 2004)

Em se tratando de um direito fundamental, portanto, deverá, de acordo com o caput do artigo 225, da nossa Constituição de 1988, ser protegido pelo Poder Público e pela coletividade. Entretanto, no que se refere à construção das barragens hidrelétricas, isto

1

Citam-se alguns artigos da Constituição Federal Brasileira de 1988 que fazem referência aos valores de justiça social e de dignidade da pessoa humana indicados: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]. Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

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acontece em nome do desenvolvimento econômico do país e/ou, até mesmo, do desenvolvimento econômico de países vizinhos. (BRASIL, 2004)

Sabe-se que a construção das hidrelétricas pode causar muitos impactos negativos em vários segmentos, sejam sociais, ambientais, econômicos e culturais, principalmente pela remoção das famílias dos locais atingidos pela construção e pelos reflexos nas comunidades. Assim, os empreendimentos hidrelétricos, ainda que de importância econômica, geram consequências desfavoráveis para os atingidos e para o meio ambiente.

Com estas questões em destaque, este capítulo objetiva abordar o planejamento que se dá à construção de hidrelétricas para suprir a demanda energética do país - tanto para os setores produtivos como para o residencial. Pretende-se demonstrar as formas de intervenção do Estado no que diz respeito à construção de hidrelétricas, mediante políticas públicas, e como estas intervenções foram influenciadas ao longo da história pela própria evolução do conceito de desenvolvimento; pretende também descrever historicamente a construção de hidrelétricas no Rio Uruguai.

Sendo assim, no início do primeiro capítulo haverá uma descrição de como o consumo tem incitado a disposição de bens, produtos e mercadorias (como eletrodomésticos, roupas, alimentos e equipamentos tecnológicos) individuais e coletivos. Ainda, serão relatadas as transformações sociais ocorridas a partir do século XX impulsionadas pela sociedade de consumo e o fomento ao setor energético para abastecer o ramo produtivo e atender o desejo, cada vez mais específico e supérfluo, das pessoas.

No segundo momento, serão analisadas as políticas públicas referentes à produção de energia elétrica no Brasil. Serão discutidos os instrumentos de políticas que visam organizar a estrutura do setor elétrico, os quais exercem papel determinante no desenvolvimento energético como um todo e, em especial, nas relações concernentes à construção de hidrelétricas.

Já na terceira parte deste capítulo será feita uma abordagem histórica referente à construção de hidrelétricas no Rio Uruguai. Hoje, este rio já possui um total de oito grandes barramentos (além de outros menores) no trecho entre o Rio Grande do Sul e Santa Catarina. As obras já alteraram o ambiente do rio e produziram modificações e alterações no regime hídrico de toda a bacia hidrográfica do Alto Uruguai, e ainda deslocaram um grande número de pessoas atingidas.

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1.1 Consumismo e demanda por energia elétrica

―Sete bilhões de sonhos. Um planeta. Consuma com cuidado‖, este foi o tema do ano de 2015 para o Dia Mundial do Meio Ambiente, celebrado no dia 05 de junho. A mensagem enfatiza a responsabilidade pessoal capaz de possibilitar o desenvolvimento econômico inclusivo e sustentável e a redução da taxa de uso de recurso, convidando cada habitante deste mundo a adotar uma mudança de postura em favor do consumo mais responsável de recursos. (NAÇÕES UNIDAS, 2015)

O que se propõe com o desenvolvimento sustentável, em pauta nas últimas quatro décadas, é aumentar a qualidade de vida para todos sem que aumente, no mesmo nível, a degradação ao meio ambiente e sem que comprometa os recursos naturais para as gerações seguintes. Isso pode ser alcançado desde que se mudem os padrões de consumo - mantidos e estimulados pela sociedade atual - para bens que utilizem menos energia, água e outros recursos, e ainda com menor desperdício de alimentos. (NAÇÕES UNIDAS, 2015)

Como já referido, as últimas décadas do século XX têm presenciado grande avanço de pesquisas científicas nos mais diversos campos do conhecimento sobre assuntos relativos à importância do meio ambiente, bem como de sua preservação e conservação, pontualmente em questões onde se mensura o consumo. Têm sido elaborados novos conceitos e referência de que o indivíduo deve ser considerado parte integrante do ambiente, bem como de que o ambiente exerce influências fundamentais sobre ele, pelo que o entendimento de considerar o ambiente como apenas externalidade do processo de produção deve ser evitado e, até mesmo, desconsiderado. (MILARÉ, 2004)

Karl Marx, em sua célebre obra ―O Capital‖, já analisava a relação entre necessidade e consumo como sendo de elementos para a produção, onde considerava a mercadoria como um objeto externo, uma coisa que, pelas suas propriedades, satisfaz necessidades humanas de qualquer ordem. A origem das coisas indispensáveis, sejam elas do estômago ou da fantasia, de acordo com o autor, não modifica nada, ou seja, não importa qual tipo de necessidade seja suprida (nesse contexto, ao empregar os termos fantasia e estômago, Marx se refere a desejos e necessidades, respectivamente). Também não se trata de como a mercadoria satisfaz as vontades humanas, se instantaneamente, como maneira de subsistência – objeto de consumo-, ou se indiretamente – como meio de produção. (MARX, 1996)

Parafraseando o mesmo autor, seguindo a lógica do mercado, os donos do capital – que difundem as ideias dominantes - incentivarão os trabalhadores a adquirir bens de custo elevado, como residências e tecnologia, até atingirem o total endividamento, tornando o

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consumo um ciclo vicioso e invencível. (MARX, 1996) O consumo desenfreado, induzido pela sedução que aguça os desejos humanos, assim, é o que movimenta a economia; e, da mesma forma, o consumo é o que satisfaz e honra o ser humano diante de seus semelhantes e diante de si mesmo.

