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2.1 AVALIAÇÃO ESCOLAR E ENSINO DE LÍNGUA MATERNA

2.1.2 Avaliação formativo-discursiva

O conceito de avaliação formativa foi inicialmente proposto por Michael Scriven (1967) em relação aos currículos e só depois se estendeu à avaliação da aprendizagem. Apesar de apresentar inicialmente um viés tecnicista, é possível vislumbrar nessa noção uma abordagem preocupada em fornecer respostas tanto ao aluno quanto ao professor no que diz respeito ao seu progresso ao longo de determinado período, o que se associou a uma avaliação de caráter formativo e integrada à ação pedagógica. A partir dessa primeira noção de avaliação formativa, nas últimas décadas, muitos educadores passaram a pensar a avaliação escolar, sobretudo, no que concerne à regulação das aprendizagens. Nesse sentido, por ter como propósito fundamental melhorar as aprendizagens, a avaliação formativa passou a ser reconhecida como avaliação para as aprendizagens (CRUZ, 2010; HADJI, 2001; FERNANDES, 2006).

Perrenoud (1999), ao discutir a avaliação entre duas lógicas – tradicional e formativa (emergente) –, esclarece que a prática avaliativa encontra-se no cerne das contradições do sistema educativo, justamente por se colocar continuamente entre “a articulação da seleção e da formação, do reconhecimento ou da negação das desigualdades” (p. 10). A coexistência entre essas duas lógicas na escola faz com que avaliar signifique assumir uma postura, privilegiar um modo de estar no mundo, bem como eleger determinadas opções epistemológicas e éticas. Por isso, avaliar a aprendizagem em uma perspectiva formativa é, antes de tudo, um ato que demanda comprometimento político, visto que implica agir de modo inclusivo dentro de um sistema excludente (PERREOUND, 1999; SUASSUNA, 2004; LUCKESI, 2011).

Apesar de ver relação entre a avaliação tradicional e a avaliação formativa emergente no contexto escolar, Perrenoud (1999) destaca que, na perspectiva da avaliação formativa, são colocadas à disposição do professor informações mais qualitativas sobre os processos de aprendizagem dos alunos. Dessa maneira, é possível que o docente interprete melhor as aquisições dos educandos, bem como suas dificuldades, de modo a regular de maneira mais individualizada suas intervenções a fim de que a aprendizagem seja otimizada. Nesse sentido,

a intenção da regulação da aprendizagem em curso seria determinar, ao mesmo tempo, o quanto o aluno já percorreu em sua trajetória de aprendizagem e o quanto ainda resta percorrer.

De modo semelhante, Silva (2004) considera que a razão de ser da avaliação está no acompanhamento interativo e regulador dos objetivos que se pretendem ser atingidos com vistas à aprendizagem. Para tanto, o papel formativo-regulador da avaliação coloca-se como fonte de informações descritivas e interpretativas dos percursos e dos conteúdos de aprendizagem dos alunos; o que só é possível graças ao caráter constituinte e integrador da avaliação no processo de ensino e aprendizagem. A avaliação é, portanto, ainda de acordo com Silva, responsável por estabelecer os nexos necessários para que ocorra o diálogo entre o planejamento, o ensino, a aprendizagem e a própria avaliação, de modo a retroalimentar toda a prática pedagógica.

Zabala (1998) vê a avaliação formativa a partir de uma mudança de perspectiva no que concerne às concepções de ensino e aprendizagem. O autor entende que quando a formação integral dos alunos assume centralidade no ensino, mudanças fundamentais na avaliação ocorrem a fim de que todas as capacidades dos educandos sejam desenvolvidas, não só aquelas associadas às “necessidades do caminho para a universidade” (p.197), conforme tem acontecido em uma perspectiva de avaliação centrada na seleção. Assim, a análise exclusiva dos resultados obtidos nos instrumentos avaliativos dá lugar a uma avaliação processual de ensino e aprendizagem, que compreende:

(1) a avaliação inicial do conhecimento dos alunos sobre o que se pretende ensinar; (2) o planejamento de tarefas que propiciem a aprendizagem;

(3) o estabelecimento de novas atividades e intervenções com base nas necessidades observadas (regulação);

(4) o conhecimento dos resultados obtidos;

(5) a compreensão e valoração de todo o processo (avaliação global ou integradora). De outro ângulo, Esteban (2003) defende a avaliação como prática de investigação. Na opinião da autora, ao contrário de uma avaliação de caráter classificatório, a avaliação como processo de investigação constitui-se a partir da perspectiva da heterogeneidade, em que as respostas predeterminadas cedem lugar a respostas em processo de construção, desconstrução e reconstrução, o que faz com que o professor reflita sobre como avalia, e, consequentemente, sobre a aprendizagem dos alunos, sobre sua prática e seu próprio movimento de construção do saber.

Por esse prisma, o erro, que numa concepção tradicional de avaliação possui um valor estritamente negativo por revelar uma suposta ignorância do educando, passa a constituir uma oportunidade de compreensão do processo de construção do conhecimento e de superação do “ainda não saber”, abrindo espaço para o reconhecimento de pistas sobre como os alunos estão articulando os saberes e interpretando o que está sendo ensinado, assim como para a elaboração de novos questionamentos. É nesse sentido que o erro, de acordo com Esteban (2003), revela muito mais o que educando sabe do que o que ele ainda não sabe, e, portanto, o que pode vir a saber. Dessa forma, é concebendo a avaliação como processo investigativo que o professor redefine sua prática avaliativa de modo a refletir sobre sua ação e investigar os indícios e os significados presentes nas respostas dos alunos.

