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Avaliação da contribuição da assessoria à prática

Psi: Era mais do que eu estava imaginando porque a gente teve você com o seu olhar de Psicologia Escolar, com toda sua experiência e todo o seu conhecimento e dentro da nossa realidade né, um trabalho bem, uma assessoria, uma consultoria bem focada no nosso trabalho.

Pesq.: ... que é um pouco da nossa proposta mesmo.

Psi: E, assim, teve, tinha né, muitos momentos que eu sentia uma segurança maior, depois da gente conversar depois da gente discutir, eu achava que eu tinha uma segurança maior nas minhas ações.

Pesq.: E que é muito legal porque quando a gente vai se apropriando das ideias a gente vai tendo mais segurança mesmo

Psi: Mas eu acho que se não fosse isso eu teria feito diferente, eu acho que eu teria levado algumas coisas mais pra frente. Talvez eu tivesse negado mais a fala dos docentes, por um tempo maior, acho que talvez eu tivesse negado mais, não sei, acho que teria negado essa fala deles por mais tempo.

Sentidos circulados:

vivência da formação continuada e do acompanhamento à prática como suporte ao desenvolvimento do papel e da atuação profissional, inclusive na ampliação das

possibilidades de intervenção.

SÍNTESE INTERPRETATIVA - ZONA DE SENTIDO 3

1. Percebe a necessidade de buscar apoio em grupo de estudo e de pesquisa em Psicologia Escolar para auxiliar na construção de sua atuação.

2. Participa de ações de formação continuada e as avalia positivamente.

3. Percebe o acompanhamento como recurso para circular angústias, rever ideias e ressignificar ações.

4. Relata que o estudo compartilhado e a discussão ampliam possibilidades de intervenção.

5. Percebe outros elementos envolvidos em uma situação e amplia sua compreensão a partir da discussão.

6. Problematiza e se apropria de novos procedimentos para intervir (observação).

7. Reconhece o acompanhamento da prática como elemento que auxilia no desenvolvimento de ações mais seguras.

Tendo em vista a deficiência da formação inicial em Psicologia Escolar e os desafios impostos pela realidade profissional, a formação continuada se configura como uma alternativa privilegiada e frutífera à apropriação das particularidades da área, ao desenvolvimento de um conjunto ampliado de competências e à reconstrução permanente das possibilidades de intervenção no sistema educativo. Em virtude do seu potencial na preparação de psicólogos escolares mais

competentes e comprometidos com a transformação social, a formação continuada em Psicologia Escolar tem sido defendida como elemento diferencial no desenvolvimento da área e dos profissionais (Marinho-Araújo & Neves, 2006, 2007).

Coerentemente a este entendimento já registrado nas produções em Psicologia Escolar, o acompanhamento da profissional evidenciou que a formação continuada é um recurso que pode auxiliar no desenvolvimento do papel e da atuação. Confrontada com o desafio absolutamente novo e não planejado de ser psicóloga escolar, Psi expressou em diferentes ocasiões que lhe era imprescindível buscar apoio teórico e prático e deixou registrado em seu memorial: “achava que

precisava urgentemente procurar mais apoio de profissionais da área de Psicologia Escolar”.

Conforme registrado na literatura brasileira, a formação continuada é espaço favorável ao desenvolvimento da identidade e da atuação em Psicologia Escolar (Guzzo, 1999; Guzzo & Wescheler, 1993; Marinho-Araújo, 2007; Marinho-Araújo & Almeida, 2003, 2005; Marinho- Araújo & Neves, 2006, 2007).

Refletindo sobre o desenvolvimento do psicólogo escolar, Guzzo (1999) afirma que “é preciso que a Psicologia Escolar seja priorizada como uma especialidade e que os profissionais que se interessem em atuar junto ao sistema educativo reconheçam a necessidade de uma formação contínua e crítica” (p. 136), ou seja, defende um investimento pessoal sólido que implica na necessidade de uma formação continuada, para além da graduação em Psicologia. Se de forma geral a formação continuada é vista como uma oportunidade de ressignificar escolhas, de rever posturas e ações e de aprofundar e ampliar as possibilidades de intervenção, no caso particular de Psi que não fez estágio em Psicologia Escolar, não teve experiência profissional na área e não fez cursos lato ou stricto sensu, essa vinculação a alternativas formativas em serviço é essencial para imprimir a especificidade necessária à atuação na área.

A oportunidade de ampliar as possibilidades de intervenção, para além de apoiar o desenvolvimento do seu perfil e da sua atuação em Psicologia, foi um dos sentidos atribuídos por Psi à assessoria à prática. O exemplo 1 da Tabela 15 é ilustrativo do movimento de apropriação da profissional acerca de um procedimento que pode auxiliá-la no seu exercício profissional, especialmente pela ampliação dos usos associados a tal procedimento. É evidente que a prática da observação era conhecida por Psi por ser um instrumento clássico de diagnóstico e de pesquisa em Psicologia; entretanto, a novidade para a psicóloga escolar foi o fato de poder utilizar a observação como recurso auxiliar para ampliar a sua compreensão acerca das situações educacionais, in loco.