Thorstein Veblen, ainda no ano de 1899, por meio da obra ―A Teoria da Classe Ociosa‖, já observava os comportamentos de alguns indivíduos em relação às atividades desempenhadas por eles numa sociedade que estimula o consumo, introduzindo nas ciências sociais os conceitos de ócio e consumo conspícuos. Ele divide a sociedade em dois tipos de classes a serem consideradas: as classes trabalhadoras, que compõe as atividades de produção industrial; e a classe ociosa, que se utiliza da ideia da proeza - característica das atividades dignas, como as políticas, bélicas, religiosas ou esportivas -, habitualmente relacionada à concepção de nobreza. (VEBLEN, 1974)

O ócio conspícuo, então, é entendido como o tempo despendido em atividades que não produzem, diferentemente da inatividade. Ocorre que as classes ociosas voltam suas agilidades para tarefas que justificam o aproveitamento do ócio conspícuo – atividades ligadas a comando, sacerdócio e desporto, etc.-, de modo a evidenciarem sua posição digna por não ser atividade produtiva. (FORNASIER, 2012) O consumo conspícuo, por sua vez, é o consumo daquilo que não é essencial à subsistência, mas que o indivíduo se apropria com a finalidade de aparentar ao outro que possui dignidade e contentar, concomitantemente, a sua própria consciência. (VEBLEN, 1974)

O consumo supérfluo, compreendido, nesse caso, não como desperdício, mas como termo aplicado para ponderar a sua relativa serventia para o bem-estar humano diante de outros materiais destinados a essa finalidade, é alçado a artigo de primeira necessidade. Isto não, necessariamente, refere que todo bem conexo ao consumo conspícuo seja supérfluo, unicamente, visto que há capacidade de um bem ser, juntamente, supérfluo e útil. (VEBLEN, 1974)

Com a finalidade de demonstrar este referencial à luz da atualidade, analisa-se, por exemplo, o consumo de energia: sua utilidade para o ser humano é essencial para o desenvolvimento de, praticamente, todas as atividades diárias, sendo assim é indiscutivelmente útil. Porém, em algumas situações, mesmo sendo um bem profícuo ao bem- estar humano, se utilizado de maneira esbanjada, pode ser considerado um consumo supérfluo, pois mesmo reconhecida sua necessidade, sua extravagância pode causar perda de aproveitamento e gasto inútil de energia apenas para satisfazer um desejo dispensável – no caso, o consumo conspícuo.

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A Revolução Industrial, em intenso desenvolvimento no século XIX, desencadeou vários processos, entre eles o consumismo. Com o refinamento da produção em massa e das grandes relações comerciais, alguns autores, a partir de então, têm caracterizado a sociedade como sendo de consumo. Jean Baudrillard (2007), ao falar de consumo, refere que o consumo de bens é resultado de uma diferenciação, a qual remete a uma função social onde há prestígio e distribuição hierárquica, visto que o objeto supera a função da necessidade apenas, podendo proporcionar distinção social.

Várias transformações ocorreram – e ocorrem - na sociedade, muitas delas impulsionadas pela obtenção e possibilidade de atingir o lucro, desconsiderando a qualidade de vida e o bem-estar dos seres humanos, compreendidos como algo muito além da posse de bens materiais e do consumo exacerbado para a satisfação das necessidades humanas. A cultura do consumo, conforme Gilles Lipovetsky relata, pode ser dividida em três momentos, que se inicia no ano de 1880.

A primeira etapa da civilização consumidora, então, tem seu início por volta dos anos 1880 quando os grandes mercados nacionais foram tomando lugar dos pequenos mercados locais, favorecidos pelas infraestruturas modernas de transporte e comunicação que permitiram aumentar a regularidade, o volume e a velocidade dos transportes para as fábricas e as cidades, o que favoreceu o desenvolvimento do comércio em grande escala e a regularidade de escoamento de grandes quantidades de produtos, entre outros. (LIPOVETSKY, 2007)

Houve também a elaboração de máquina de fabricação que tornou a produção mais veloz e fluente, aumentando a produtividade com custos menores, o que contribuiu para a produção de massa. Como as técnicas de fabricação com processo contínuo foram aperfeiçoadas, foi permitido produzir em grandes séries mercadorias padronizadas, as quais foram embaladas em pequenas quantidades e registradas com nome de marca, tendo sido distribuídas em escala nacional a preço unitário bastante baixo. (LIPOVETSKY, 2007)

O mesmo autor infere que o capitalismo de consumo não emergiu, somente, de técnicas industriais capazes de produzir mercadorias padronizadas, foi também fruto de uma construção cultural e social possível de ser inserido ao modo de vida dos consumidores por meio da educação. O comercial, resultado do espírito visionário de empreendedores criativos, impulsionou a economia de consumo e divulgou os produtos ao alcance das massas, conduzindo a um projeto de democratização aos bens mercantis. (LIPOVETSKY, 2007)

O segundo ciclo histórico das economias de consumo iniciou por volta de 1950 e se constituiu um período de grande mudança, instituidora de uma ruptura cultural radical.

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Marcado por um excepcional crescimento econômico, pelo aumento do nível de produtividade do trabalho e pela continuidade da regulação fordista da economia, identificou- se como a sociedade da abundância e do consumo de massa. Nessa fase aperfeiçoou-se o processo de compra dos bens duráveis, disponibilizando-se à população produtos como automóveis, televisão e aparelhos eletrodomésticos, marcando a época o nível de consumo elevado, a modificação na estrutura de consumo e a disseminação da compra de bens duráveis em todos os lugares geográficos possíveis; ainda, ocorreu a difusão de crédito possibilitando o acesso às massas de demanda material individualizada, antes associado somente a um modo de vida etilizado – como bens duráveis, lazeres e moda. (LIPOVETSKY, 2007)

Nesse contexto, a sociedade de consumo é vista como um projeto de sociedade e objetivo primordial das sociedades ocidentais. Emerge, assim, uma sociedade inovada, na qual, de acordo com Lipovetsky (2007, p. 21), ―[...] o crescimento, a melhoria das condições de vida, os objetos-guias do consumo se tornam critérios por excelência do progresso.‖ Aumentar o nível de vida de todas as pessoas - estimulando um cotidiano confortável e facilitado para se atingir a felicidade, enaltecendo o conforto material e o equipamento moderno dos lares – foi uma veemente obrigação, a qual exige sempre mais conforto, mais objetos e lazeres.

