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Evolução do conceito de Administração Pública para Gestão Pública

1.2 A BUSCA DA COMPETITIVIDADE NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

1.2.2 Evolução do conceito de Administração Pública para Gestão Pública

A Teoria Geral da Administração conceitua administração como um sistema com processo direcionado estrategicamente à obtenção de lucro no cotidiano empresarial:

Administração é um sistema estruturado e intuitivo que consolida um conjunto de princípios, normas e funções para alavancar, harmoniosamente, o processo de planejamento de situações futuras desejadas e seu posterior controle de eficiência e produtividade, bem

como a organização e a direção dos recursos empresariais para os resultados esperados, com a minimização de conflitos interpessoais (OLIVEIRA, 2013, p. 4).

Considerando o pensamento estratégico, que direciona a ação adequada aos objetivos da organização, interligando aspectos internos, controláveis, com os aspectos externos, incontroláveis, a situação estratégica da organização interage com as oportunidades e as ameaças ambientais ou externas perante os pontos fortes e fracos internos da organização (OLIVEIRA, 2013, p. 6).

Pelo planejamento estratégico da Administração Pública há estruturação sistêmica e intuitiva de um conjunto de princípios, normas e funções para alavancar, harmoniosamente, o processo de planejamento da situação futura desejada e seu posterior controle perante os fatores ambientais, bem como a organização e a direção dos recursos de forma otimizada com a realidade ambiental, com a maximização das relações interpessoais, considerando a variável participação durante o ciclo de planejamento e avaliação.

A administração segundo esse modelo requer planejamento através de um processo participativo que se distancia da administração tradicional (OLIVEIRA, 2013, p. 7) e que pode ser adaptada à Administração Pública, implicando em atitude interativa por parte do administrador:

Saber atuar frente as turbulências ambientais, ter atitude empreendedora e saber trabalhar com riscos e erros, estar voltado para o processo de inovação, ter racionalidade com intuição, ter diálogo otimizado e fazer parte do mundo, ter valores culturais consolidados, ter interesse pelo negócio e lealdade às pessoas, ter adequado processo de autocontrole estratégico, tático e operacional em tempo real, ser líder e ético, ser agente de mudanças, saber assumir responsabilidades, estruturar um plano de sucessão, ter conhecimento de administração e economia com enfoque para resultados, ser generalista com algumas especializações, estar voltado para as necessidades de mercado, bem como trabalhar com estrutura organizacional enxuta e voltada para resultados (OLIVEIRA, 2013, p. 262).

O resultado da Administração Pública deve atingir a finalidade de uma sociedade política maior, o Estado, pela participação do ser humano na construção do bem comum. O planejamento estratégico pensado durante a evolução da Teoria Geral da Administração é um processo contínuo de tomada de decisão pela retroalimentação organizada e sistemática, medindo o resultado dessas decisões em confronto com as expectativas (DRUCKER, 2010, p. 136), o que deve ocorrer na Administração Pública pela contínua

participação do ser humano na tomada de decisão e avaliação dos resultados através das especificações anteriormente deliberadas.

A evolução do conceito de administração toma o conceito de qualidade empresarial, na finalidade lucro, distanciando-se da finalidade da sociedade política que é atingir o bem comum, através das decisões tomadas no âmbito da Administração Pública, que, quando carregadas de intencionalidade política, melhoram o desempenho da organização. A crítica às entidades públicas de prestação de serviços é de que estas organizações são o setor que mais cresce na sociedade moderna, mas não se observa crescimento no seu desempenho (DRUCKER, 2010, p. 147).

Diante dessa situação e dada a importância da Administração Pública para o desenvolvimento e bem estar social, como promover seu bom e crescente desempenho? A diferença da organização privada para a organização pública é a sua missão específica, a favor da qual seu desempenho deve se orientar, compreendendo-se que a finalidade do Estado é o bem comum, formulado por valores cooperativos.

