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O direito humano à participação como característica de qualidade institucional

1.3 DESAFIOS NAS ADMINISTRAÇÕES PÚBLICAS CONTEMPORÂNEAS

1.3.2 O direito humano à participação como característica de qualidade institucional

Administração Pública que funcione melhor, com menos custo, mais responsável e receptiva às demandas cidadãs, depende da percepção e valores do cidadão (ÁLVAREZ, 2003, p. 213; 216). Há necessidade de se aprofundar a discussão com participação para estabelecer parâmetros objetivos de percepção dos valores do cidadão dentro e fora da organização pública, efetivando o direito humano à participação.

Ao longo do tempo, houve a transformação de uma Administração Pública burocrática (própria de um Estado liberal, com tarefas essencialmente de regulação) em uma pós-burocrática (própria do Estado Social e Democrático de Direito), mas com crise de coerência entre estratégia e estrutura, com a necessidade de redefinir a questão externa, das relações da Administração com os cidadãos, incrementando a participação cidadã em todos os níveis de governo (VARELA ÁLVAREZ, 2003, p. 190) e desses níveis para com outras organizações, inclusive transnacionais.

Deve-se aprimorar a possibilidade política pela participação no nível local, por meio de tecnologias jurídicas inovadoras nas organizações, desde sociedades políticas em miniatura como a escola, aprimorando-se conselhos, para que a participação seja um hábito na gestão, institucionalizada na articulação crescente entre organizações.

Tenha-se em vista que qualquer critério de qualidade dentro de uma organização deve reconhecer a medida da participação na tomada de decisões, consolidando uma Administração Pública legítima. Ao passo em que o conceito de legitimidade é chave das modernizações nas organizações públicas, a legitimidade do sistema político depende, em parte, da Administração Pública (VARELA ÁLVAREZ, 2003, p. 191), que deve proporcionar o direito humano à participação.

Desse modo, a legitimidade da Administração Pública e a legitimidade do sistema político, em seu conjunto, são dependentes entre si:

A ideia de separação entre política e administração faz que para que um sistema político democrático seja legítimo na atualidade tenha que contar com uma administração profissional cujo comportamento e estrutura se ajuste aos princípios de dominação legal. Ao mesmo tempo, se faz necessária uma administração capaz de dotar de eficácia o sistema político no desempenho de suas funções, já que no caso contrário pode contribuir para a crise de legitimidade do sistema político. Além disso, a

administração é, de outra perspectiva, inseparável da política na medida em que a responsabilidade de seu funcionamento eficaz pertence aos políticos eleitos ou nomeados. Por último, o processo de adoção de decisões que formam a ação pública não se encontra isolado num lugar nem num momento. Ou seja, as políticas públicas são também a política, não se pode legitimar ao exercício do poder sem administrar sua implantação material (VARELA ÁLVAREZ, 2003, p. 246)15.

Não se pode conceber legitimidade ao gestor eleito pelo fato de ter sido eleito de acordo com as leis de um sistema representativo - isto é, por voto - se a implantação material, as políticas públicas, não forem realizadas por participação. Isso significa que a adoção de decisões que formam a ação política precisa ter a legitimidade do controle social, da participação popular, razão pela qual se conclui que que a gestão pública abrange voto e atuação, ambos com participação popular – o que vale para cada sociedade política, desde a escola, até o Estado.

Contudo, o conceito de qualidade nas Administrações Públicas, apesar de considerar importante a participação na tomada de decisão, não tem considerado a intencionalidade política como um critério de avaliação da qualidade.

No que se refere a esse aspecto, o modelo europeu de qualidade na Administração apresenta o indicador da Fundação Europeia para a Gestão de Qualidade, European

Foundation for Quality Management (EFQM), que criou em 1991 o Prêmio Europeu de

Qualidade contemplando cinco modalidades: grandes corporações e unidades de negócio; unidades operativas, organismos públicos, pequenas e médias empresas independentes; pequenas e médias empresas subsidiárias. (VARELA ÁLVAREZ, 2003, p. 224).

