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8. RESULTADOS E DISCUSSÃO

8.4. Avaliação da susceptibilidade da ATCC 49141 e suas sub-

A maioria das bactérias apresenta resistência intrínsica a alguns antibióticos ou combinações de antibióticos, definida como resistência antimicrobiana inata ou inerente observada entre todos ou quase todos os representantes de uma espécie (Sengupta et al., 2013). Essas características importantes contribuem para a precisa identificação de micro-organismos e também permitem observar a evolução epidemiológica de resistência de cada espécie e ainda a sua utilização como parâmetro para a validação e verificação de acurácia de metodologias laboratoriais (CLSI, 2011).

Dessa forma, em relação a E. cloacae é relatado a presença de resistência intrínsica para antibióticos de primeira geração como ampicilina, ampicilina/sulbactam, amoxicilina/clavulanato, oxacilina, cefoxitina, cefalosporinas (ex: cefazolina e cefalotina) e de segunda geração (ex: cefuroxima), rifampicina, lincosamidas, glicopeptídeos, estreptograminas e ácido fusídico (Stock et al., 2001). Cabe ressaltar que, recentemente também foram descritas resistência à cefalosporinas de 3º geração e carbapenems em isolados de E. cloacae (Heller et al., 2012; Yang et al., 2012). A resistência a estes antibióticos pode ser mediada pela presença de enzimas como a AmpC B-lactamase (Hornsey, M.; et al., 2010). Também têm sido descrito a resistência à quinolonas por alteração do sítio ativo da enzima DNA girase e topoisomerase IV que diminuem a permeabilidade da membrana e também exclusão do antibiótico via bomba de efluxo (Chmelnitsky et al., 2008). Além disso, têm sido descrito que E. cloacae possui habilidade para desenvolver resistência ao aztreonam, um monobactâmico (Panopoulou et al., 2010)e as sulfonamidas como sulfadiazina, sulfadimidina, sulfametopirazina e sulfametoxazol (Nigro e Hall, 2011).

No intuito de se averiguar, de forma mais abrangente, os padrões de susceptibilidade antimicrobiana dos isolados de E. cloacae, incluindo o isolado ATCC 49141 e suas sub-culturas resistentes e susceptíveis à colistina, bem como dois isolado clínicos, o 1383 e 1437, foram empregados quatro

métodos, sendo dois automatizados, VITEK® 2 e MicroScan® WalkAway® e os outros dois de uso habitual e manual utilizando microdiluição e discos de difusão.

Ao analisar os resultados obtidos nos testes de microdiluição foi possível observar que, o isolado de E. cloacae ATCC 49141 bem como as suas sub-culturas resistentes e susceptíveis à colistina também apresentaram resistência à vancomicina (glicopeptídeo), eritromicina (macrolídeo) e ampicilina (β-lactâmico) mostrando CIMs superiores a 512 µ g.mL- 1.

Entretanto, quando avaliadas quanto a sua resistência ao cloranfenicol estes isolado apresentaram valores de CIMs inferiores a 16 µ g.mL- 1 e 4 µ g.mL-

1 para estreptomicina e tobramicina. Os resultados obtidos no teste de

microdiluição para ampicilina, eritromicina e tobramicina foram corroborados com o teste de disco de difusão e/ou Microscan. Além disso, averiguou-se que o isolado de E. cloacae R3, resistente à colistina, apresenta também resistência a outro peptídeo antimicrobiano, o HHC-10 mostrando CIM superior a 512 µ g.mL- 1. Isto, por sua vez, pode ter ocorrido por uma resistência cruzada. Tendo em vista que, na literatura não há evidências do mecanismo de ação deste peptídeo, a resistência ao HHC-10 no isolado de E. cloacae R3 que apresent a resist ênci a à colistina, corrobora com a hi pót ese de que ambos os peptídeos, colistina e HHC-10, atuam do mesmo modo causando uma ruptura da membrana da bactéria em virtude da interação entre o polipeptídeo catiônico e a carga negativa do lipopolissacarídeo (LPS) (Fernandez-Reyes et al., 2009; Sun et al., 2009).

