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1.2 A BUSCA DA COMPETITIVIDADE NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

1.2.1 Avaliação da qualidade na Administração Pública

Organizações privadas e públicas têm adotado modelos gerenciais que priorizam a qualidade e produtividade para seu desenvolvimento e o do próprio país (CUNHA, 2006, p. 113), porém os conceitos de qualidade e produtividade que utilizam não são formulados a partir da atuação crítica do ser humano, na sua condição política, de participar na construção do bem comum.

Configura-se aí um problema, visto que o conceito de qualidade é variável e necessita da participação do ser humano para sua formulação, acompanhamento e avaliação:

Para pessoas diferentes, grupos diferentes, povos diferentes, a forma de avaliar beleza, pureza, justiça, santidade, eficácia e perfeição é diferente. As mesmas pessoas, grupos e povos, com o passar do tempo, vão modificando suas visões e opiniões sobre a qualidade, seus critérios para sua avaliação e o nível de exigência (padrões) para estes critérios). O conceito de “qualidade” sempre estará associado à “avaliação da qualidade, que por sua vez estará associado ao “avaliador”. Na realidade, o conceito de qualidade é operacionalizado mediante a definição do objeto a ser avaliado, do avaliador e seus motivos e de seu método de avaliação. A multiplicidade de pontos de vista de avaliação decorrentes

da diversidade dos avaliadores e a multiplicidade de resultados de avaliação decorrentes do uso de diferentes métodos de avaliação tornam esta um processo passível de abordagens que variam do extremamente quantitativo para o extremamente qualitativo (CUNHA, 2006, p. 113). As próprias necessidades do ser humano é que vão definir o padrão de qualidade de produtos e serviços. A qualidade total é um conceito estudado pela Teoria Geral da Administração, marcadamente voltado para a finalidade lucro pela melhoria contínua dos processos, mas que pode ser utilizado com as devidas adequações à Administração Pública:

A melhoria contínua e a qualidade total são abordagens incrementais para obter excelência em qualidade dos produtos e processos. O objetivo é fazer acréscimos de valor continuamente. Ambas seguem um processo composto das seguintes etapas:

1. Escolha de uma área de melhoria, como redução da percentagem de defeitos; redução no tempo de ciclo de produção; redução no tempo de parada de máquinas ou redução do absenteísmo do pessoal.

2. Definição da equipe de trabalho que tratará da melhoria. A melhoria contínua e a qualidade total põem forte ênfase no trabalho em equipe. São técnicas participativas para mobilizar as pessoas na derrubada de barreiras à qualidade.

3. Identificação dos benchmarks. Benchmark significa um padrão de excelência que deve ser identificado, conhecido, copiado e ultrapassado. O benchmark pode ser interno (de outro departamento, por exemplo) ou externo (uma empresa concorrente ou excelente). O benchmark serve como guia de referência.

4. Análise do método atual. A equipe de melhoria analisa o método atual de trabalho para comparar e verificar como ele pode ser melhorado para alcançar ou ultrapassar o benchmark focalizado. Equipamento, materiais, métodos de trabalho, pessoas, habilidades devem ser considerados nessa análise.

5. Estudo piloto da melhoria. A equipe desenvolve um esquema piloto para solucionar o problema e melhorar a qualidade e testa a sua relação de custo e benefício.

6. Implementação das melhorias. A equipe propõe a melhoria e cabe à direção assegurar sua implementação. A melhoria fortalece a competitividade da organização e aumenta a motivação das pessoas envolvidas no processo incremental (CHIAVENATO, 2011, p. 550). Uma maior competitividade da organização requer, portanto, maior qualidade e o gerenciamento da qualidade total -Total Quality Management (TQM) - ao atribuir a todos a responsabilidade por atingir padrões de qualidade, deixando de realizar um controle burocrático centralizador para realizar um controle solto e descentralizado (CHIAVENATO, 2011, p. 551).

Cada organização tem suas peculiaridades, inclusive cada organização pertencente à Administração Pública. É, portanto, um equívoco o estabelecimento de um simples

padrão de qualidade aplicado de forma igual e indiscriminada a toda organização (CUNHA, 2006, p. 144), considerando-se que a participação deve ser um quesito importante para a avaliação da qualidade, dada a importância do ser humano poder apresentar suas necessidades e avaliar o cotidiano da organização.