A intenção europeia com essa iniciativa era competir com seus adversários japoneses e norteamericanos. O EFQM foi adotado pelas Administrações Públicas espanholas a partir de um Decreto Real de 1999, no qual se regulavam as Cartas de Serviços e os Prêmios de qualidade na organização (VARELA ÁLVAREZ, 2003, p. 225). O modelo EFQM adota nove critérios de avaliação da qualidade da Administração:

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Transcrição do trecho original: La idea de separación entre política y administración hace que para que

un sistema político democrático sea legítimo em la actualidad tenga que contar com uma administración profesional cuyo comportamiento y estructura se ajuste a los princípios de dominación legal. Al mismo tiempo, se hace necesaria uma administración capaz de dotar de eficacia al sistema político em el desempeño de sus funciones, ya que em caso contrario puede contribuir a la crisis de legitimidad del sistema político. Además, la administración es, desde outra perspectiva, inseparable de la política em la medida em que la responsabilidad de su funcionamento eficaz pertenece a los políticos electos o nombrados. Por último, el proceso de adopción de decisiones que formam la acción pública no se encuentra aislado em um lugar ni em um momento. Es decir, las políticas públicas son también la política, no se puede legitimar el ejercicio del poder sin administrar su implantación material.

liderança, política e estratégia, pessoas, recursos e alianças, processos, resultados relativos a clientes, resultados relativos às pessoas, e resultados chave. Ao se avaliar critérios de participação, pode-se considerar também os subcritérios do modelo EFQM, capazes de ampliar as possibilidades de participação do ser humano na Administração.

No critério liderança, por exemplo, o subcritério de motivação, apoio e

reconhecimento das pessoas da organização por parte dos líderes pode ser aprimorado ao

oportunizar a ação política do ser humano.

O critério política e estratégia pode aprofundar a educação institucional gerando um subcritério de como o gestor aproveita conhecimento e todo o potencial das pessoas que compõem a organização. No critério política, a existência de diálogo entre as pessoas e a organização pode ser aprimorada com metodologia de mediação.

Quanto ao critério de recursos e alianças, o modelo EFQM verifica como a organização gere suas alianças externas e recursos internos, destacando o subcritério de

gestão da informação e do conhecimento, com a maior utilização de tecnologias da

informação que possibilitem a articulação dentro da organização e entre organizações. Analisando o critério que verifica os processos da organização, para um melhor desenho e maior aproximação com os usuários dos serviços públicos, os subcritérios devem aprimorar plataformas que possibilitem demonstrar rapidamente quais são as expectativas dos usuários, melhorando sua relação com o público.

Nesse sentido, o critério de resultados relativos a clientes incentiva a investir em tecnologias que possibilitem a realização dos subcritérios de percepção das expectativas dos usuários, bem como mecanismos de avaliação participativa a partir da definição de indicadores de rendimento do serviço público.

Com maior participação do ser humano na rotina da Administração Pública, o critério que avalia os resultados relativos às pessoas que integram a organização, com a melhora da educação institucional, obterá resultados nos subcritérios que envolvem medidas de percepção e indicadores de rendimento da organização.

Por fim, o critério que avalia os resultados chave, adotando maior participação do ser humano, dentro da organização, fora dela e entre organizações, conseguirá realizar os subcritérios de resultados e indicadores dos rendimentos da organização.

Pode-se perceber que não há um critério que analise a participação na gestão, o que poderia ser aprimorado incluindo-se no critério processo o subcritério mecanismos de

participação na tomada de decisões da organização pública. Outra medida interessante

para empoderar o ser humano para a participação é a adoção de Cartas de Serviços, contratos básicos entre as Administrações Públicas prestadoras de serviços e os usuários, originadas na Grã-Bretanha nos anos oitenta e adotadas por Portugal, Itália, França, Alemanha e Espanha. A utilização pioneira das cartas de serviços em Madri possibilitou sua adoção na Espanha:

No caso de nosso país a primeira elaboração de Cartas de Serviços foi realizada pela Administração da Comunidade de Madrid em 1997 (Decreto 27/1997 e Decreto 44/1998), sendo objeto de regulação posterior por parte da Administração Geral do Estado através do Decreto Real 1259/1999 e sua posterior implantação num grande número de suas organizações (VARELA ÁLVAREZ, 2003, p. 228-229)16.

Na Comunidade Autônoma da Galícia a experiência mais recente foi desenvolvida no Ayuntamiento de Vigo (2002) através dos serviços prestados por equipes de investigação da Graduação em Gestão e Administração Pública da Universidade de Vigo, em virtude de um Convênio de Cooperação (VARELA ÁLVAREZ, 2003, p. 228-229).