Ressalva-se ainda que, o isolado de E. cloacae R 3 apresentou susceptibilidade ao PR-39, um peptídeo antimicrobiano da classe das catelicidinas, rico em prolina e arginina, cuja sequência consiste de RRRPRPPYLPRPRPPPFFPPRLPPRIPPGFPPRFPPRFP. Este peptídeo atua inibindo a síntese protéica bem como, a síntese de DNA (Kaneider et al., 2007) diferentemente da colistina.

Referente aos isolados clínicos, verificou-se que o isolado 1383 que é naturalmente resistente à colistina, mostrou-se susceptível a cloranfenicol,

estreptomicina e tobramicina apresentando o CIM semelhante ao observado no isolado ATCC 49141 e suas sub-culturas. Em contrapartida o isolado 1437 (KPC) apresentou CIM de 512 µ g.mL- 1 para cloranfenicol, CIM de 64 µ g.mL- 1 para estreptomicina e tobramicina evidenciando uma resistência aos inibidores de síntese proteica.

Em relação à atividade dos antibióticos que interferem na síntese proteica, verificou-se que o isolado de E. cloacae ATCC 49141 apresentou resistência a um único tipo de inibidor de síntese proteica, a eritromicina, sendo susceptível para os demais antibióticos que apresentam mecanismo de ação similar, como cloranfenicol, estreptomicina e tobramicina. Este resultado pode estar relacionado com o mecanismo de ação desses antibióticos, onde o cloranfenicol e a eritromicina atuam na subunidade 50S do ribossomo, enquanto a estreptomicina e tobramicina atuam na subunidade 30S (Koskiniemi et al., 2011). Embora, o cloranfenicol e a eritromicina se liguem à subunidade 50S, os mesmos apresentam diferenças quanto ao local de atuação. O cloranfenicol inibe a formação de ligação peptídica por impedir a translação que ocorre através da ligação da extremidade 3’aminoacil-tRNA com o centro peptidiultranferase (PTase) (Xaplanteri et al., 2003). No caso da eritromicina sua ação impede o processo de transpeptidação e translocação, visto que, este antibiótico dificulta a progressão do polipeptídeo ao longo do túnel ribossomal, causando assim, uma dissociação peptidil-tRNA, que culmina com a liberação prematura do peptídeo e, por conseguinte a ineficiência da síntese de proteínas vitais à célula causando assim, a morte celular (Vazquez-Laslop et al., 2008). Na literatura, diversos estudos demonstrando a resistência à eritromicina, ampicilina e cloranfenicol em de E. cl oacae tem sido rel at ados (N yenj e et al., 2012; Perez et al., 2012). Segundo Vazquez-Laslop e cols (2008), a resistência à eritromicina pode ocorrer pela metilação do rRNA ou por sistemas de efluxo. A metilação do rRNA ocorre em virtude da expressão do gene erm que codifica uma metilase ribossomal, capaz de metilar a adenina na posição 2058 do domínio V, já o sistema de efluxo é codificado pelo gene mef(A) que contêm 12 domínios transmembranicos. Para que esta bomba de efluxo consiga translocar a

eritromicina para fora da célula é necessário uma demanda maior de energia, obtida pela presença de gliceraldeído 3-fosfato desidrogenase (GAPDH) presente, por exemplo, em isolados de S. pneumoniae resistentes à eritromicina (Cash et al., 1999).

De um modo geral, a resistência ao cloranfenicol ocorre por diferentes mecanismos que incluem entre eles a inativação enzimática principalmente por acetilação através da acetiltransferases codificadas pelo gene aac (6')-Ib- cr. Estas enzimas além de promoverem a resistência ao cloranfenicol, aumentam a tolerância das bactérias a outros antibióticos como as fluoroquinolonas, ampicilina, cefoxitina, e cefalosporinas de segunda e terceira geração (Xiong et al., 2010).

Outro modo de ação relatada, além da inativação enzimática por acetiltransferases, sugere-se a inativação por fosfotransferases, alteração do sítio alvo de atividade enzimática, diminuição da permeabilidade da membrana externa; ou ainda a presença de bombas de efluxo que são codificados pelos genes cmlA, floR, fexA, cfr, e fexB que muitas vezes atuam como transportadores de múltiplas drogas, reduzindo assim a concentração de droga intracelular (Fernandez et al., 2012).