O mau desempenho das organizações públicas geralmente é comumente justificado pelo fato de seus dirigentes não agirem como empresários, por seu pessoal precisar de capacitação e, ainda, por ter objetivos intangíveis (DRUCKER, 2010, p. 157). Trata-se, porém, de mero pretexto, pois o bom desempenho requer especificação da finalidade e da missão da organização pública, informando adequadamente o ser humano que nela atua e que dela usufrui, possibilitando a participação e assim captando as necessidades do entorno, na busca da realização dos objetivos da organização, com alvos claramente limitados.

A limitação dos alvos deve ocorrer pela participação do ser humano que atua na Administração Pública e do ser humano que dela usufrui. Nessa relação, o que falta não é eficiência, buscada pelo comportamento empresarial, mas eficácia. É eficaz a Administração Pública que busca alvos enunciados, possibilitando fixar prioridades e prazos fatais, distribuir os recursos com vistas a atingi-los, bem como responsabilizar alguém pelos respectivos resultados, o que numa escola, exemplo de sociedade política em miniatura, é importante não só para as crianças, mas para seus pais, seus professores, para os contribuintes e para a comunidade em geral (DRUCKER, 2010, p. 160).

Dizer que os seres humanos que atuam na Administração Pública deveriam agir como se estivessem em organizações privadas para melhorar o desempenho das organizações públicas é um erro justamente pelos alvos diferenciados dessas instituições:

Não há qualquer motivo para achar que as pessoas que ocupam os postos de direção e os cargos profissionais das nossas entidades prestadoras de serviços sejam menos qualificadas, menos competentes, menos honestas, ou até menos dedicadas do que as que se encontram na direção das empresas. Por outro lado, não há também motivo algum para supor que no comando das entidades prestadoras de serviços os dirigentes das empresas fariam melhor do que os “burocratas”. Na verdade, sabe-se que quando se transferem eles próprios viram burocratas de imediato (DRUCKER, 2010, p. 158-159).

A diferença de alvo das organizações, sendo o lucro para a organização privada, e o bem comum para a pública, impede que o desempenho de ambas seja norteado pelo viés empresarial. O bom desempenho da organização pública poderia, obviamente, melhorar se suas verbas fossem direcionadas conforme as especificidades do resultado esperado de cada cotidiano:

O fato de a remuneração ser feita através de verbas orçadas e não através dos resultados produzidos muda o sentido do bom desempenho. Na entidade baseada em verbas orçadas, os resultados são medidos pelas dimensões dessas verbas. Seu desempenho é retratado pela capacidade de conservar ou ampliar suas verbas. Como normalmente entendidos, isto é, como contribuições ao mercado ou à realização para o alcance de determinada meta e determinados objetivos, os resultados são secundários. O primeiro teste para a entidade que dependa de verbas orçadas, assim como a primeira exigência para sua sobrevivência, é conseguir as verbas. E por definição, as verbas não estão muito mais vinculadas à contribuição a prestar do que às boas intenções de seus dirigentes (DRUCKER, 2010, p. 162).

A boa intenção do dirigente e sua habilidade em conservar ou ampliar verbas deve ser substituída por mecanismos de participação que vinculem orçamento, conforme as prioridades deliberadas pelas pessoas que atuam na organização pública e no entorno que dela usufrui. Quando os resultados são alcançados com uma verba menor do que a orçada, a eficiência é desestimulada, pois ocorre a redução do orçamento para o ano fiscal seguinte (DRUCKER, 2010, p. 162).

A possibilidade de obter bom desempenho foi demonstrada por universidades norte-americanas, durante sua formação no século dezenove. Para tanto tomaram, a partir de sua missão, as especificações de qualidade, dela extraindo objetivos e metas claros,

fixando prioridades e padrões de realização e desempenho, tendo alguém responsável pelos resultados e estimulando o controle pelos usuários (DRUCKER, 2010, p. 180).

Além desses fatores, institucionalizar a participação e a articulação de uma organização com outras, de forma transparente, com circulação de informação e possibilidade de deliberações que vinculem orçamento a partir da missão da organização pública, deve ser um critério de avaliação da qualidade. Esse seria um mecanismo importante para verificar qual desempenho é menos satisfatório e que atividades estão obsoletas ou improdutivas, caminhando para a transformação da organização pela observação e participação do ser humano.