É possível estabelecer semelhanças entre essa visão e a defendida por Hoffmann (2003) ao tratar da avaliação como prática mediadora. Para a autora, em vez de se constatar respostas certas ou erradas, com base em uma verificação periódica, para julgar o aproveitamento escolar do aluno, o processo de investigação propicia um acompanhamento das hipóteses formuladas pelo estudante em situações de aprendizagem. Hoffmann esclarece ainda que tal acompanhamento não representa a mera observação das ações e atividades realizadas pelos alunos, seguida do registro de seu desempenho, mas significa uma responsabilização por parte do professor pelo seu “ir além”. A avaliação, nesses moldes, nega o modelo voltado para a “transmissão-verificação-registro” e favorece uma “ação reflexiva do educador em termos de contribuir, elucidar, favorecer a troca de ideias entre e com seus alunos, num movimento de superação do saber transmitido para a produção de saber enriquecido” (p.116). Noutras palavras, é no movimento de ação-reflexão-ação que professor e aluno, através de uma relação dialógica, podem alcançar um saber mais enriquecido e carregado de significados.

No tocante à avaliação mediadora, Hoffmann (2003) revela que muitos docentes alegam a impossibilidade de estabelecerem uma relação dialógica ao avaliarem, devido ao número elevado de estudantes por turma e ao tempo reduzido de trabalho, sobretudo no Ensino Médio, nível de ensino em que os conteúdos costumam ser mais fragmentados19. A autora explica, no entanto, que o diálogo enquanto princípio fundamental da avaliação mediadora não se estabelece obrigatoriamente pela comunicação verbal direta do docente com cada um dos seus alunos, mas consiste na leitura investigativa do professor sobre o processo de construção de conhecimento dos educandos, de tal modo que, mesmo que não haja

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possibilidade de realizar comentários individuais sobre suas produções e questionamentos, ele possa, ainda que coletivamente, “debruçar-se sobre suas ideias e as do grupo para acompanhar seus argumentos e vir a discuti-los ou enriquecê-los” (HOFFMANN, 2003, p.121).

Nesse sentido, parece-nos claro que é o comprometimento do professor em estabelecer uma relação dialógica com o aluno – refletir, investigar, desvelar com ele o objeto de conhecimento em questão – e interpretar as informações essenciais ao processo de aprendizagem, que o conduz a desenvolver uma prática avaliativa mediadora, conforme defende Hoffmann. Isso nos remete ao que Hadji (2001) denomina de avaliação com intenção formativa, já que, para ele, é a intenção dominante do avaliador que faz com que sua prática seja desenvolvida nessa perspectiva; isto é, a intenção do avaliador de contribuir para o enriquecimento do aprendizado dos educandos e para sua formação é o que torna a avaliação formativa. Esta, portanto, não está relacionada a um modelo de ação acabado, mas a um modo de agir em que se assume a responsabilidade de criar situações e instrumentos que propiciem aprendizagens mais qualitativas a partir da incitação de novos questionamentos e da busca por significados.

Ainda no que concerne à perspectiva mediadora, Hoffmann (2013a) sustenta que para que a avaliação formativa se efetive é necessária a conscientização por parte do professor de que avaliar tem por princípio a interpretação do processo de construção do conhecimento. A autora diz ainda que a avaliação como prática de interpretação é um ato que envolve interação, interlocução, troca entre quem avalia e quem é avaliado; exige leitura e interpretação dos significados inerentes ao processo educativo. Nesse ponto, podemos perceber que a concepção de avaliação formativa ultrapassa a noção de regulação e assume também a de questionamento permanente do sentido, o que faz com que a avaliação seja reconhecida como processo intersubjetivo de produção e interpretação de sentidos, e, por isso mesmo, como processo simbólico e discursivo. Daí que avaliar, mais do que levantar informações úteis à tomada de decisão, é problematizar sentidos, questionar visões de mundo (SUASSUNA, 2004).

Na esteira desse pensamento, Hadji (1994, 2001) enfatiza que a avaliação se concretiza sempre num discurso. Para ele, o ato de avaliar se inscreve em um processo de comunicação, no qual o avaliador é o ator de uma comunicação social. Por esse ponto de vista, o autor explica que o avaliador que não tem apenas a intenção de ver, mas de se pronunciar sobre o que vê, tece com palavras uma rede onde se cruzam ideias e intenções que conduzem à produção de sentido, constituindo-se, por isso, como “um homem de palavras

cujo discurso deverá ser organizado para ser acessível, e fazer sentido na mente dos alunos” (HADJI, 2001, p. 109).

A avaliação enquanto “rede de palavras”, isto é, enquanto discurso, insere-se em um movimento de leitura dos sentidos postos e de investigação de novos sentidos, fazendo com que o professor assuma uma postura investigativa e interpretativa ante a realidade, a qual não se desvela espontaneamente, mas demanda uma relação dialógica, que põe professor e aluno em relação com o conhecimento. Nesse sentido, Suassuna (2004, p. 115) afirma que o diálogo que se instaura entre quem ensina e quem aprende “é condição do desenvolvimento de um olhar mais atento, uma escuta mais refinada, uma intuição mais apurada, imprescindíveis às novas formas de avaliar”.

Os modos de avaliar na escola em uma perspectiva formativo-discursiva originam-se, portanto, de uma redefinição das concepções teóricas acerca da avaliação da aprendizagem e de um novo olhar sobre a prática educativa. De outra parte, tendo em vista que no processo pedagógico a avaliação possui interdependência com o ensino, cabe-nos refletir sobre os pressupostos gerais que fundamentam o ensino de língua materna, para que possamos compreender as especificidades de sua avaliação.