Esse ciclo, enfim, se encerra no fim dos anos 1970, quando se inicia o terceiro ato das economias de consumo. Nesse período, a vontade e o desejo de consumir se tornaram insaciáveis à medida que as sociedades enriqueceram. Quanto mais se consumia, mais se queria possuir coisas, envolvendo uma incapacidade de eliminar a vontade de consumo, onde a saturação do que já se tinha vinha acompanhada, instantaneamente, por novas procuras de satisfações desejadas. Havia uma possibilidade cada vez mais ampla de escolhas para consumo, permitida, sobretudo pelas chamadas relações de sedução iniciada ainda na segunda fase da sociedade de consumo, onde a euforia publicitária e a sexualização dos signos e corpos impregnava nas pessoas o imaginário da felicidade consumidora. (LIPOVETSKY, 2007)

A sedução atuou como parte de um discurso superficial, onde dele não se extraía um significado aparentemente, mas agia, justamente, ao contrário. Ao se idolatrar a diversão, por exemplo, ou algo que se queira seduzir, a simulação deste desejo a seduzir o consumidor se torna mais importante do que uma procura de significado. As informações inconsistentes, baseadas em símbolos, demonstram tanto valor quanto um significado, mesmo que não o possuam, inibindo uma interpretação que leve a um significado desvinculado de aparências. Ao se utilizar a aparência chamativa em seus discursos de sedução é possível o entendimento

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do consumidor que recebe essas informações de seus possíveis significados. (BAUDRILLARD, 2007)

O poder exercido pela sedução está na sensação que provoca no consumidor ao conceder-lhe a possibilidade de definir sua existência a partir da própria escolha diante dos produtos disponíveis, dos mais simples aos mais diferenciados e dos mais acessíveis aos mais dispendiosos. (FORNASIER, 2012) Muitas mercadorias recém lançadas pelas indústrias, agregadas a tecnologia de última geração e que, inclusive, para funcionarem dependem da eletricidade, provocam nas pessoas que as adquirem realização e poder, destacando-as das demais – funcionando desta maneira a aura enganosa de liberdade provocada pelo consumismo. A cultura impregnada na sociedade atual é perpetrada de ofertas, não de normas. Conforme argumenta Bauman (2010, p. 33), ―[...] a cultura vive de sedução, não de regulamentação; de relações públicas, não de controle policial; da criação de novas necessidades/desejos/exigências, não de coerção. Esta nossa sociedade é uma sociedade de consumidores.‖ Nela, a cultura é comparada a um armazém de produtos disponíveis ao consumo, cada um concorrendo com o outro para dominar a atenção vagante dos possíveis consumidores.

Em uma sociedade de consumo - característica singular da sociedade atual -, o consumidor é um indivíduo, extraordinariamente, distinto dos consumidores de outras sociedades existentes até então. Enquanto os antigos estudiosos morais conjecturavam se o homem trabalha para viver ou vive para trabalhar, o que se reflete hoje em dia é se há necessidade de consumir para viver ou se o ser humano vive para poder consumir. Nesse sentido:

Nossa sociedade é uma sociedade de consumo. Quando falamos de uma sociedade de consumo, temos em mente algo mais que a observação trivial de que todos os membros dessa sociedade consomem; todos os seres humanos, ou melhor, todas as criaturas vivas ―consomem‖ desde tempos imemoriais. O que temos em mente é que a nossa é uma ―sociedade de consumo‖ no sentido, similarmente profundo e fundamental, de que a sociedade dos nossos predecessores, a sociedade moderna nas suas camadas fundadoras, na sua fase industrial, era uma ―sociedade de produtores‖. Aquela velha sociedade moderna engajava seus membros primordialmente como produtores e soldados; a maneira como moldava seus membros, a ―norma‖ que colocava diante de seus olhos e os instava a observar, era ditada pelo dever de desempenhar esses dois papéis. A norma que aquela sociedade colocava para seus membros era a capacidade e a vontade de desempenhá-los. Mas no seu atual estágio final moderno (Giddens), segundo estágio moderno (Beck), supramoderno (Balandier) ou pós-moderno, a sociedade moderna tem pouca necessidade de mão- de-obra industrial em massa e de exércitos recrutados; em vez disso, precisa engajar seus membros pela condição de consumidores. A maneira como a sociedade atual molda seus membros é ditada primeiro e acima de tudo pelo dever de desempenhar o

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papel de consumidor. A norma que nossa sociedade coloca para seus membros é a da capacidade e vontade de desempenhar esse papel. (BAUMAN, 1999, p.87)

Sendo assim, para manter o nível de consumo estabilizado e contínuo nesta sociedade, o mercado de consumo expõe os consumidores, incessantemente, a novas tentações, de maneira a torná-los sempre insatisfeitos com o que já se adquiriu, promovendo a inquietude e a vontade de mudanças, de movimentos, de diversidades. O mercado de consumo, então, seduz os indivíduos, que estão sedentos por novas tentações e dispostos a desfrutar do melhor que este mundo tem a lhes oferecer. (BAUMAN, 1999)

As grandes corporações, por meio da racionalidade macrossocial que induzem, não são as únicas que modelam o conceito de consumo. Existem fatos políticos, simbólico-sociais e ambientais que influenciam o ato de consumo, pois ninguém consome ao acaso, o consumo é capaz de ser compreendido como elemento de distinção. O consumo atua como um jogo entre desejos e estruturas, onde as mercadorias e o próprio consumo servem para organizar politicamente cada sociedade. (TYBUSCH; ARAÚJO, 2013)

