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3 PERCURSO TEÓRICO-METODOLÓGICO

3.1 OPÇÃO PELA PESQUISA QUALITATIVA

De acordo com Lüdke e André (1986), cada vez mais tem se entendido o fenômeno educacional situado em um contexto social e em uma realidade historicamente construída, sendo um dos maiores desafios da pesquisa nessa área a compreensão dessa realidade em sua dinamicidade e complexidade. Nesse contexto, a pesquisa qualitativa tem exercido papel fundamental por favorecer a compreensão e interpretação profunda da situação estudada e dos múltiplos significados dos acontecimentos relacionados ao fazer educativo.

Bogdan e Biklen (1994), ao refletirem sobre a pesquisa qualitativa, destacam cinco principais características desse tipo de investigação:

(1) a fonte dos dados constitui o ambiente natural da situação investigada, e o pesquisador seu principal instrumento;

(2) a investigação qualitativa é descritiva, feita essencialmente por registros;

(3) há maior interesse do pesquisador pelo processo (atividades, procedimentos e interações desenvolvidas no cotidiano escolar) do que pelo produto;

(4) a análise dos dados se dá de forma indutiva;

(5) apreensão das perspectivas dos sujeitos participantes, considerando os sentidos atribuídos por eles próprios a respeito do que experimentam na realidade investigada.

Denzin e Lincoln (2006), por sua vez, evidenciam que a pesquisa qualitativa é uma “atividade situada que localiza o observador no mundo” (p. 17) e consiste em um conjunto de práticas materiais e interpretativas que dão visibilidade ao mundo, por meio das quais os

pesquisadores estudam os acontecimentos em seus cenários naturais, tentando entender os fenômenos em termos dos significados que as pessoas atribuem a eles.

Aliado a isso, os autores discutem que esse tipo de pesquisa implica uma ênfase sobre as qualidades das entidades, bem como sobre os processos e significados que não são analisados em termos experimentais e quantitativos. Por essa razão, os pesquisadores da abordagem qualitativa de investigação se debruçam sobre a natureza socialmente construída

da realidade, e ressaltam a estreita relação que mantêm com o fenômeno estudado,

considerando as possíveis limitações que podem surgir nas situações observadas e influenciar a investigação (DENZIN; LINCOLN, 2006).

Outro princípio essencial à pesquisa qualitativa é a compreensão de que o pesquisador é um ser biograficamente situado, cujo olhar será sempre “filtrado pelas lentes da linguagem, do gênero, da classe social, da raça e da etnicidade.” (DENZIN; LINCOLN, 2006, p. 33). Por constituir-se um ser formado por múltiplas dimensões, o pesquisador lança seu olhar investigativo a partir de uma comunidade interpretativa socioculturalmente marcada, que será determinante para o modo como ele irá enxergar o “outro” investigado, bem como os aspectos políticos e éticos da pesquisa.

Por tal pensamento, concordamos com Denzin e Lincoln (2006) quando defendem que não existe observação objetiva, mas observação que se situa socialmente no mundo do observador e do observado, ou entre esses mundos. O que implica dizer que nenhum método é capaz de se fazer compreender todas as ações ou intenções concernentes à experiência humana. Em função disso, os investigadores de abordagem qualitativa empregam “uma ampla variedade de métodos interpretativos interligados, sempre em busca de melhores formas de tornar mais compreensíveis os mundos da experiência que estudam” (p. 33).

Com base nisso, compreendemos que não há um método específico de abordagem ou uma teoria nítida própria que fundamente a pesquisa qualitativa, mas um pesquisador socialmente situado, que se utiliza de uma teoria ou ontologia a fim de esmiuçar determinadas questões epistemológicas e que faz uso de uma metodologia com intuito de analisar os aspectos mais específicos do objeto estudado (DENZIN; LINCOLN, 2006). Por essa perspectiva, Denzin e Lincoln (2006) propõem cinco fases peculiares à pesquisa qualitativa as quais iremos elencar, relacionando-as com as fases que vivenciamos em nossa pesquisa.

A primeira fase vivenciada é a fase do pesquisador como sujeito multicultural. Nela realizamos escolhas acerca do caminho investigativo que percorremos para melhor compreender nosso objeto de estudo, a partir de uma determinada concepção de mundo, de

pesquisa (marcada por uma diversidade e complexidade de perspectivas tradicionalmente construídas), do “outro” a ser pesquisado, bem como do olhar que temos acerca dos aspectos éticos e políticos relacionados ao ato investigativo. Situamo-nos nessa fase quando nos detivemos sobre a construção de nossa pesquisa e, após um estudo pormenorizado da história da pesquisa científica em educação, vislumbramos a abordagem qualitativa como a melhor opção investigativa para responder aos questionamentos provenientes de nosso objeto.