No intuito de ampliar as análises de susceptibilidade antimicrobiana foram testados outros antibióticos através do teste de disco de difusão. Por meio desta metodologia foram analisados 18 antibióticos ou a combinações de antibióticos diferentes em relação aos isolados de E. cloacae ATCC 49141, NR1-3 e R1-3. Após avaliar o diâmetro em milímetros (mm) dos halos de inibição foi realizada a interpretação dos resultados verificando a susceptibilidade/resistência descrita no CLSI M100-S21. Os resultados mostraram que existe um padrão de susceptibilidade ou resistência semelhante entre todos os isolados analisadas para 13 destes antibióticos testados (Tabela 5).

Tabela 5. Comparação dos halos de inibição de diferentes antibióticos obtidos através do teste de disco difusão para as isolados de E. cloacae ATCC 49141 e suas sub- culturas susceptíveis à colistina (NR1-NR3) e resistentes à colistina (R1-R3) cultivadas em meio Muller-Hinton.

*Resultados mostrados conforme diâmetro dos halos de inibição obtidos por teste de disco difusão e interpretação de acordo com os critérios do CLSI M100-S21. IPM, imipenem; GEN, gentamicina; CPM, cefepima; AMI, amicacina; CAZ, ceftazidima; CTX, cefotaxima; ATM, aztreonam; PIT, piperacilina/tazobactam; CIP, ciprofloxacino; APS, ampicilina/sulbactam; TET, tetraciclina; AMP, ampicilina; CFL, cefalotina; CLO, cloranfenicol; MPM, meropenem; AMC, amoxicilina/clavulanato; ERI, eritromicina; OXA, oxacilina; ATCC, E. cloacae ATCC 49141; NR1, NR2 e NR3, E. cloacae susceptíveis à colistina; R1, R2 e R3, E. cloacae resistentes à colistina; S, sensível; I, intermediário; R, resistente. Os valores dos diâmetros estão expressos em milímetros.

Isolado s

Antibióticos

IPM GEN CPM AMI CAZ CTX ATM PIT CIP APS TET AMP CFL CLO MPM AM

C ERI OXA ATCC 35 (S) 24 (S) 18 (S) 14 (R) 11 (R) 19 (R) 21 (S) 14 (R) 20 (I) 0 (R) 15 (S) 12 (R) 0 (R) 23 (S) 19 (R) 0 (R) 0 (R) 0 (R) R1 35 (S) 20 (S) 18 (S) 18 (S) 0 (R) 17 (R) 19 (I) 19 (I) 25 (S) 0 (R) 19 (S) 0 (R) 0 (R) 27 (S) 26 (S) 0 (R) 0 (R) 0 (R) R2 35 (S) 24 (S) 21 (S) 19 (S) 9 (R) 8 (R) 17 (R) 27 (S) 31 (S) 0 (R) 24 (S) 10 (R) 0 (R) 30 (S) 22 (I) 0 (R) 0 (R) 0 (R) R3 35 (S) 23 (S) 20 (S) 19 (S) 9 (R) 12 (R) 20 (I) 22 (S) 26 (S) 0 (R) 21 (S) 0 (R) 0 (R) 27 (S) 22 (I) 0 (R) 0 (R) 0 (R) NR1 34 (S) 28 (S) 19 (S) 15 (I) 12 (R) 22 (R) 21 (S) 20 (I) 18 (I) 0 (R) 21 (S) 9 (R) 0 (R) 24 (S) 22 (I) 0 (R) 0 (R) 0 (R) NR2 34 (S) 24 (S) 18 (S) 19 (S) 12 (R) 19 (R) 21 (S) 20 (I) 19 (I) 0 (R) 19 (S) 0 (R) 0 (R) 23 (S) 22 (I) 0 (R) 0 (R) 0 (R) NR3 34 (S) 24 (S) 19 (S) 14 (R) 11 (R) 0 (R) 23 (S) 19 (I) 17 (I) 0 (R) 21 (S) 10 (R) 0 (R) 21 (S) 18 (R) 0 (R) 0 (R) 0 (R)

Observou-se um padrão de susceptibilidade para os antibióticos imipinem (carbapenêmico), gentamicina (aminoglicosídeo), cefepime (cefalosporina de quarta geração), tetraciclina (tetraciclina) e cloranfenicol (fenicol). Para os demais antibióticos testados resistências em diferentes níveis foram observadas.