Com o recurso das cartas de serviços, os cidadãos são informados sobre os serviços e compromissos de qualidade da organização pública, bem como de seus direitos em relação aos serviços oferecidos, melhorando a comunicação entre as partes prestador e usuário (VARELA ÁLVAREZ, 2003, p. 229-230).

Os dois principais modelos de cartas de serviços contemplados no Decreto Real 1259/1999, de 16 de julho, da administração Geral do Estado, e no Decreto 44/1998, de 18 de março, que aprova as medidas complementares de regulação das cartas de serviços na Administração da Comunidade de Madrid (VARELA ÁLVAREZ, 2003, p. 230), apontam formas de colaboração ou participação dos cidadãos e usuários na melhoria dos serviços. Para esse fim, são ainda disponibilizados livros de queixas e sugestões, formas de apresentação de queixas, prazos de contestação e efeitos das mesmas (VARELA ÁLVAREZ, 2003, p. 230).

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Transcrição do trecho original: Em el caso de nuestro país la primera elaboración de Cartas de Servicios

la realiza la Administración de la Comunidad de Madrid em el año 1997 (Decreto 27/1997 y Decreto 44/1998), siendo objeto de regulación posterior por parte de la Administración General Del Estado a través del Real Decreto 1259/1999 y su posterior implantación em um gran número de SUS organizaciones.

A adoção dessas cartas de serviço poderia ser também um critério para aferir a qualidade da organização pública com fundamento na participação durante a formulação e reformulação do seu teor. Isso porque técnicas de gestão pública escolhidas deverão introduzir valores, articulando o técnico e o cultural, através da educação em valores (ética pública), por uma nova cultura de serviço público responsável, receptivo, de qualidade e orientado ao cidadão. (VARELA ÁLVAREZ, 2003, p. 240) pela possibilidade de agir a partir da informação disponível.

Ao incorporar diferentes técnicas de gestão adequadas a cada necessidade, as unidades administrativas que prestam o serviço precisam assumir um marco metodológico para avaliação, reforçando os elementos de valoração institucional e evitando índices sintéticos, sem valoração institucional, cuja aplicação gera discricionariedade, apenas positiva a quem os tenha criado - como ocorre com os índices que colocam apenas universidades americanas no topo de rankings, a partir de seus próprios padrões (VARELA ÁLVAREZ, 2010, p. 106).

Desde a década de 90, a qualidade se incorporou às técnicas de gestão das organizações públicas ressaltando a importância da participação para eficácia da Administração Pública e dando origem ao conceito de qualidade institucional (VARELA ÁLVAREZ, 2010, p. 108-109).

A qualidade institucional avalia a legitimidade política de um governo não apenas por prestar os serviços necessários, mas também por sua capacidade de agir na legalidade, alheia a formas de corrupção:

Esta exigência de governos com qualidade institucional é prioritária naqueles Estados marcados por histórias negras de repressão, arbitrariedades e abusos de suas autoridades e funcionários. A NGP de formato angloamericano e europeu dá ênfase na dimensão gerencial mais que na institucional, no entanto, supõe que a legalidade do comportamento de seus funcionários está razoavelmente assegurada. A contribuição Latinoamericana tem sido vincular ao rosto gerencial da NGP as exigências institucionais de consolidação da democracia e, em conseqüência, com a (re)construção do estado de direito (AGUILAR

apud VARELA ÁLVAREZ, 2010, p. 109)17.

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Transcrição do trecho original: Esta exigência de gobiernos com calidad institucional se vuelve prioritária

em aquellos Estados marcados por historias negras de represiones, arbitrariedades y corruptelas de SUS autoridades y funcionários. La NGP de formato angloamericano y europeo pone el acento em la dimensión gerencial más que em la institucional, em tanto supone que la legalidad del comportamiento de SUS funcionários está razonablemente asegurada. La contribuición latinoamericana há sido vincular el rostro gerencial de la NGP com las exigências institucionales de consolidación de la democracia y, em

As variadas técnicas de gestão pública pensadas historicamente desenvolvem-se, agora, com a exigência de institucionalizar a participação nas organizações públicas, com padrão de qualidade institucional obtido a partir da contribuição Latinoamericana. A institucionalização da participação, ao se conceber a qualidade institucional, não se desvincula da necessária articulação das organizações, também possibilitando a ação política do ser humano na construção de seu espaço local e global.