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Avaliação da produção escrita: princípios e critérios avaliativos

2.2 PRODUÇÃO ESCRITA NA ESCOLA: OS OBJETOS DE ENSINO DA ESCRITA E

2.2.3 Avaliação da produção escrita: princípios e critérios avaliativos

De acordo com Hoffmann (2002), mais do que conhecer, avaliar é, sobretudo, reconhecer o valor de um texto. A escrita, como já ressaltamos, é uma atividade que tem por princípio a interação entre autor-texto-leitor. Em função disso, quem escreve o faz com o interesse de transmitir algo para alguém com quem pretende interagir. Isso significa que mais do que saber se o texto está “correto” ou não, a expectativa do escritor é, essencialmente, que seu dizer alcance o leitor, de modo que este encontre sentido e atribua valor ao seu texto. É, pois, nessa direção que avaliar o texto escrito constitui, antes de tudo, um processo de leitura interpretativa que tem como ponto de partida, assim como o processo de produção, a interlocução.

Em consonância com essa perspectiva, Leal (2005, p.56) discute a necessidade de que aquele que ensina reconheça que os textos escritos pelos alunos são “atravessados por um conjunto de fatores ou de determinantes”; o que é essencial para que possa entrar no “jogo interlocutivo”, compreendendo a palavra do aprendiz enquanto “o outro” e agindo cooperativamente sobre seu texto.

Se escrever exige que o escritor leve em consideração as condições em que o texto será lido “para deixar no papel marcas formais que permitam ao leitor ter acesso ao

conteúdo”, ler, por sua vez, como face do mesmo processo (interlocutivo), requer do leitor o reconhecimento das condições em que o texto foi escrito, através de um trabalho de cooperação (SUASSUNA, 2013, p.120).

Nessa mesma linha de pensamento, Costa Val et al (2009) defendem que a avaliação de um texto pressupõe um leitor disposto e em condições de cooperar, isto é, aberto para “entrar no jogo proposto, recuperando pistas e produzindo sentido” (p.86). Para tanto, além da leitura global do texto, a qual dá o primeiro acesso ao conteúdo abordado, cabe ao professor também, na condição de leitor privilegiado das produções dos alunos, fazer uma leitura:

analítica, pormenorizada, sustentada nos elementos textuais, nos recursos utilizados pelo autor. Assim é que o leitor pode relativizar sua subjetividade, suas tendências ideológicas, suas preferências, suas simpatias e antipatias e, efetivamente, dar voz ao autor. Avaliando o trabalho feito quanto à escolha, à pertinência e à articulação dos recursos expressivos, pode considerar a relevância e a consistência dos argumentos e, enfim, ver emergir a coerência do texto (COSTA VAL et al, 2009, p.88).

Isso nos permite dizer que a leitura realizada pelo professor sobre o texto do aluno não é uma leitura qualquer, uma vez que demanda de estratégias que não se encerram na atividade de leitura em si, mas que caminham em direção a intervenções que possibilitem aprendizagens significativas no que diz respeito à escrita. Nesse sentido, a consistência do trabalho avaliativo do professor no que concerne ao ensino e aprendizagem da produção escrita passa pelo exercício consciente de suas decisões pedagógicas, o que, de acordo com Costa Val et al (2009, p.89), requer “condições pessoais e políticas de atualização do seu conhecimento e de constituição do seu lugar de leitor na sociedade”, assim como o estabelecimento de critérios que tornem seu trabalho mais eficaz.

A esse respeito, os autores defendem que o lugar de onde olhamos e o modo como olhamos para um dado objeto fazem-nos enxergar alguns aspectos e não observar outros e, com isso, definir parâmetros para compreendê-lo a partir do ponto de vista assumido. Assim, é possível dizer que a leitura do texto escolar, enquanto objeto de avaliação, é feita a partir de um determinado ângulo de visão, por meio do qual são construídas as expectativas que se caracterizam como critérios de avaliação. Esses critérios, por sua vez, funcionam como “lentes” para avaliar os textos dos alunos, com base na compreensão que o professor tem sobre o funcionamento da escrita e sobre o que vem a ser um bom texto, o que também está correlacionado ao conjunto de expectativas construídas pela escola, pelos discursos oficiais, pelas propostas curriculares, entre outros fatores que norteiam a prática do professor.

Apesar de não existir avaliação sem critérios, uma vez que sempre haverá expectativas sobre o objeto avaliado, os critérios avaliativos podem não estar claramente definidos na situação de avaliação. Sobre isso, Hadji (2001) chama-nos a atenção para o fato de que quando os critérios são vagos e imprecisos a avaliação é comprometida. Daí a necessidade de que os critérios de avaliação sejam claros não só para o professor, que fará uma leitura mais consistente e menos arbitrária do texto produzido, como para os alunos, que poderão dimensionar o que se espera deles em determinada situação de produção escrita.