Cabe ressaltar que, as análises de amicacina, aztreonam, piperaciclina/tazobactam e ciprofloxacino foram divergentes entre os isolados, possivelmente ocasionadas por deficiências da própria técnica ao medir o tamanho do halo de inibição, sendo necessário a realização de outros testes, visto que, esta técnica apresenta algumas limitações que podem culminar na interpretação errônea da susceptibilidade. Dessa forma, para confirmar estes resultados foram realizados os testes de susceptibilidade antimicrobiana utilizando os equipamentos automatizados Vitek e MicroScan.

Uma das vantagens das metodologias automatizadas consiste na capacidade de análise. Esta tecnologia permite a análise de 28 antibióticos diferentes pertencentes a 10 classes distintas, sendo 23 antibióticos com abrangência no MicroScan e 17 antibióticos no Vitek. Utilizando a automação foi possível comparar a análise realizada entre os dois equipamentos para os doze antibióticos testados em comum. Na tabela 6 são apresentadas os CIMs dos antibióticos, calculadas conforme o software de cada equipamento.

Tabela 6: Comparação entre as concentrações inibitórias mínimas (CIMs) para E. cloacae determinadas pelos sistemas VITEK 2 e MicroScan. NR1 NR2 NR3 R1 R2 R3 Antimicrobiano V2 MS V2 MS V2 MS V2 MS V2 MS V2 MS Amicacina ≤ 2 ≤ 8 ≤ 2 16 ≤ 2 ≤ 8 4 ≤ 8 ≤ 2 ≤ 8 ≤ 2 ≤ 8 Amoxilina/Clavulanato NT > 16/8 NT > 16/8 NT > 16/8 NT > 16/8 NT > 16/8 NT >16/8 Ampicilina ≥ 32 > 16 ≥ 32 > 16 ≥ 32 > 16 ≥ 32 > 16 ≥ 32 > 16 ≥ 32 > 16 Ampicilina/Sulbactam ≥ 32/16 NT ≥ 32/16 NT ≥32/16 NT ≥ 32/16 NT ≥32/16 NT ≥32/16 NT Aztreonam 16 ≤ 8 16 ≤ 8 16 ≤ 8 16 16 16 16 16 ≤ 8 Cefalotina ≥ 64 NT ≥ 64 NT ≥ 64 NT ≥ 64 NT ≥ 64 NT ≥ 64 NT Cefazolina NT > 16 NT > 16 NT > 16 NT > 16 NT > 16 NT > 16 Cefepima ≤ 1 ≤ 8 ≤ 1 ≤ 8 ≤ 1 ≤ 8 ≤ 1 ≤ 8 ≤ 1 ≤ 8 ≤ 1 ≤ 8 Cefotaxima 8 8 8 8 8 8 8 > 32 8 16 8 > 32 Cefoxitina ≥ 64 > 16 ≥ 64 > 16 ≥ 64 > 16 ≥ 64 > 16 ≥ 64 > 16 ≥ 64 > 16 Ceftazidima 16 16 16 16 16 16 16 16 16 16 16 16 Ceftriaxona NT ≤ 8 NT 16 NT ≤ 8 NT > 32 NT 16 NT > 32 Cefuroxima NT > 16 NT > 16 NT > 16 NT > 16 NT > 16 NT > 16 Ciprofloxacino ≤ 0.2 ≤ 1 ≤ 0.2 ≤ 1 ≤ 0.2 ≤ 1 ≤ 0.2 ≤ 1 ≤ 0.2 ≤ 1 ≤ 0.2 ≤ 1 Colistina ≤ 0.5 NT ≤ 0.5 NT ≤ 0.5 NT ≥ 16 NT ≥ 16 NT ≥ 16 NT Ertapenem ≤ 0.5 ≤ 2 ≤ 0.5 ≤ 2 ≤ 0.5 ≤ 2 ≤ 0.5 ≤ 2 ≤ 0.5 ≤ 2 ≤ 0.5 ≤ 2 Gentamicina ≤ 1 ≤ 4 ≤ 1 ≤ 4 ≤ 1 ≤ 4 ≤ 1 ≤ 4 ≤ 1 ≤ 4 ≤ 1 ≤ 4 Imipenem ≤ 1 ≤ 1 ≤ 1 ≤ 1 ≤ 1 ≤ 1 ≤ 1 ≤ 1 ≤ 1 ≤ 1 ≤ 1 ≤ 1 Levofloxacino NT ≤ 2 NT ≤ 2 NT ≤ 2 NT ≤ 2 NT ≤ 2 NT ≤ 2