O mito do consumo originado na sociedade capitalista industrial o equivale ao bem- estar e o conforto. O capitalismo transfere às pessoas o conceito de que o estilo de vida ideal é aquele em que se consome, a felicidade se traduz na possibilidade de frequentar o mercado e encher o carrinho de compras. Adquirir bens é ostentar prestígio social, é, ao invés de ser um meio para a busca de se viver melhor, a própria realização da vida. Essa sociedade de produção capitalista ―fabrica‖ indivíduos consumidores, mas, ao contrário, deveria formar indivíduos cidadãos. (CENCI, 2010)

No transcorrer da última década do século XX, entre políticos, empresários, cientistas sociais, mulheres e homens comuns, a percepção de que um novo mundo estava se configurando tornou-se latente. Um novo mundo cercado pelas novas tecnologias, por novas estruturas sociais, por nova economia e uma nova cultura. A terminologia usada para descrever as intensas mudanças e os diferentes caminhos que se delineavam neste novo mundo foi ―globalização‖. A globalização econômica prometia gerar uma expansão econômica capaz de beneficiar todas as nações, alcançando benefícios a todas as pessoas, inclusive as mais pobres. (CAPRA, 2002)

Com a difusão da globalização econômica - caracterizada pelo ―livre comércio‖, pela extraordinária inovação tecnológica e pela expansão mundial das grandes empresas-, alguns ambientalistas e ativistas de movimentos sociais perceberam que determinadas regras estabelecidas pela Organização Mundial do Comércio (OMC), criada em meados de 1990,

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traziam consequências negativas, como a desintegração social, o término da democracia, uma deterioração mais rápida e extensa do meio ambiente, o surgimento e a disseminação de novas doenças e uma pobreza e alienação cada vez maiores. (CAPRA, 2002)

O cenário mundial globalizado é caracterizado por grandes mudanças que atingem todos os aspectos da vida cotidiana. Muitas são positivas; outras nem tanto - o que significa dizer que, para alguns a globalização é sinônimo de felicidade, mas, para outros, de infelicidade. Vive-se uma globalização hegemônica, marcada pelo domínio de um capital destrutivo e pela exclusão social, o que torna imprescindível uma globalização contra- hegemônica - imbuída de um sentimento de solidariedade e de união face aos problemas globais, entre os quais se incluem os problemas ambientais - que lute por um conjunto vasto de iniciativas e organize movimentos que resistam contra as consequências negativas econômicas, sociais e políticas da globalização hegemônica. (SANTOS, 2008)

É inquestionável que todo consumo reflete externalidades, impactos e reflexos ambientais negativos. Algumas correntes do pensamento pós-moderno, com fundamento filosófico, relatam a visão da sociedade contemporânea como uma coexistência errática de impulsos e desejos. (CANCLINI, 2006) Em relação a esses efeitos, Boff relata sua observação a respeito da sociedade e dos rumos dos atos inconsequentes por ela praticados:

[...] fizemo-nos reféns de um modelo civilizatório depredador e consumista que, se universalizado, demandaria três planetas semelhantes ao nosso. [...] Evidentemente isso é impossível, o que comprova a falta completa de sustentabilidade de nosso modo de produção, distribuição e consumo de bens e serviços. Não são poucos os analistas do estado da Terra que advertem: ou mudamos de padrão de relacionamento com a Terra ou vamos ao encontro do pior. (BOFF, 2003, p. 43)

Ocorre que, para sustentar toda essa produção em massa, abastecida com matéria- prima, o que gera resíduos, o planeta já começou a dar sinais de insuficiência de condições de absorção de todos esses rejeitos, bem como de fornecimento de recursos para a manutenção da produção. Não somente no aspecto ambiental, mas no social se aviltam consequências sérias vinculadas ao consumo exagerado, visto que nem todas as pessoas tem acesso aos produtos em disposição no mercado, gerando grupos excluídos na sociedade. (PEREIRA; PEREIRA; PEREIRA, 2009)

A cultura da sociedade ocidental está associada ao capitalismo, ao mecanicismo – visão cartesiana – e à busca de consumismo excessivo. Parte-se do pressuposto de que é o próprio homem que está sob o fogo cruzado da progressiva destruição. É preciso sonhar, mas mais do que isso é importante realizar, concretizar mudanças. A terra clama por esperança de

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sobrevivência. A vida é um jogo, e novos jogos vão surgindo, abrindo espaço para a complexidade planetária e humana. (CALGARO, 2009)

As implicações ambientais surgidas na sociedade atual, por meio dos processos de consumo de energia e da deposição dos resíduos e produtos eliminados no ambiente, aumentam progressivamente. Na sociedade moderna, o indivíduo carrega consigo o hedonismo, estando o prazer momentâneo a se sobrepor a qualquer consequência advinda do alcance deste desejo. Em relação ao resguardo do meio ambiente numa sociedade hedonista, não existem preocupações futuras, o que interessa é a satisfação imediata do desejo. Sobre a possibilidade de reflexão em correr riscos ambientais na execução de determinadas atividades, Singer aponta que se deve assumir um ponto de vista a longo prazo – gerações futuras -, especialmente em relação aos valores ambientais:

Uma floresta virgem é o produto de todos os milhões de anos que se passaram desde o início da vida em nosso planeta. Se ela for derrubada, outra floresta poderá crescer em seu lugar, mas a continuidade terá sido interrompida. [...] As vantagens decorrentes da derrubada da floresta – empregos, lucros comerciais, ganho de exportação, papel e papelão mais barato para as embalagens – são vantagens a curto prazo. Mesmo que a floresta não seja derrubada, mas inundada para a construção de uma represa que gere eletricidade, é provável que os benefícios só perdurem por uma ou duas gerações; depois disso, uma nova tecnologia fará com que tais métodos de geração de energia se tornem obsoletos. No entanto, uma vez a floresta derrubada ou inundada, a sua ligação com o passado estará perdida para sempre. Esse é um custo com o qual terão que arcar todas as gerações que nos sucederem neste planeta. (SINGER, 2002, p. 284)

Constata-se, sob o aspecto ambiental, que algumas coisas, após serem destruídas, não são recuperadas, independentemente de investimento monetário para esta finalidade. É preciso analisar, antes de qualquer derrubada de florestas - ou, estendendo o exemplo, antes de qualquer atividade que provoque destruição dos recursos naturais -, o valor das florestas para as gerações que irão habitar o planeta futuramente, garantindo a elas, ao menos, a oportunidade de apreciar a natureza.