Em projeto de avaliação realizado para o programa da SEE-MG31, em que foram avaliados 95.014 textos de alunos da 5ª serie do Ensino Fundamental e do 2º ano do Ensino Médio da rede pública estadual de Minas Gerais, Costa Val et al (2009) explicitam a importância da adoção de critérios consistentes e condizentes com a perspectiva assumida por aquele que avalia. Na ocasião do trabalho avaliativo em questão, os autores relatam que os parâmetros tomados como base para avaliação das redações foram norteados pela concepção adotada de língua e de texto como processo de interlocução, o que implicou a necessidade de se compor um quadro de critérios referentes não só aos aspectos formal e semântico dos textos, mas também à sua dimensão discursiva, isto é, aos aspectos inerentes ao processo interlocutivo na situação comunicativa proposta.

De acordo com Costa Val et al (2009), a dimensão discursiva constitui o ponto de partida para definição do que e como o texto deve ser escrito, tendo em vista que compreende a relação que o autor busca estabelecer com o leitor. Sendo assim, é por essa dimensão que o produtor do texto pode decidir sobre o gênero textual mais adequado para determinado contexto de interação, as informações que deverão constituir o conteúdo abordado, o tipo de linguagem que deverá adotar (mais ou menos formal, mais ou menos distanciada, etc.), bem como as palavras que serão usadas e a maneira como irá organizá-las.

Considerando o contexto do projeto de avaliação mencionado, é importante destacar que a produção dos alunos esteve condicionada a uma solicitação de escrita formal para um programa de avaliação estadual que predefinia o gênero em que o texto deveria ser desenvolvido e que propunha o tema a ser discutido. Tratava-se, pois, de o estudante escrever uma “redação escolar” a partir de um padrão de escrita e de determinadas condições de produção para ser avaliado, o que, inevitavelmente, repercutiria na relação que iria estabelecer, via texto escrito, com seu interlocutor, o avaliador em questão. Isso remete ao fato de que avaliar a dimensão discursiva do texto exige levar em conta como este responde à

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situação comunicativa proposta e a influência dessa situação sobre sua elaboração, conforme afirmam Costa Val et al (2009).

A dimensão semântica do texto, por sua vez, remete à compreensão do que foi escrito, estando relacionada, de modo geral, à coerência construída juntamente por autor e leitor na situação de interação proposta. Nesse sentido, o que pode ser interpretado como coerente pelos atores envolvidos em determinada situação de comunicação escrita pode não ser em outra e para outros interlocutores, uma vez que o valor semântico da escrita depende em grande medida do conhecimento partilhado pelo produtor e pelo leitor e do trabalho de cooperação empreendido por eles para que o texto “faça sentido”.

No entanto, Costa Val et al (2009) explicam que algumas regularidades relacionadas à dimensão semântica do texto são estabelecidas pelo uso social. Nas situações cotidianas de interação, o leitor avalia de maneira espontânea a escrita do outro a partir de sua intuição comunicativa, tendo em vista que, ao ler um texto, espera que ele possua um fio condutor, apresente novas informações no decorrer da leitura, e que suas “partes” estejam conectadas de modo que consiga reconhecer uma lógica, um todo significativo. Sendo essas expectativas de

continuidade, progressão e articulação aspectos que fazem com que um texto seja

reconhecido como coerente pelos leitores em geral.

Em se tratando do aspecto da continuidade, cabe considerar como critério de avaliação se o texto possui uma ideia central que funcione como eixo norteador de todo o discurso, ficando claro para o leitor do que se trata o texto. Em alguns casos, porém, é possível que a unidade temática se apresente apenas ao final do texto ou após a análise de suas partes em relação com o todo, tendo em vista os efeitos que o autor pretende que o texto produza sobre o leitor. Desse modo, Costa Val et al (2009) consideram que para avaliar a continuidade da escrita, deve-se levar em conta além da existência ou não de rupturas na tessitura textual, as implicações da presença ou ausência dessas rupturas no processo de produção de sentido.

Quanto à progressão textual, há uma expectativa, já mencionada, do leitor para que o autor do texto consiga manter o fio condutor responsável pela continuidade, ao mesmo tempo em que é capaz de acrescentar informações ou apresentar os desdobramentos do que é dito no decorrer da escrita. Logo, enquanto a continuidade garante a manutenção temática, a progressão permite que o texto “siga adiante”, na medida em que são acrescidas novidades relacionadas ao tema; podendo ser, por isso, avaliada quanto à fluidez das ideias.