Meropenem ≤ 0.2 ≤ 1 ≤ 0.2 ≤ 1 ≤ 0.2 ≤ 1 ≤ 0.2 ≤ 1 ≤ 0.2 ≤ 1 ≤ 0.2 ≤ 1 Piperacilina NT ≤ 16 NT ≤ 16 NT ≤ 16 NT ≤ 16 NT ≤ 16 NT ≤ 16 Piperacilina/Tazobactam 8 ≤ 16 8 ≤ 16 8 ≤ 16 8 ≤ 16 8 ≤ 16 8 ≤ 16 Tetraciclina NT ≤ 4 NT ≤ 4 NT ≤ 4 NT ≤ 4 NT ≤ 4 NT ≤ 4 Ticarcilina/Clavulanato NT 64 NT 64 NT 64 NT 64 NT 64 NT 64 Tigeciclina 2 NT 2 NT 2 NT 2 NT ≤ 0.5 NT 1 NT Tobramicina NT ≤ 4 NT ≤ 4 NT ≤ 4 NT ≤ 4 NT ≤ 4 NT ≤ 4 Trimetoprima/Sulfametoxaz NT ≤ 2/38 NT ≤ 2/38 NT ≤ 2/38 NT ≤ 2/38 NT ≤ 2/38 NT ≤ 2/38

CIMs – concentrações inibitórias mínimas; V2 – VITEK® 2 (bioMérieux); MS - MicroScan® WalkAway® (Siemens); NT – não testado; NR1, NR2 e NR3, E. cloacae susceptíveis à colistina; R1, R2 e R3, E. cloacae resistentes à colistina. Valores numéricos estão expressos em µg.mL-1.

Com intuito de permitir a comparação entre as metodologias utilizadas para análise de susceptibilidade e resistência do amplo espectro de antibióticos testados, a interpretação dos resultados foi padronizada de acordo com as recomendações do CLSI, 2011. Dessa forma foi possível observar os resultados obtidos entre as diferentes metodologias, o que indica que realmente para E. cloacae, existe a necessidade de confirmação utilizando pelo menos duas metodologias no caso de dúvida ou na clínica para surprir as limitações e desvantagens descritas para cada teste e garantir a confiabilidade e reprodutibilidade dos resultados.

Sabe-se que a maioria das bactérias apresenta resistência intrínsica a alguns antibióticos ou combinações de antibióticos, definida como resistência antimicrobiana inata ou inerente observada entre todos ou quase todos os representantes de uma espécie. Essas características importantes contribuem para a precisa identificação de micro-organismos e permitem também observar a evolução epidemiológica de resistência de cada espécie e ainda a sua utilização como parâmetro para a validação e verificação de acurácia de metodologias laboratoriais que realizam os ASTs (do inglês, teste de susceptibilidade antimicrobiana) (CLSI, 2011). Dessa forma, em relação a E. cloacae tem-se descrito na lit erat ura a resist ênci a i nt rínsi ca para ampi cilina, ampicilina/sulbactam, amoxicilina/clavulanato, cefoxitina, cefalosporinas de primeira geração (ex: cefazolina e cefalotina) e de segunda geração (ex: cefuroxima). Conforme observado na Tabela 7, todos os testes de susceptibilidade antimicrobiana que foram realizados confirmam que as isolados utilizadas no trabalho apresentam, como esperado, resistência intrínsica aos antibióticos descritos acima. Em relação às isolados clínicas testadas, 1383 e 1437, a resistência observada em relação a outros antibióticos pôde-se correlacionar às resistências que foram provavelmente adquiridas ao longo do tempo e que caracterizam fenotipicamente cada uma dessas isolados.