Para que organizações públicas funcionem bem, é preciso mais do que um líder, é preciso um sistema (DRUCKER, 2010, p. 182) com institucionalização da articulação que possibilite a atuação política do ser humano, cujas decisões vinculem orçamento para suas prioridades, com foco na finalidade da sociedade política maior que é o Estado, com eficiência no controle de despesas e com eficácia no cumprimento dos resultados.

No contexto da administração pública brasileira de 1995, a globalização acirrando a competitividade entre países e a garantia de direitos sociais exigiram maior eficiência, passando-se de um padrão burocrático para gerencial, aumentando a despesa pública no país de 11% da renda nacional para 23%, por um Estado social brasileiro (BRESSER- PEREIRA, 2011, p. 2; 3).

A administração pública gerencial fortalecia a proposta de participação na gestão, exigindo administradores com perfil de liderança que horizontalizasse as relações de poder nas organizações públicas, num paradigma de cultura democrática aliada à capacidade técnica para os resultados desejados pela população (KEINERT, 1994, p. 46).

A análise das Administrações Públicas e suas estruturas de funcionamento com enfoque nos aspectos políticos e técnicos é o que se denomina estudo das políticas públicas, abrangendo a Ciência da Administração ou Administração Pública e a Ciência das Políticas Públicas.

Nesse campo de estudos desenvolveu-se o conceito de Administração Pública, que evoluiu a partir de 1950 para o de Gestão Pública como gestão do conhecimento a partir da compreensão de que gerir é conduzir os assuntos exercendo autoridade, porém,

utilizando o saber “não somente para melhorar o trabalho, mas para aplicá-lo ao próprio saber”8 (BRUGUE; SUBIRATS, 1996, p. 12).

Muito além da aplicação de técnicas de administração que buscam lucro, a gestão utiliza o conhecimento pela participação para aprimorar a própria gestão, buscando o bem comum. Nessa perspectiva, a Gestão Pública deve ter como fundamento a ação política do ser humano de participar, utilizando sua condição de observador crítico com capacidade de transformar seu espaço, utilizando conhecimento para transformar o conhecimento até então construído. Assim, o ato de conduzir os assuntos exercendo autoridade passa de mera organização do trabalho para utilização do conhecimento na criação de inovação para o aprimoramento dessa organização. Volta-se, então, à lógica de que o ser humano é um ser político e que, como observador cognitivo da organização pública, é capaz de deliberar por sua melhoria, com a finalidade do bem comum:

Não mais utiliza o saber tecnológico unicamente para melhorar a organização do trabalho (como acontecia na administração tradicional), mas também o utiliza para averiguar como pode aplicá-lo à produção e para definir quais novos saberes poderiam melhorá-la. A gestão, portanto, não se refere à hierarquia organizacional de uma administração clássica, e sim à capacidade de promover a inovação sistemática do saber e, ao mesmo tempo, de tirar o máximo rendimento na sua aplicação à produção. Gerir, em definitivo, não significa nem exercer autoridade nem organizar. Gerir significa utilizar o conhecimento como mecanismo para facilitar uma melhora contínua, nos termos de METCALFE Y RICHARDS (1987), ‘assumir a responsabilidade sobre a ação de um sistema’ (BRUGUE; SUBIRATS, 1996, p. 12)9.

Segundo essa concepção, a inovação sistemática do saber pela participação do ser humano em sua atuação política tira o gestor do exercício da autoridade sobre uma hierarquia a controlar e aproxima o gestor de um espaço de articulação. Percebe-se, assim, que o pensamento complexo e a necessidade de horizontalizar os processos dentro da organização pela participação são evidenciados na evolução do conceito de Gestão Pública.

8

Transcrição do trecho original: Ya no se trata de utilizar el saber solo para mejorar el trabalho, sino de

usar el saber para aplicarlo sobre el próprio saber..