Para garantir às gerações que seguirão vivendo neste planeta um meio ambiente adequado à sobrevivência sadia e digna, é preciso olhar o mundo de hoje com os olhos do mundo de amanhã, não com os do mundo de ontem, como bem leciona Pierre Lévy. Ele, inclusive, ousa em referir que o homem acaba sendo predador do próprio homem:

Os homens se ajudam mutuamente (e às vezes se matam mutuamente) para explorar a Terra como sua única fonte de riqueza. O homem se tornou predador universal. Seu principal objetivo é, a partir de agora, o próprio planeta: o petróleo, o carbono, o vento, o átomo, o sol, o clima, as paisagens, o solo, o ar, a água, o mar, os animais, as plantas, a biodiversidade [...]. (LÉVY, 2001, p. 33)

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Os desequilíbrios ambientais são problemas da atualidade, o planeta sente as inúmeras transformações desencadeadas pelos processos de produção, consumo e globalização. O progresso trouxe consigo tecnologia, dinheiro, ciência, poder e indústrias, mas, também, efeitos negativos que incidem, diretamente, no meio ambiente, nos indivíduos e na sociedade. Ao se apropriar dos recursos naturais indiscriminadamente, aconteceu o rompimento do equilíbrio ecológico, acarretando inúmeras consequências e perigos para a humanidade e a todos os seres vivos existentes.

O homem, ao agir como um ―parasita‖, parece estar isolado do contexto planetário que o cerca, confundindo uso e abuso, lesando o seu hospedeiro, muitas vezes sem interesse para si, podendo destruí-lo sem nem perceber. (SERRES, 1990) O mundo maravilhoso da comunicação, do consumo e do poder oferecido pelo mercado consumidor o torna um ser individualista. A íntima ligação com o mundo acaba se esvaindo num mar de enigmas existenciais. É de fundamental importância entender que o enigma da natureza desdobra-se em enigma do homem, isto é, o homem não é nada por natureza e, assim, uma viração da natureza – um enigma - poderia impedir a libertação do homem. (OST, 1995)

Sendo assim, é prudente que o ser humano adote uma postura que estabeleça atitudes democráticas no sentido de respeitar os direitos fundamentais – dentre eles o meio ambiente ecologicamente equilibrado. A racionalidade ambiental pode ser uma ferramenta transformadora do desenvolvimento influenciado somente pelos índices de crescimento. Como bem argumenta Sachs (2008, p. 118), ―devemos nos esforçar por desenhar uma estratégia de desenvolvimento que seja ambientalmente sustentável, economicamente sustentada e socialmente includente‖, que permita o desapego das coisas, unicamente, materiais, dependente do sistema industrial e das armadilhas do consumo.

Não obstante a atmosfera que circunda a sociedade ser planejada para o consumo ilimitado, na esfera política, especificamente no Brasil, foram adotadas algumas medidas a fim de estimular ainda mais o consumo no país. No final do ano de 2011 anunciou-se a redução de impostos para, por exemplo, a compra de eletrodomésticos e aplicações financeiras (empréstimos), incluindo a flexibilização das restrições ao crédito, ampliação no prazo de pagamentos e eliminação de pagamento na entrada em financiamentos. Embora diversos decretos tenham sido elaborados com o intuito de acelerar a economia, o consumo foi a aposta para superar os efeitos da crise global. (MINISTÉRIO DA FAZENDA, 2015) Para tanto, a então presidente do país, Dilma Rousseff, pedia ao brasileiros para que continuassem consumindo e que as empresas mantivessem sua produção.

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Para corresponder a este modelo de sociedade ávido de ambições a bens materiais são necessários suportes elementares que mantenham o progresso econômico e social. Nesse sentido, a fim de assegurar a qualidade de vida da população e o crescimento econômico moldado em uma sociedade de consumo, a geração de energia é fator primordial, sendo o consumo de energia um dos principais mecanismos para o progresso de todos os setores produtivos. (REIS, 2003)

O desenvolvimento socioeconômico é dependente da presença de infraestrutura, sem a qual se compromete a viabilidade do comércio e da indústria, os quais exigem a expansão da oferta de energia elétrica para suportar a demanda da produção. A energia elétrica ocupa posição preponderante no contexto global da infraestrutura, e mesmo não sendo ela uma condição que, separadamente, mantenha o desenvolvimento de um local, é, indiscutivelmente, necessária. A tecnologia, a informação e demais componentes que compõe a infraestrutura estão condicionadas a sua presença. (GIMENES, et al, 2003)

Nesse ínterim, compreender a sociedade atual e suas características de consumo, produção e desenvolvimento é importante para o entendimento do contexto em que vive o ser humano e onde se desenvolvem as relações sociais, econômicas, culturais e ambientais. Ademais, vislumbra-se a importância da energia elétrica para o mantimento desta sociedade por ―conduzir‖ elementos essenciais ao progresso e desenvolvimento, pelo que é prudente analisar a sua regulamentação, especificamente, no cenário brasileiro.