Em seguida, vivenciamos a fase dos paradigmas interpretativos. Nessa fase, atuamos como “filósofos” que, a partir das próprias crenças e premissas (epistemológicas, ontológicas e metodológicas), direcionam o modo como observam o mundo e como nele agem. Essas premissas constituem os paradigmas, ou os esquemas interpretativos, que irão orientar nossa ação (DENZIN; LINCOLN, 2006). Nesse sentido, trouxemos para este estudo as concepções que assumimos sobre língua, funcionamento da escrita, ensino e avaliação da produção textual escrita, a fim de esclarecermos de que lugar teórico estamos falando e em que medida tais concepções orientam a nossa análise.

A terceira fase experienciada compreende a fase das estratégias de investigação, momento em que desenvolvemos o planejamento da pesquisa, situando-nos no mundo empírico, com foco na questão de pesquisa e nos objetivos a ela atrelados. Nesse momento, recorremos às estratégias que julgamos ser mais eficazes para obter as informações que melhor respondem às questões particulares da pesquisa, sendo essas estratégias responsáveis por apontar para os métodos específicos necessários à coleta e à análise dos dados (DENZIN; LINCOLN, 2006).

Atrelada às estratégias de investigação, a fase dos métodos de coleta e de análise dos

materiais empíricos constitui o quarto momento da pesquisa. Essa fase compreende o

momento em que realizamos a observação de aulas, a fim de acessarmos as informações e materiais que serviram de subsídio para a compreensão dos modos de avaliação desenvolvidos por cada professor no trabalho com a escrita; além da coleta dos textos já avaliados dos alunos e da entrevista final com os docentes, conforme detalharemos na seção seguinte.

Por fim, vivenciamos a fase da arte e da política de interpretação e avaliação dos

dados, que se caracteriza pelo compromisso do pesquisador de analisar qualitativamente os

dados produzidos na coleta, o que se dá por meio de um processo de construção que envolve criatividade e interpretação (DENZIN; LINCOLN, 2006). Situamo-nos nessa fase no momento em que elaboramos um texto interpretativo a partir das informações registradas

durante as aulas observadas; da entrevista transcrita, e da análise dos documentos (textos avaliados), lançando um olhar crítico e cuidadoso sobre os dados.

Postos os princípios da abordagem qualitativa e as fases vivenciadas, ressaltamos o

traço etnográfico da pesquisa, tendo em vista que, em sua realização, compreendemos: o

fenômeno educacional dentro de um contexto cultural mais amplo; a necessidade de imersão na situação investigada; o aprofundamento das hipóteses de pesquisa em campo; o contato direto e contínuo com os sujeitos pesquisados; e a abordagem da perspectiva dos sujeitos sobre como estes veem o mundo e suas próprias ações na realidade pesquisada (WOLCOTT, 1975 apud LÜDKE; ANDRÉ, 1986). Enfatizamos o traço etnográfico da pesquisa, uma vez que ela não consiste propriamente nesse tipo de abordagem, mas inspira-se na forma de concepção do fenômeno e nos cuidados tomados para a produção e análise dos dados.

Entre os aspectos supramencionados, destacamos o princípio etnográfico de imersão na realidade investigada, o qual se evidencia nesta pesquisa pela necessidade de observarmos a prática dos professores no contexto de aula, visto que a avaliação é por nós concebida como uma atividade processual e integrada à prática pedagógica (cf. ZABALA, 1998; SILVA, 2004; ANTUNES, 2003). Daí a inviabilidade de investigarmos os modos desenvolvidos pelos professores para avaliar os textos dos alunos, de forma a incidir nosso olhar apenas sobre as produções avaliadas, sem acompanhar a condução do processo avaliativo, compreendido, numa perspectiva formativa, de modo indissociável do processo de ensino e aprendizagem.

Nossa escolha teórico-metodológica teve, portanto, como princípio a análise

qualitativa e interpretativa da situação estudada e a busca pelo que há de mais relevante e

característico na prática dos professores ao ensinar e avaliar a produção escrita dos alunos, a fim de que pudéssemos, enfim, compreender nosso objeto de investigação: os modos de

avaliação da produção escrita em duas turmas do Ensino Médio.