Desse modo, toda organização tem a tarefa de empoderar o ser humano nas habilidades que antes eram apenas de gerentes. O ato de empoderar tem valor significativo para a qualidade total, pois o controle que antes era vertical, do gerente para os funcionários, passa a ser horizontal, alcançando todos os envolvidos na entrega do produto ou na prestação do serviço, inclusive seu usuário, ator externo à organização.

O empoderamento, ou empowerment, das pessoas é o fundamento da qualidade total e possibilita “melhoria dos produtos e serviços, na satisfação do cliente, na redução de custos e de tempo, trazendo economias para a organização e satisfação das pessoas envolvidas” (CHIAVENATO, 2011, p. 551-552).

Pode-se detectar que a Administração Pública, como organização que é, utiliza conceitos da Teoria Geral da Administração que devem ser moldados à finalidade do Estado, não havendo um choque com a variável competitividade, exceto se esta variável ou as demais forem apartadas do necessário empoderamento do ser humano pela participação no cotidiano da organização.

A Administração Pública é uma realidade social, política e organizacional que requer tratamentos analíticos jurídicos, econômicos, sociológicos e politológicos em constante processo de transformação pela participação do ser humano a partir de suas novas necessidades, fazendo com que a estrutura e processos de tomada de decisão tenham aproximação organizativa adequada à finalidade da sociedade política (RAMIÓ, 1999, p. 21).

A essa área não se aplica uma Teoria da Organização específica (RAMIÓ, 1999, p. 27), mas, sendo uma organização diferenciada por sua finalidade, deve voltar seus conceitos, valores e técnicas para a realização do bem comum com a participação do ser humano.

Mesmo com a pressão exercida pela derrubada de barreiras com a globalização, que possibilita novas organizações, a análise da Administração Pública deve estudar cada realidade político-administrativa e suas relações com enfoque mais pluralista, interdisciplinar, intergovernamental e participativo, reconstruindo um modelo que

compense os desajustes causados pela globalização no sistema de bem-estar (VARELA ÁLVAREZ, 2003, p. 4).

O modelo base para dar suporte a cada organização e considerar o conteúdo político necessário ao ser humano precisa ter seus fundamentos econômicos, sociais, políticos, administrativos e culturais sob a influência do direito humano à participação. É preciso corrigir a orientação atual da sociedade para uma “volta aos princípios básicos da proteção dos direitos humanos, convivência e democracia local participativa”6, ordenando as relações entre Mercado, Estado e Sociedade para que, “incorporando os valores de participação e democracia local” sirva “definitivamente para integrar o binômio global/regional-local que nos ocupa”7 (VARELA ÁLVAREZ, 2003, p. 11).

Tem-se observado o crescimento das relações entre Mercado e Estado com preponderância do primeiro, a partir da utilização de conceitos da Teoria Geral da Administração, marcadamente pensada para a obtenção de lucro, sem se resgatar o necessário conteúdo político da organização da sociedade política, o que culminou nos preceitos da Nova Gestão Pública. A utilização desmedida desses preceitos nas organizações gerou e ainda gera processos de reformas-modernizações nos países.

Para avançar no conceito de gestão pública é preciso compreender que, sem o conteúdo político nos processos organizacionais da Administração Pública, é impossível obter verdadeira gestão pública. Sem compreender o sentido e a importância da política para o ser humano, a tomada de decisões complexa que se produz entre os representantes de qualquer nível de governo e seus níveis diretivos fica esvaziada da finalidade do Estado que é a obtenção do bem comum.

A política é a dimensão social que aporta legitimidade ao sistema político a partir da participação do ser humano na ação coletiva, com a mobilização de valores e ideias que lhe sejam fundamentais em dado momento. O fundamento da gestão pública é, portanto, a participação que legitima a sociedade política formada por cada organização. A Administração Pública é apenas uma dimensão que possibilita - ou deveria possibilitar - a gestão dos bens comuns, públicos e privados, para a finalidade da sociedade política que é

6

Transcrição do trecho original: uma vuelta a los princípios básicos de la protección de los derechos

humanos, convivência y democracia local participativa.

