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3 AVALIAÇÃO NO PROCESSO ENSINO E APRENDIZAGEM DO ENSINO

3.4 A AUTOSCOPIA E A APRENDIZAGEM

Por tratar-se de pesquisa no âmbito da educação, o meu papel neste contexto é também contribuir com o desenvolvimento dos docentes e discentes deste cenário. Uma das formas é promover discussão e reflexão sobre a prática do docente e a prática estudantil no quesito do ensino e da aprendizagem fazendo uso da autoscopia. Partimos da afirmação de Freire (2005, p. 24) de que “inexiste validade no ensino de que não resulte um aprendizado em que o aprendiz não se tornou capaz de recriar ou de refazer o ensinado”. Daí a singularidade e a importância dada ao momento de revisitação da ação no quesito da aprendizagem permeada pela avaliação. A participação do aluno na construção de seu conhecimento configura-se em um indivíduo epistemologicamente curioso, que avança em conhecer o desconhecido e ser partícipe da construção da sociedade em que se encontra inserido “o que não se faz sem abertura ao risco e à aventura do espírito” (FREIRE, 2005, p. 69)

Essa participação do aluno na construção de seu conhecimento, acrescida de importante reflexão, pode ser realizada por meio da autoscopia. A palavra autoscopia é composta pelos termos “auto” que se refere a uma ação realizada pelo próprio sujeito e “scopia” que quer dizer finalidade, objetivo, meta, alvo ou mira. A ideia de autoscopia se refere a um exame ou uma auscultação de si próprio. Uma autoavaliação de comportamentos, atitudes, posturas que podem ocorrer por meio de vídeo gravação (SADALLA; LAROCCA, 2004). Trata-se de uma ação em que o indivíduo se volta a si mesmo para analisar-se com auxílio de uma tecnologia de imagem, o vídeo (GALVÃO, CUNHA; 2013).

Esse recurso pedagógico de intervenção reflexiva tem sido amplamente usado na educação e na psicologia apresentando resultados interessantes no quesito

de formação de professores permitindo investigações sobre as estratégias de formação e nas questões de autoanálise (PACHECO, 1995).

“O processo de autoscopia permite desenvolver faculdades de auto- observação e autocrítica, diagnosticando comportamentos pedagógicos a melhorar, no sentido de aperfeiçoar a ação de cada um” (FERNANDES, 2004, p. 23)

Na fala de Sadalla; Laroca (2004, p. 421)

A autoscopia pode ser utilizada tanto em situações de pesquisa como nas de aprendizagem e formação de diferentes profissionais. O sujeito é o próprio objeto de feedback visual, ao se deparar com a imagem de seu corpo, a apreensão, pela memória, de sua representação e aparência.

Ao visualizarem-se, os sujeitos têm a rica oportunidade de tecer autocríticas, bem como de reafirmar posturas positivas que possam ser valorizadas positivamente em seu desempenho no cotidiano profissional.

Sobre suas finalidades, a autoscopia pode ser usada como procedimento de pesquisa e de intervenção reflexiva. É um recurso útil na formação do aluno por meio de ações reais, vídeo gravado e visualizado por ele próprio, o protagonista da ação (ROSA-SILVA; LORENCINI JÚNIOR; LABURU; 2009).

Pesquisa realizada por Fernandes (2004) teve como objetivo averiguar de que forma os processos de videoscopia e autoscopia ajudam os professores estagiários a tomarem consciência dos processos cognitivos, competências pedagógicas e atitudes que utilizam quando ensinam. Os resultados apontam que ambos os processos possuem enormes potencialidades à formação de professores. Ao visualizarem-se em vídeo, os sujeitos de pesquisa foram unânimes de que havia sempre algo de novo, coisas que na aula tinham passado despercebidas ou que até já estariam esquecidas. Todos os comentários feitos a estas aulas passaram a ter outro significado para cada uma das professoras (PACHECO, 1995 apud ROSA-SILVA; LORENCINI JÚNIOR; LABURU; 2009).

As cenas gravadas em vídeo podem ser submetidas à autoanálise pelo protagonista da cena e servir para desvelar aspectos cognitivos que o processo reflexivo propicia. O sujeito tem possibilidade de se auto perceber no quesito de tom de voz, posturas, deslocamentos, comportamentos, desenvoltura, expressões faciais, gestos, maneirismos e até na exposição da aprendizagem de uma competência

facilitando a apreensão do pensamento na fase de feedback (PACHECO, 1995; SADALLA; LAROCCA, 2004).

Essa autovisualização nem sempre se compõe de tarefa fácil pela mobilização de diversas estruturas internas advindas do processo reflexivo e de tomada de consciência de forma simultânea (ROSA-SILVA; LORENCINI JÚNIOR; LABURU; 2009). Outra dificuldade apontada na literatura diz respeito à presença dos profissionais e, até mesmo, do pesquisador no ambiente para realizar e/ou acompanhar a vídeo gravação, podendo ser este um fator responsável pela mudança de comportamento das pessoas. O ato de efetuar a autoscopia pelo vídeo gravação pode gerar ansiedade por conta da exposição do indivíduo a outros olhares e pela ‘surpresa’ que o processo encerra no olhar-se em ação. Atitudes defensivas, rejeição, timidez, vergonha, depressão ou agressão são também citadas (PRAX; LINARD, 1975 apud SADALLA; LAROCCA, 2004).

A autoscopia revela o ‘conhecer-na-ação’, termo este que se refere aos tipos de conhecimento que são revelados por ações físicas observáveis ou por ações cognitivas. Em ambas, o ato de conhecer está na ação que é revelada pelo desempenho o qual nem sempre se consegue explicitar verbalmente. Daí que a observação reflexiva sobre a ação por meio do vídeo pode ajudar o aluno à descrição deste conhecimento que se encontra implícito (SHÖN, 2000).

A autoscopia pressupõe dois momentos distintos, um em que acontece a vídeo gravação de uma situação que será revisitada e outro em que o material é visualizado ocorrendo análise e reflexão. Na gravação do vídeo, há o enfoque do cenário e do desenrolar das ações propostas pelo sujeito, no caso, o aluno. Na visualização, há um eminente processo reflexivo sobre as ações elaboradas o que mobiliza no aluno à necessidade de traçar ajustes que elas requerem.

Ao finalizar este capítulo que versou sobre a contribuição do vídeo feedback como instrumento tecnológico para avaliação de habilidades clínicas (OSCE), em que a austoscopia está imbricada no processo metacognitivo, abordaremos no próximo capítulo o caminho metodológico delineado para esta pesquisa rumo aos achados que constituem aspectos importantes dessa tese.