Tabela 7. Interpretação dos testes de susceptibilidade antimicrobiana das isolados de Enterobacter cloacae por métodos automatizados, disco difusão e teste de microdiluição. Resultados obtidos conforme os critérios de interpretação estabelecidos no CLSI M100-S21.(V), VITEK® 2 (bioMérieux); (M), MicroScan® WalkAway® (Siemens); (D), disco difusão ; (T), teste de microdiluição; (NT), não testado; ATCC, E. cloacae ATCC 49141; (NR1, NR2 e NR3) E. cloacae susceptíveis à colistina; (R1, R2 e R3), E. cloacae resistentes à colistina; (S), sensível; (I), intermediário; (R), resistente.

ATCC e sub-culturas Cepas clínicas

ATCC 49141 NR1 NR2 NR3 R1 R2 R3 Colistin a resistent e KPC Antibiótico V M D T V M D T V M D T V M D T V M D T V M D T V M D T M T M T Amicacina S S R - S S I - S S S - S S R - S S S - S S S - S S S - R - S - Amoxilina/Clavulanato - R R - - R R - - R R - - R R - - R R - - R R - - R R - R - R - Ampicilina R R R R R R R R R R R R R R R R R R R R R R R R R R R R R - R - Ampicilina/Sulbactam R - R - R - R - R - R - R - R - R - R - R - R - R - R - R - - - Aztreonam R I S - R I S - R I S - R I S - R I I - R I R - R I I - R - R - Cefalotina R - R - R - R - R - R - R - R - R - R - R - R - R - R - - - - - Cefazolina - R - - - R - - - R - - - R - - - R - - - R - - - R - - - - R - Cefepima S S S - S S S - S S S - S S S - S S S - S S S - S S S - R - R - Cefotaxima R R R - R R R - R R R - R R R - R R R - R R R - R R R - R - R - Cefoxitina R R - - R R - - R R - - R R - - R R - - R R - - R R - - - - R - Ceftazidima R R R - R R R - R R R - R R R - R R R - R R R - R R R - S - R - Ceftriaxona - R - - - R - - - R - - - R - - - R - - - R - - - R - - R - R - Cefuroxima - R - - - R - - - R - - - R - - - R - - - R - - - R - - R - R - Ciprofloxacino S S I - S S I - S S I - S S I - S S S - S S S - S S S - S - R - Cloranfenicol - - S I - - S I - - S I - - S I - - S I - - S I - - S I - S - R Colistina S - - - S - - - S - - - S - - - R - - - R - - - R - - - - - - - Eritromicina - - - R - - - R - - - R - - - R - - - R - - - R - - - R - - - - Ertapenem I R - - I R - - I R - - I R - - I R - - I R - - I R - - R - R - Estreptomicina - - - S - - - S - - - S - - - S - - - S - - - S - - - S R S R R Gentamicina S S S - S S S - S S S - S S S - S S S - S S S - S S S - S - R - Imipenem S S S - S S S - S S S - S S S - S S S - S S S - S S S - R - R -

Cabe ressaltar que, essas técnicas de detecção do fenótipo de susceptibilidade à antibióticos requerem no mínimo 2 dias (1 dia para a cultura e 1 dia para a identificação e teste de susceptiblidade) para a obtenção do resultado, promovendo o uso desnecessário de antibióticos de amplo espectro e, portanto, aumentando a pressão seletiva a antibióticos em ambiente hospitalar (Romero-Gomez et al., 2013).

Deste modo, com o intuito de averiguar a utilização da espectrometria de massa, como ferramenta para detecção da resistência aos antibióticos de classes distintas. Sendo assim, foram realizadas análises do meio de cultura após o cultivo das isolados com diferentes antibióticos incluindo, vancomicina (glicopeptídeo), colistina (polipeptídeo), cloranfenicol, penicilina G (β-lactâmico), estreptomicina e tobramicina (aminoglicosídeo).