9

Transcrição do trecho original: ES decir, la gestión no utiliza el saber tecnológico únicamente para mejorar

la organización Del trabajo (como sucedia em la administración tradicional), sino que tambiém lo utiliza para averiguar cómo puede aplicarlo a la produción y para definir qué nuevos saberes podrían mejorarla. La gestión, por lo tanto, no se refiere a la jerarquia organizativa de uma administración clásica, sino a la capacidad de promover la innovación a la producción. Gestionar, em definitiva, no significa ni ejercer autoridad ni organizar. Gestionar significa utilizar el conocimiento como mecanismo para facilitar uma mejora continua o, em términos de METCALFE y RICHARDS (1987), “assumir la responsabilidad sobre la acción de um sistema”.

Para além dos aspectos apresentados relativos à hierarquia interna da organização e à relação com o saber para otimização do desempenho, definir gestão pública requer a compreensão de que gerenciar implica atividades de caráter intraorganizativo e extraorganizativo, estas voltadas à relação com outras organizações participando em redes organizativas mais amplas (VARELA ÁLVAREZ, 2003, p. 207).

Portanto, tem-se que administrar significa liderar estrutura organizacional hierarquizada verticalmente, enquanto que gerir significa influir sobre um sistema complexo com relações de poder horizontalizadas pela participação articulada em uma rede composta por atores e organizações múltiplos. O papel do gestor é, portanto, radicalmente diferente do de um administrador:

(a idéia que surge) não é a de um manager que se sinta tranquilamente controlando, mas a de dependência de muitas pessoas, além dos subordinados, com os que deve criar relações recíprocas; que precisa aprender como negociar, discutir e fechar acordos; e a idéia de um

manager que à medida que ascende na hierarquia vive num mundo

político onde deve aprender como influenciar outras pessoas diferentes dos subordinados, como manobrar e como conseguir apoio para o que queira fazer (STEWART, 1983, p. 96-97).

A mediação dos interesses particulares pela atuação política do ser humano, finalidade da sociedade política de atingir o bem comum ao proporcionar condições para a realização desses interesses e pela orientação de valores sociais complexos, é resgatada no conceito de gestão pública:

A gestão pública, diferentemente da privada, deve permitir a expressão de uns valores que não são só instrumentais, mas também políticos. Vale dizer, não se deve limitar a buscar a melhor maneira de fazer as coisas, mas se deve agir para reconciliar uma grande diversidade de interesses sociais antagônicos. [...] A função básica da gestão pública consiste em mediar os cidadãos que são, por sua vez, muitos e membros de uma única comunidade. Por isso, a gestão pública não se limita aos meios. Deve incorporar também os objetivos, sua definição e sua articulação operativa. Não se trata de que a gestão pública deva-se ocupar unicamente dos fins, nem mesmo exclusivamente dos meios. A gestão pública deve ser instrumental e ao mesmo tempo orientar-se a partir de uns valores sociais: aqui está sua extrema complexidade (BRUGUE; SUBIRATS, 1996, p. 15)10.

10

Transcrição do trecho original: La gestión pública, a diferencia de la privada, há de permitir la expresión

de unos valores que no son solo instrumentales, sino también políticos. ES decir, no se há de limitar a buscar la mejor manera de hacer las cosas, sino que ha de actuar para reconciliar uma gran diversidad de intereses sociales antagônicos. [...] La función básica de la gestión pública consiste em mediar entre ciudadanos que son, a la vez, muchos y miembros de uma única comunidad. Así pues, la gestión pública no se limita a los

Como apontam as reflexões apresentadas, a complexidade dos interesses particulares envolvidos em mediação para atingir o bem comum deve ser respeitada pelos mecanismos de participação, possibilitando a atuação do ser humano político. Para efetivá- la, é importante compreender como os sistemas político-administrativos têm respeitado essa condição política do ser humano, o que permite conhecer novas possibilidades de gestão e possibilitar a transformação da organização num espaço mais competitivo, sem esquecer da necessidade de participação popular.