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4. Processo Penal Militar e Bem Jurídico

4.1. Contornos ao bem jurídico-penal e o papel social do agente

4.1.2. Avaliação e escolha do bem jurídico

Expostas as linhas de aproximação entre bem jurídico e teoria tridimensional do Direito, passa-se a analisar a conjuntura política e social como fator de avaliação e escolha dos bens jurídicos a serem tutelados.

Como que delimitando a questão, aponta Sérgio de Oliveira Medici:

“A questão, portanto, está em definir qual o bem jurídico preponderante para a classificação sistemática. Para tanto, não se deve separar o que está unido, mas sim eleger o bem jurídico situado em primeiro lugar e tomar só a este como base para a classificação sistemática. Ressalte-se, ainda, que em tal classificação sistemática dos fatos puníveis existe certa arbitrariedade e que intervém ainda uma apreciação subjetiva. Por meio desta, porém, chega-se a uma decisão

157 In Preliminares ao Estudo da Estrutura do Delito, na coletânea de ensaios Estudos de

Filosofia e Ciência do Direito. São Paulo: Saraiva, 1978, p. 109.

importante sobre o que é o mais transcendente na essência do fato punível particular. De tal maneira, podem extrair-se da classificação sistemática dados de significação acerca do caráter do delito particular e pontos de apoio para a interpretação”.159

A partir disso, tem-se que se ponto de vista penal, a norma visa a proteção de bens jurídicos relevantes para se manter a tranquilidade social, um mínimo de convivência pacífica entre os cidadãos, evidente que conforme a sociedade evolui, adotando novos valores e flexibilizando outros, assim como novas relações surgem de acordo com a evolução tecnológica e científica, o Direito Penal afrouxa suas amarras com relação a certos comportamentos diante da possibilidade de proteção a ser feita por outros ramos, e, por outro lado, direciona seu espectro de proteção sobre outros.

Para Francisco de Assis Toledo são “bens jurídicos valores ético-sociais que o direito seleciona, com o objetivo de assegurar a paz social, e coloca sob sua proteção para que não sejam expostos a perigo de ataque ou a lesões efetivas”160. E complementa no sentido de que “do ângulo penalístico, portanto,

bem jurídico é aquele que enseja a exigir uma proteção especial, no âmbito das normas de direito penal, por se revelarem insuficientes, em relação a ele, as garantias oferecidas pelo ordenamento jurídico, em outras áreas extrapenais”161.

Portanto, do ponto de vista penal, o bem jurídico é variável conforme o tempo, estando intimamente ligado a questões político-sociais.

Nesse aspecto, José Cerezo Mir, ao prefaciar obra sobre o tema, aponta

159 Teoria dos Tipos Penais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 159. 160 Princípios básicos de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 16. 161 Ob. cit., p. 17.

que “na seleção dos bens jurídicos tutelados pelo Direito Penal e nas formas de agressão diante das quais devem ser protegidos, desempenham um papel decisivo, ao lado das concepções ético-sociais e jurídicas, as orientações políticas dominantes em uma sociedade, num determinado momento histórico”.162

Ainda nesse sentido, ou seja, sobre a influência que a conjuntura histórica e ético-social tem sobre os bens jurídicos a serem protegidos pelo Direito Penal, Francisco de Assis Toledo adverte que “é de se prever, porém, que, permanecendo as tendências da sociedade atual em profunda e rápida transformação, na qual encena-se, com grande gala, a tragédia da ascensão dos crimes violentos, o legislador penal, daqui e dalhures, sofrendo influência das doutrinas que pregam, há algum tempo, a descriminalização de certos fatos ainda considerados criminosos, mas sem repercussão na consciência social de nosso tempo, marchará certamente, cedo ou tarde, para uma profunda reforma do direito penal legislado, revalorizando e recolocando no centro da construção do novo sistema a proteção a bens jurídicos, por forma e dentro de limites que reflitam as reais necessidades do mundo em que vivemos”.163

Para se entender de forma mais clara tudo o que aqui foi dito não é preciso um mergulho mais profundo na história. Basta ver que o adultério, tipificado como crime no Código Penal deixou de sê-lo décadas depois, com a revogação do art. 240 desse diploma legal por força da Lei n.º 11.106/05.

Ou seja, por conta da evolução do conceito de família (família monoparental, união estável, união homoafetiva etc) e tendo o casamento outras

162 In PRADO, Luiz Regis. Bem Jurídico-Penal e Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais,

1997, p. 8.

formas de proteção pelo próprio ordenamento jurídico (como, p. ex., Código Civil).

Assim, o adultério passou a ser visto apenas como algo antiético, o desrespeito aos deveres do casamento, no máximo um ilícito civil, e não mais como algo que afetasse a vida social a ponto de merecer tutela penal.

Por trás dessa evolução social e consequentemente legislativa está o caráter subsidiário e fragmentário do Direito Penal, traduzindo-o, repita-se, como ultima ratio. Em outras palavras, nunca é demais lembrar, o Direito Penal somente se justifica em último caso, quando outros ramos do Direito mostram-se incapazes de tomar a defesa e de proteger determinado bem jurídico.

Isso vai ao encontro do quanto ponderado por Claux Roxin quando aborda que os limites da faculdade de punir só podem resultar da finalidade que tem o Direito Penal, ou seja,

“que o Direito Penal deve garantir os pressupostos de uma convivência pacífica, livre e igualitária entre os homens, na medida em que isso não seja possível através de outras medidas de controle sócio-políticas menos gravosa... A finalidade do Direito Penal, de garantir a convivência pacífica da sociedade, está condicionada a um pressuposto limitador: a pena só pode ser cominada quando impossível obter esse fim através de outras medidas menos gravosas”.164