Outros sentidos que emergiram da análise do acompanhamento da psicóloga escolar está, justamente, relacionada às suas percepções e ideias acerca do acompanhamento da sua prática profissional, que é uma modalidade de formação continuada, conforme ilustra o segundo exemplo da Tabela 15. A proposta de assessorar um profissional que atua em uma Instituição de Educação Superior do Distrito Federal tinha como objetivo investigar indicadores de perfil e de atuação que, junto aos demais elementos deste estudo, subsidiassem a construção de uma proposta de criação e

funcionamento de Serviços de Psicologia, bem como contribuissem para o desenvolvimento do profissional e aprimoramento de suas ações.

Para tanto, com base nos pressupostos da pesquisa-intervenção que articula a possibilidade de fazer pesquisa com a de transformar as práticas dos sujeitos pesquisados (Passos & Barros, 2000; Rocha, 2006; Rocha & Aguiar, 2003; Szymanski & Cury, 2004), buscou-se fomentar espaços de interlocução que oportunizassem a mobilização e a expressão de sentimentos, ideias, valores, incômodos, inseguranças, conflitos, dúvidas, conhecimentos, habilidades, projetos e desejos. Por meio dessa modalidade de pesquisa, tentou-se criar um espaço no qual os diferentes sentidos e significados relacionados à atuação em Psicologia Escolar pudessem emergir.

Assim entendido, o acompanhamento da prática foi adquirindo sentidos variados no transcorrer do processo. No início, quando Psi recebia demandas que lhe assustavam por colocar em evidência a fragilidade de sua identidade profissional, relatava que o acompanhamento permitira falar e explorar as angústias a ela relacionadas:“as primeiras reuniões foram muito

confortantes. Eu compartilhava essas angústias iniciais”. Depois, mediante o estudo, a mediação

da pesquisadora e a apropriação de elementos que caracterizam a atuação em Psicologia Escolar, Psi evidenciava que “as conversas me ajudaram a perceber algumas coisas de forma diferente”,

“comecei a olhar pra essas coisas e consegui ter outra dimensão do núcleo, da minha atuação”.

Sobre esta oportunidade de rever entendimentos e de ampliar as possibilidades de intervenção, cita- se o trabalho junto aos professores e coordenadores relacionado ao estudo e apropriação da temática das competências, eixo central do processo ensino-aprendizagem, e o trabalho com os gestores em relação à incoerência em cobranças feitas aos funcionários. Em ambos os casos, Psi resume dizendo que “antes eu percebia como absolutamente nada meu, depois percebi como muito

meu... quero dizer, o psicólogo escolar junto com, não é só do psicólogo escolar né, é junto com os coordenadores e direção”.

Observa-se por estes exemplos que a análise das situações de trabalho cotidianas associada ao estudo e discussão das produções em Psicologia Escolar, possibilita ao profissional se apropriar de novas ideias e, assim, ampliar suas perspectivas de intervenção, imprimindo-lhes novos e diferentes direcionamentos daqueles que inicialmente ventilava. É pertinente destacar que o acompanhamento à prática não se configura como um determinante causal ou como influência externa que determina a atuação do psicólogo escolar; ao contrário, se constitui como um processo de reinterpretação e coconstrução. A interlocução mediada (exemplo 1) apresentada na Tabela 15 exemplifica esse processo e evidencia como a assessoria propicia o desenvolvimento de competências do psicólogo escolar.

Dessa maneira, o espaço de assessoria à prática busca, sobretudo, permitir que os diferentes sentidos e significados relacionados à atuação e perfil do psicólogo escolar possam emergir e ser objeto de análise e de reflexão; a modificação das ações será um dos possíveis desdobramentos da circulação de tais sentidos. O acompanhamento ou a assessoria à prática, é uma oportunidade do

profissional e do pesquisador, juntos e imersos em uma rede de subjetividades, construírem uma nova trama de significações e sentidos para a atuação profissional. Se a constituição da subjetividade tem sua origem na relação com o outro, a pesquisa-intervenção é justamente uma maneira de influenciar esta constituição.

Além da apreensão e interpretação dos sentidos como recurso para compreender o processo de apropriação, coconstrução e transformação das ideias e ações da psicóloga escolar, a análise dos resultados possibilitou, ainda, a construção de indicadores para o perfil profissional do psicólogo escolar e para a atuação na Educação Superior. Após ter sido realizado o procedimento para construção das zonas de sentidos, investiu-se na identificação de indicadores que podem compor o perfil dos psicólogos escolares e outros que podem orientar sua atuação nas IES, ambos contemplados na construção da proposta para os Serviços de Psicologia, ao final deste capítulo. Os primeiros indicadores trazem elementos relacionados às características esperadas e desejadas para o profissional da área que irá atuar na Educação Superior; os segundos, relativos à atuação, funcionam como referência para a estruturação e desenvolvimento do trabalho dos psicólogos escolares na medida em que apontam possíveis ações que possam ser realizadas.

Os indicadores emergiram da análise das reflexões compartilhadas durante o acompanhamento da psicóloga escolar bem como das referências contemporâneas acerca da formação e da atuação em Psicologia Escolar, configurando-se como elementos potencialmente capazes de sustentá-las. A Tabela 16, a seguir, apresenta os indicadores de perfil.

Tabela 16