1.2 Políticas Públicas e Energia Elétrica no Brasil

Energia é um dos elementos importantes do processo produtivo, juntamente com o capital, trabalho e tecnologia. O consumo de energia é um indicador do desenvolvimento econômico e do nível de qualidade de vida de qualquer sociedade. De acordo com informações da Agência Nacional de Energia Elétrica (2015, p. 39), ele reflete tanto o ritmo de atividade dos setores industrial, comercial e de serviços, quanto a capacidade da população para adquirir bens e serviços tecnologicamente mais avançados, ―como automóveis (que demandam combustíveis), eletrodomésticos e eletroeletrônicos (que exigem acesso à rede elétrica e pressionam ao consumo de energia elétrica)‖.

No que concerne à produção industrial - agente ativador do desenvolvimento de um país - capaz de atender às necessidades de consumo cada vez mais exigentes, é necessário que sejam pensadas políticas públicas capazes de reduzir custos e estimular investimentos no setor

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elétrico, considerado um importante instrumento da política econômica. As ações do governo no setor elétrico comprometem o desenvolvimento econômico e social brasileiro na medida em que o dinamismo do processo de geração e difusão dos ganhos de produtividade na economia envolvem e são derivados sobretudo do setor industrial. Nesse sentido, ainda:

[...] em primeiro lugar, a própria ampliação das escalas de produção industrial tende a elevar os ganhos de eficiência, produtividade e a geração de externalidades positivas para além do setor industrial. Em segundo lugar, porque os movimentos de introdução e de difusão de inovações tecnológicas no processo produtivo, responsáveis pelos aumentos sistemáticos (e sistêmicos) da produtividade na economia, encontram-se fortemente ligados à atividade empresarial na indústria. Em terceiro lugar, porque a produção de novos bens pelo setor industrial estimula a geração de novas atividades no setor terciário da economia, com reflexos positivos sobre a produtividade global como, por exemplo, a comercialização de novos bens ou o surgimento de serviços de apoio à escala crescente da produção industrial. Além disso, deve-se destacar, ainda, que a atividade industrial e, em particular, os ganhos de escala e de produtividade gerados reforçam-se mutuamente, na medida em que constituem fatores decisivos de aumento da competitividade externa na disputa (ou criação) de mercados no cenário internacional. (CASTRO et al, 2013, p. 07)

Para que seja possível atingir competitividade da indústria brasileira, uma política industrial direcionada aos setores produtores de insumos básicos utilizados pelas principais cadeias produtivas abrigadas no país é essencial, e, sendo a energia elemento importante neste contexto, pois está na base da cadeia de custos de todos os bens e serviços, é necessário que haja um conjunto amplo de instrumentos de política sobre o assunto.

Os centros do poder econômico do Ocidente, ainda no século XVIII, incorporaram um modelo de sociedade embasada na ideologia da civilização e do progresso. A noção de civilização, inserida no contexto daquela época, iniciou com a ―descoberta‖ do Novo Mundo, onde se entendia haver uma superioridade cultural das nações descobridoras em relação às recém descobertas, devendo, então, estas serem civilizadas para alcançar o mesmo nível cultural daquelas. A ideia de progresso preconiza que o desenvolvimento econômico e tecnológico é elemento essencial para o avanço da cultura humana sobre as forças e os recursos da natureza. (RUPPENTHAL, 2013)

Nos argumentos de Gonçalves (2006), o desenvolvimento é a interpretação moderna do progresso, pois o conceito de desenvolvimento está, intrinsicamente, associado à ideia de modernidade - visto que ser moderno é ser desenvolvido, é estar em constante desenvolvimento – por isso se percebe porque a modernidade é insensata sem o fenômeno da colonialidade. Por essa razão, modernizar é infundir determinada ideia de progresso e, juntamente dela, colonizar os povos e regiões diferentes.

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O desenvolvimento das forças produtivas cresceu no século XX e, com a ascensão do capitalismo, eclodiu a expansão industrial que desencadeou outro fenômeno global, a urbanização - crescimento da população urbana. O Brasil tornou-se um país urbano somente na segunda metade do século XX, ou seja, mais de 50% (cinquenta por cento) da população passou a residir nas cidades. A partir da década de 50, este processo tornou-se cada vez mais acelerado, o que se deve, sobretudo, a intensificação da industrialização brasileira em seguimento à ideologia desenvolvimentista. (SINGER, 1985)

A história do setor energético brasileiro (geração, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica) iniciou-se na última década do Império no Brasil e pode ser dividida em quatro períodos. O primeiro período é considerado desde a Proclamação da República em 1889, quando Dom Pedro II, após viagem para a Filadélfia, convidou Tomas Alva Edson a introduzir no país aparelhos e processos que viabilizassem a eletricidade para a iluminação pública, e estende-se até a Revolução de 1930. Nesta época as medidas de regulamentação na indústria de energia elétrica e de concessão de aproveitamentos hidrelétricos e fornecimentos de serviços eram isoladas. (SILVA, 2011)

Em 1883 entrou em operação a primeira usina hidrelétrica de pequeno porte no país, no afluente do Jequitinhonha, na cidade de Diamantina, em Minas Gerais. Seguidamente, nos anos de 1885 outro projeto hidrelétrico foi implantado: o da Companhia Fiação e Tecidos São Silvestre, no município de Viçosa, Minas Gerais; e o da Compagnie des Mines d´Ór du Faria, na cidade mineira de Nova Lima. (SILVA, 2011) Em 1887, Porto Alegre foi a primeira capital do país a ter um serviço permanente de energia elétrica disponível a consumidores particulares, com energia gerada na termelétrica da Companhia Fiat Lux de 160 KW.