Entretanto, não foi possível detectar por espectrometria de massa, qualquer alteração do meio de cultura após o cultivo das isolados em presença de vancomicina, colistina, estreptomicina, tobramicina e cloranfenicol. Cabe ainda ressaltar que, as análises com o cloranfenicol não foram bem sucedidas, pois os íons da matriz CHCA, empregados em nosso estudo, apresentam uma intensidade mais elevada do que a do cloranfenicol m/z 321 e, assim, os íons deste antibiótico não foram claramente visíveis no espectro, sendo necessária a análise com outra matriz.

Além disso, para a detecção da atividade da rRNA metiltransferase, que confere resistência para aminoglicosídeos (estreptomicina e tobramicina), cloranfenicol e clidamicina faz-se necessário uma preparação específica da amostra (Kirpekar et al., 2000). De acordo com os autores, para a detecção de resistência a estes antibióticos é necessária a extração e digestão do RNA com uma RNase específica a fim de obter produtos menores que subsequentemente serão analisados por MALDI-TOF MS para detectar a metilação do molécula (o que aumenta a massa de 14 Da). Segundo Hrabák e cols (2013), este método pode ser útil para a análise das metiltransferases, mas deve ser

simplificada para uso como uma técnica de diagnóstico de rotina ou em centros de referência.

Ao avaliarmos o meio de cultura após o cultivo das isolados com a penicilina G, verificou-se que o MALDI-TOF MS foi capaz de detectar o antibiótico intacto m/z 353 [M+H]+ bem como, o produto de sua degradação 368 [M hidrolisada+H]+ (Figura 16). O ensaio foi validado com as 6 isolados de E. cloacae e corroborado pelas análises para a determinação fenotípica de resistência á antibióticos realizada pelos quatros métodos tais como, VITEK, MicroScan, microdiluição e disco difusão. Além disso, para assegurar que o antibiótico não estivesse sofrendo uma degradação espontânea durante experimento, efetuou-se o mesmo procedimento adotado para as análises, ou seja, o meio LB suplementado com a penicilina foi mantido a 37ºC, por 2 h a 240rpm.

Figura 16: Espectro de massa do tipo MALDI-TOF. Detecção de resistência a penicilina G por meio da espectrometria de massa. (A) matriz CHCA; (B) meio LB + penicilina (256µg.mL-1); (C) Meio LB após o cultivo da isolado de E. cloacae ATCC 49141 com penicilina G (256µg.mL-1).

Deste modo, a espectrometria de massa poderá ser uma ferramenta para a detecção de resistência em isolados ESBL e KPC, em laboratórios de diagnósticos uma vez que, os resultados podem ser obtidos em menor tempo do que as técnicas rotineiramente implementadas. Ressalva-se ainda que, a rápida identificação de resistência pode ser crucial para a escolha da antibioticoterapia inicial, bem como para a prevenção da propagação de bactérias produtoras de β-lactamase em ambientes de cuidados de saúde (Hrabak et al., 2013)

8.5. ANÁLISE PROTEÔMICA COMPARATIVA DE E. cloacae SUSCEPTÍVEL E RESISTENTE A COLISTINA

Isolados de E. cloacae susceptíveis e resistentes à colistina foram cultivadas em biorreatores para a obtenção de proteínas em concentrações suficientes para o estudo de proteômica comparativa. Deste modo, o perfil de crescimento foi estabelecido em biorreator de 2L (Bioflo 110, New Brunswick Scientific Co.), onde foi possível averiguar que as isolados de E. cloacae não resistente (NR1) e resistente a colistina (R1) atingem a metade da fase exponencial com aproximadamente 1,5 hora, onde a D.O. atingiu 0,7-0,9 U.A., conforme Figura 17.

Figura 17: Curva de crescimento das isolados de E. cloacae NR1 e R1, cultivadas em biorreator de 2L (Bioflo 110, New Brunswick Scientific Co.), a 37 ºC, pH 6.8, aeração de 100 % e agitação de 300 rpm. Inóculo inicial de 5x105 CFU.mL-1. Isolado R1 cultivada em presença de colistina a uma concentração de 8 µg.mL-1

Após a padronização dos parâmetros de cultivo de E. cloacae no biorreator de 2L, conduziu-se os experimentos com as 3 isolados susceptíveis à colistina (NR1-3) e resistentes à colistina (R1-3) em bioreator de 10L, sendo coletado todo o volume da cultura, ao aintingir uma D.O correspondente a 0,7-0,9 U.A. Posteriormente, estas amostras foram processadas de acordo com o item 7.6.2. Preparo das amostras, para a obtenção dos diferentes sub-proteomas tais como, secretoma, citosol e membrana.