Ainda no que diz respeito à dimensão semântica, outro aspecto responsável pela coerência textual e que merece atenção na avaliação do texto é a articulação, que, segundo

Costa Val et al (2009, p.104), consiste na “inter-relação dos elementos textuais entre si e com o todo” e no “nexo que estabelece o encadeamento entre as partes, através de relações lógico- semânticas”, a exemplo das relações que expressam causa e consequência, inclusão ou exclusão e finalidade num texto. Essa articulação, no entanto, pode não aparecer de maneira explícita, sendo, muitas vezes, empreendida pela capacidade do leitor de fazer as conexões necessárias; muito embora, para isso, precise encontrar pistas que o auxiliem a recuperar as relações de sentido pretendidas.

Costa Val et al (2009) esclarecem também que, apesar de a continuidade, a progressão e a articulação serem tratadas como aspectos distintos no que diz respeito à coerência textual, é preciso reconhecer que elas se inter-relacionam, contribuindo de maneira conjunta para o funcionamento semântico do texto. É por isso que ao se estabelecer como critério um desses aspectos, estamos ao mesmo tempo avaliando a influência que um exerce sobre o outro na totalidade do texto, uma vez que, no uso efetivo da língua, a coerência é algo que se avalia globalmente.

A análise da dimensão formal da escrita, por seu turno, corresponde à avaliação cuidadosa dos recursos linguísticos selecionados e mobilizados no nível da frase (sintaxe) e no nível do texto como um todo (coesão). Assim, são consideradas, nessa dimensão, as relações de sintaxe e de coesão, as quais não podem ser analisadas de maneira fixa, visto que são construídas a partir da interação estabelecida pelo escritor e leitor, em função do sentido que se pretende produzir em um dado contexto de interação, levando-se em conta o conhecimento linguístico e cultural partilhado pelos interlocutores (COSTA VAL et al, 2009; ANTUNES, 2006).

Embora isso remeta ao fato de que não há, em princípio, “formas erradas ou obrigatórias para todo e qualquer contexto”, Costa Val et al (2009, p. 109) destacam que as regularidades consagradas historicamente nas situações de interação escrita balizam a elaboração do texto no que concerne à sua gramaticalidade e funcionam como parâmetros para a sua avaliação. Nesse sentido, recursos anafóricos; conectores textuais; adequação de tempo e modo verbal; adequação vocabular; estrutura sintática das orações; estruturação dos parágrafos; emprego da pontuação; assim como correção ortográfica e acentuação das palavras constituem alguns fatores importantes para avaliação da dimensão gramatical, a qual, por sua vez, oferece pistas formais que facilitam o acesso do leitor ao nível conceitual do texto.

Ao refletirmos sobre os critérios avaliativos em questão, podemos perceber a relação íntima existente entre forma e conteúdo no que concerne à avaliação do texto escrito, uma vez que as dimensões discursiva, semântica e formal atuam integradamente para a compreensão do funcionamento do texto.

Com base nisso, é possível afirmar que o trabalho avaliativo que se quer mais eficiente na escola passa não só pela elaboração de critérios avaliativos consistentes e diversificados, mas pelo seu compartilhamento com os produtores dos textos, o que remete ainda para o estabelecimento de estratégias de intervenção pedagógica que tenham como finalidade a descoberta e o domínio pelos alunos do funcionamento interacional e dialógico da escrita, considerando a interligação das dimensões conceitual (discursiva e semântica) e formal do texto (COSTA VAL et al, 2009; HADJI, 2001; SUASSUNA; 2004; 2013).

2.2.4 Intervenções pedagógicas sobre o texto em avaliação

Paralelamente aos estudos que têm demonstrado a influência da participação do outro no desenvolvimento de habilidades importantes de escrita32, pesquisas relacionadas às formas de intervenção pedagógica nos textos escolares têm apontado para a relação entre as intervenções feitas pelos professores e a qualidade da escrita dos alunos, indicando melhores resultados de aprendizagem quando professor e aluno tomam o trabalho com o texto como objeto de discurso (SUASSUNA, 2013).

Nesse contexto, Ruiz (1998), assumindo como hipótese de trabalho a relação entre o modo como o professor intervém no texto do aluno e a performance deste como produtor de texto, propôs-se a investigar, em um corpus composto por 161 redações de alunos da 3ª série do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio, as estratégias de intervenção escrita que seriam mais produtivas para o aluno no que concerne à qualificação da escrita. Em função disso, partindo da classificação realizada por Serafini (1989) sobre os tipos de correção indicativa, resolutiva e classificatória, passou a analisar os tipos de correção realizados por 9 professores-sujeitos, bem como as reescritas elaboradas pelos alunos em resposta a essas correções.

32 Sobre isso, é interessante a apreciação do estudo realizado por Garcez (1998) acerca dos modos de participação do outro na construção do texto. O estudo revela que é o parceiro, com suas contribuições dialógicas, que ajuda a construir, junto com o produtor do texto, uma nova percepção sobre os elementos constitutivos da escrita e sobre seu real funcionamento nas relações interativas.