A primeira hidrelétrica a fio d´água de grande porte do país, conforme informações trazidas pela Memória da Eletricidade, foi inaugurada em 1889 pela Companhia Mineira de eletricidade. A usina denominada Marmelos foi instalada em Juiz de Fora, Minas Gerais, e foi a primeira unidade de geração hidrelétrica do Brasil e da América Latina construída para abastecer os serviços públicos urbanos.

A maior parte das usinas instaladas, neste período, pertencia a concessionários ou autoprodutores diferentes que repassavam eletricidade para várias regiões. Praticamente, não havia regulamentação federal para o setor, conforme segue:

Os acordos de prestação de serviços feitos naquela época eram regionais e/ou contratos bilaterais. Embora houvesse uma diretriz na Constituição de 1891, como apontado anteriormente, apenas no ano de 1903, já no governo de Rodrigues Alves, surgiram os primeiros esforços para promover a regulação do setor energético no Brasil. A Lei nº 1.145, de 31 de dezembro de 1903, que tinha como objetivo fixar o

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orçamento do país para o ano seguinte, apresentou em um dos seus artigos: ―Art. 23. O Governo promoverá o aproveitamento da força hydraulica para transformação em energia elétrica aplicada a serviços federaes, podendo autorizar o emprego do excesso da força no desenvolvimento da lavoura, das industrias e outros quaisquer fins, e conceder favores às empresas que se propuserem a fazer esse serviço. Essas concessões serão livres, como determina a Constituição, de quaisquer ônus estadoaes ou municipaes‖. Esta lei, no ano seguinte [...] regulamentada pelo Decreto de n 5.407 [...] (SILVA, 2011, p. 25)

Referida norma delegou ao governo federal a permissão para aproveitamento dos rios brasileiros destinado à energia hidráulica para benefício público. Em 1905, ao grupo Rio de Janeiro Tramway, Light and Power Company Ltda. – RJ Tramway, fundada em 1904 no Canadá, um conglomerado industrial e financeiro composto pelo Canadá, Estados Unidos, Inglaterra e demais países europeus, foi concedido o aproveitamento do potencial hídrico de Ribeirão das Lajes e das bacias dos rios Piraí e Paraíba do Sul, no estado do Rio de Janeiro. (GOMES et al, 2002)

Ainda no Rio de Janeiro o Comitê Eletrotécnico Brasileiro – primeira instituição no país a reunir profissionais do ramo – foi criado no ano de 1909. Foi inaugurada, ainda, a Companhia Brasileira de Energia Elétrica (CBEE), denominada, posteriormente, Companhia de Eletricidade do Estado do Rio de Janeiro (CERJ), e, em 1910, inaugurou-se a Manaus Tramway and Light Company Ltda, bem como a Brazilian Traction; Light and Power Company Ltda., que unificou as empresas do Grupo Light, a Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL), e a Pernambuco Tramway and Power Company Ltda. – Petramway. (SILVA, 2011)

O primeiro órgão oficial relacionado à política do setor energético, chamado Comissão Federal de Forças Hidráulicas, também foi criado neste período, em 1920. Mais tarde, no ano de 1927, instalaram-se no país as subsidiárias da American Foreign Power Company (Amforp), uma empresa americana do grupo Electric Bond and Share Corporation (Ebasco). A busca pela estabilidade econômica e a boa produtividade do setor agrícola permitiram o desenvolvimento das primeiras fábricas no país. A crise mundial no fim da década de 20 e a revolução nacional de 30 desencadearam um período econômico propício ao desenvolvimento do setor elétrico. (SILVA, 2011).

Inicia-se o segundo momento, compreendido entre os anos de 1930 a 1945, quando o país rumou a uma estruturação de política energética em razão do início do processo de industrialização. Havia condições que viabilizavam o crescimento da renda nacional, crescimento da produção industrial e dos centros urbanos, o que gerou impacto no setor

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energético, pois havia demanda - porém faltava o desenvolvimento do setor energético, capacitando a produção, regulação e qualidade do serviço. (BENINCÁ, 2011)

No andamento deste período, em 1934, foi publicado o Código de Águas, documento que instituía a propriedade das quedas-d´água à União, embora os estudos para a criação deste Código tenham iniciado, ainda, em 1906, pelo presidente Afonso Pena. No texto do artigo 139 do referido código, no que concerne à energia hidráulica, há referência de que o ―aproveitamento industrial das quedas de águas e outras fontes de energia hidráulica, quer do domínio público, quer do domínio particular, far-se-á pelo regime de autorizações e concessões instituído neste Código.‖ (BRASIL, 1934)

No mesmo ano foi criado o Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM), órgão subordinado ao Ministério da Agricultura, o qual abrangia o Serviço de Águas e onde se organizou o Conselho Federal de Forças Hidráulicas e Energia Elétrica. Faz-se necessário mencionar o Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica - CNAEE, criado pelo Decreto- lei nº 1.285, de 18 de maio de 1939, subordinado à Presidência da República, como órgão de consulta, orientação e controle quanto à utilização dos recursos hidráulicos e de energia elétrica, com jurisdição em todo o território nacional, e mais tarde também com atribuições executivas. (ANEEL, 2015)

A regulação promovida pelo novo Código que estabelecia a necessidade de autorização ou concessão do governo federal para a construção de linhas de transmissão e redes de distribuição de energia elétrica desencorajou investimentos estrangeiros de grupos instalados no país; a Segunda Guerra Mundial também não favorecia diante de algumas restrições comerciais. No entanto, havia necessidade de expandir a eficiência energética nacional e, caso investimentos não fossem efetivados, a capacidade de industrialização do Brasil e de crescimento de áreas urbanas restariam limitadas. (SILVA, 2011)

A terceira fase compreendeu os anos de 1945 ao final da década de 1980, caracterizada pela intervenção direta do Estado sobre o setor energético. (BENINCÁ, 2011) Com o estreitamento de relações amistosas entre Brasil e Estados Unidos, diversas ações voltadas ao planejamento econômico estatal com base em modelos estrangeiros foram realizadas. O governo federal, no ano de 1946, apresentou o Plano Nacional de Eletrificação, propondo o foco nos investimento em usinas elétricas de pequeno e médio porte. (SILVA, 2011)