7

Transcrição do trecho original: incorporando los valores de participación y democracia local serviria

atingir o bem comum a partir das condições de realização dos interesses particulares do ser humano.

Mesmo com a utilização adequada da variável participação, é preciso utilizar adequadamente outra variável que condiciona a estrutura e o comportamento da organização: a tecnologia, que pela teoria da contingência passou a ser um imperativo (CHIAVENATO, 2011, p. 527).

Na era da informação, o capital financeiro depende do capital intelectual, do conhecimento, como a informação valiosa para uma organização, possuída pelas pessoas, desenvolvida e aplicada às organizações. O sucesso da organização depende, portanto da utilização adequada do conhecimento na solução dos problemas e na busca da inovação para atingir qualidade:

A organização baseada no conhecimento depende, portanto, da gestão do conhecimento. E o que é gestão do conhecimento? Um processo integrado destinado a criar, organizar, disseminar e intensificar o conhecimento para melhorar o desempenho global da organização (CHIAVENATO, 2011, p. 562).

O conhecimento que é importante para a organização deve ser decidido por meio da participação, possibilitando a criação de conhecimento para aprimorar a organização, controle social que também deve nortear o fluxo de informação e a gestão do conhecimento dentro e fora da organização.

Por processo marcado pela participação, forma-se o capital intelectual da organização, pela utilização adequada da tecnologia da informação aplicada à gestão do conhecimento para informar o ser humano e possibilitar sua participação na tomada de decisão, seja ele parte da organização ou interessado nas suas ações. Para a Teoria Geral da Administração, a variável participação não é contemplada no capital intelectual de uma organização e o ser humano que aquela envolve, o que deve ser corrigido para o alcance da finalidade de uma sociedade política:

1. Nossos clientes. Baseado no valor proporcionado pelo crescimento, força e lealdade dos clientes. Refere-se à estrutura externa, isto é, ao relacionamento com os clientes e seu impacto nos retornos e imagem e como essa estrutura pode ser expandida para incluir novas relações externas.

2. Nossa organização. Baseado no valor derivado de nossos sistemas, processos, criação de novos produtos e estilo administrativo. Refere-se à estrutura interna que inclui sistemas e processos, ferramentas de negócios, marcas registradas e cultura organizacional.

3. Nossas pessoas. Baseado no valor da organização proporcionado pelo crescimento e desenvolvimento das competências das pessoas e como essas competências são aplicadas às necessidades dos clientes. Refere-se às competências e habilidades dos funcionários para agirem eficazmente em uma ampla variedade de situações.

[...]

Por essa razão, o investimento maior está sendo feito – não em máquinas e ferramentas – mas no conhecimento das pessoas. Muitas organizações desenvolvem esquemas de educação corporativa e universidades corporativas e virtuais para melhorar a gestão do seu capital intelectual (CHIAVENATO, 2011, p. 565, grifo do autor).

Investir no conhecimento das pessoas, dentro e fora da organização, tomou o nome de educação corporativa, a que se sugere como educação institucional inerente à Administração Pública, base de qualquer organização. Por meio dele, garantem-se as condições para o ser humano acompanhar as mudanças, interagir com outros ambientes e inovar, o que deve ser possibilitado por redes sociais físicas e virtuais.

A longo prazo, as práticas de uma organização a deveriam revelar cada vez mais como um espaço de valorização do ser humano. Nesse sentido, a Teoria Geral da Administração ressalta que “companhias mais longevas são aquelas que se veem mais como comunidades humanas do que como máquinas de gerar lucros” (CHIAVENATO, 2011, p. 565).

Controversamente, esse pensamento focado nas organizações como comunidades humanas foi sobreposto pelo foco nas máquinas de gerar lucros e por isso é preciso repensar o conceito de Administração Pública e, principalmente, seu conceito de qualidade na evolução para o conceito de gestão pública. Por essa razão, a educação institucional deve considerar a conexão política de participação para alcançar o critério competitividade no espaço global respeitando a finalidade da sociedade política.