8.5.1. Secretoma

Sistemas de secreção de proteínas são críticos para os processos de agentes patogênicos, pois secretam proteínas, tais como toxinas, adesinas, enzimas hidrolíticas, e proteínas efetoras que controlam as vias de sinalização de virulência e interação patógeno-hospedeiro (MURDOCH et al, 2011). Deste modo, a identificação de proteínas secretadas permite uma melhor compreensão dos fatores de virulência e fenótipo desta bactéria além de, possibilitar a empregabilidade da maquinaria bacteriana para obtenção de moléculas bioativas.

Sendo assim, neste trabalho foi averiguado a capacidade de E. cloacae secretar proteínas em reposta ao estrese com colistina. Para tanto, utilizou-se como estratégia a comparação por análises bidimensionais das proteínas do meio de cultura após o cultivo em biorreatores de 10L, das isolados de E. cloacae não resist entes (NR1-3) e resi stentes à colistina (R1-3), onde as isolados resistentes foram cultivadas em presença de colistina em uma concentração de 8 µ g.mL- 1.

Para as análises de 2DE, primeiramente foi realizado um experimento piloto com cultivo de 1L de cultura para averiguar a quantidade de proteínas secretadas ao final da fase log, onde a densidade bacteriana é maior.

Ao cultivarmos ambos isolados resistentes e não resistentes em erlenmeyers contendo 1L de cultura, averiguou-se que em ambos os grupos a concentração de proteínas é semelhante, sendo para NR1 0.81 mg, NR2 0.75 mg, NR3 0.83 mg, enquanto para as isolados resistentes obteve-se uma concentração de 0.90 mg para R1, 0.93 mg para R2, 0.92 mg para R3. Este cultivo mostrou-se ineficiente para os experimentos proteômicos onde seriam necessários 1 a 3mg de amostra para cada gel. Deste modo, optou-se por trabalhar com uma escala maior de cultivo em biorreatores de 10 L. Além disso, afim de obter uma melhora do rendimento proteico foram realizadas algumas alterações do protocolo tais como, a coleta do material na metade da fase exponencial, pois degradações das proteínas poderiam ocorrer na fase estacionária, e ainda o emprego de acetona como agente precipitante no lugar de TCA 75%.

Sendo assim, obteve-se uma concentração maior de proteínas para cada isolado sendo, para NR1 1.3 mg, NR2 1.1 mg, NR3 1.4 mg, enquanto para as isolados resistentes obteve-se uma concentração de 1.7 mg para R1, 1.5 mg para R2, 1.6 mg para R3. Cabe ressaltar que, a concentração de proteínas presentes no meio de cultura foi maior para as isolados resistentes. Isso corrobora com a hipótese de que possivelmente as isolados resistentes à colistina poderiam secretar proteínas em resposta ao estresse com a colistina. Deste modo, foi realizado primeiramente um gel SDS-Page 12%, afim de averiguar o perfil de massas presentes no secretoma. Nestas análises pode se verificar que as proteínas presentes no secretoma são em sua maioria menores do que 45kDa (Figura 18). Entretanto, não foi constatado nenhuma diferença no perfil proteico das isolados não resistentes e resistentes sendo necessária uma posterior análise bidimensional para detectar possíveis proteínas presentes nas amostras da isolados resistentes.

Figura 18: Análise do perfil de massa molecular de proteinas obtido por SDS-PAGE 12% de proteínas presentes no secretoma de isolados não resistentes (A) NR1; (B) NR2; (C) NR3 e resistentes a colistina (D) R1; (E) R2; (F) R3 cultivados em meio LB. MM indica o marcador de massa molecular, valores apresentados em kDa.

Para as análises de 2DE, utilizou-se 1mg de proteína secretada. Entretanto, durante a análise da 1º dimensão verificou-se que não havia condutividade. Isto pode ter ocorrido, pois, a amostra antes de ser

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