Foram criadas a Companhia Hidroelétrica de São Francisco (Chesf), em 1945; a Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), no Rio Grande do Sul, em 1947; a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), em 1952; o Plano Nacional de Eletrificação,

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em 1954; A Furnas Centrais Elétricas S.A., em 1957; a Eletrobrás, em 1962; a Eletrosul, em 1968 e a Eletronorte, em 1972. (BENINCÁ, 2011)

Fundada por Getúlio Vargas em 03 de outubro de 1953, a Petrobrás, importante empresa do setor energético, teve como objetivo executar as atividades do ramo petrolífero no Brasil em nome da União. A Lei nº 2.308, de 31 de agosto de 1954, que instituiu o Fundo Federal de Eletrificação e criou o imposto único sobre energia elétrica, foi uma das iniciativas do governo para expandir o parque de geração brasileiro. (BRASIL, 1954)

O presidente Juscelino Kubitschek, eleito em 1955, defendia que a forma mais eficiente de organizar o país seria por meio de uma política energética de industrialização. (LAFER, 2002) No seu governo foram fundadas grande parte das empresas estaduais de energia elétrica - a geradora Central Elétrica de Furnas, gerenciada pelo governo federal e o estado mineiro.

Entre o início da década de 1950 e o ano de 1962, quando foi criada a Eletrobrás, o modelo de desenvolvimento econômico brasileiro permitiu a participação do Estado em funções produtivas e financeiras, o que ocasionou diversas alterações no setor:

No setor elétrico, as empresas estatais aumentaram sua participação na capacidade instalada de forma expressiva. Em 1952, a capacidade de geração de energia elétrica de empresas públicas correspondia a apenas 6,8% do total instalado. Em 1962 a participação já era de 31,3% e, em 1964, é inaugurada a maior hidrelétrica do Brasil – a Usina Hidrelétrica de Furnas – e em 1965 a participação do setor público na capacidade de geração superava a metade do total, atingindo 54,6%. (SILVA, 2011, p. 48)

O Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (BNDE) financiou 46,3% da capacidade instalada de geração elétrica, sendo que grande parte dos financiamentos foram concedidos em parceria com empresas estaduais de energia – Espírito Santo Centrais Elétricas (Escelsa), criada em 1956; Centrais Elétricas do Maranhão (CEMAR), Companhia Elétrica de Alagoas (CEAL) e Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia (COELBA), fundadas em 1959. (SILVA, 2011)

O Ministério das Minas e Energia foi criado pela Lei nº 3.782, de 22 de julho de 1960, quando o Departamento Nacional da Produção Mineral foi desligado do Ministério da Agricultura, incorporando o Conselho Nacional de Águas e a Divisão de Águas. O período da fase da ditadura militar, ocorrido entre os anos de 1964 a 1985, marcou a evolução do setor elétrico e da economia pelos esforços de Planos Nacionais do Desenvolvimento, fase conhecida na história como ―milagre econômico‖.

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As classes dominantes nacionais, nos anos de 1960, reproduziam que uma grande potência econômica seria estabelecida no país com a construção de um moderno parque industrial, mesmo que para isso fosse preciso se servir de uma ordem política e social autoritária, representada pela associação dos setores militares e de um golpe político instaurado em 1964. (GONÇALVES, 1990)

Nesse período foi implantado um polo industrial de bens de consumo duráveis, controlado pelas transnacionais, e mantido por uma infraestrutura de transportes, energia e comunicação, tendo sido o embrião de grandes projetos como a rodovia Transamazônica, a hidrelétrica de Itaipu e a implementação dos sistemas de comunicação através das concessões de rádio e televisão. O regime autoritário de então financiou – por meio de empréstimos no exterior - esse desenvolvimento em prol da modernização, que só poderia ser alcançada com a industrialização, importando os padrões de desenvolvimento em omissão às peculiaridades nacionais. (ROCHA, 2001)

No setor elétrico, houve a reestruturação dos órgãos destinados às funções normativas, fiscais e controle dos serviços de eletricidade. Por intermédio da Lei nº 4.904, de 17 de dezembro de 1965, foi criado o Departamento Nacional de Águas e Energia – DNAE, subordinado ao Ministério de Minas e Energia. O Decreto nº 63.951, de 31 de dezembro de 1968, aprovou a estrutura básica do Ministério das Minas e Energia, onde o DNAE passou a se denominar Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica - DNAEE, com as atribuições do Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica. (ANEEL, 2015)

O regime econômico-financeiro do ramo de energia elétrica também sofreu alterações no período, quando autorizada a emissão de obrigações do Tesouro Nacional e instituída a correção monetária por meio da Lei nº 4.357/64. Essas mudanças ajudaram na capacidade de financiamento do setor elétrico que já se encontrava em esgotamento. Os militares que exerciam o poder optaram por embasar o desenvolvimento industrial do país mediante a megaeletricidade, a fim de aproveitar o potencial dos vastos rios para construção de barragens. Então, o Estado assumiu o planejamento e empreendedorismo de grandes projetos em prol do desenvolvimento, baseados em políticas autoritárias e centralizadoras, fortemente influenciadas pelo interesse do capital transnacional. (ROCHA, 2001)

Como exemplo da participação das empresas estatais, destaca-se o aperfeiçoamento da Eletrobrás; a criação das Centrais Elétricas do Sul do Brasil S.A. (Eletrosul), subsidiária da Eletrobrás, em 1968 e que, juntamente com as empresas Furnas e Chesf incorporaram-se à Eletrobrás. Em junho de 1973, outra empresa agrupou-se à controladora, a Eletronorte – Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A. No mesmo ano, foi assinado o Tratado de Itaipu

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