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Bem jurídico e teoria tridimensional do direito

4. Processo Penal Militar e Bem Jurídico

4.1. Contornos ao bem jurídico-penal e o papel social do agente

4.1.1. Bem jurídico e teoria tridimensional do direito

Inicialmente, cabe analisar a relação entre o bem jurídico e a teoria tridimensional do direito.

Sabe-se que o Direito, ciência social aplicada, é produto de uma realidade histórico-cultural em permanente modificação.

Para Miguel Reale, em síntese, “Direito é uma integração normativa de fatos segundo valores”,146 corolário da dialética de complementariedade, uma vez

que não há norma legal sem a motivação axiológica dos fatos sobre os quais os valores incidem.

E nesse quadrante, a buscar o conceito de direito, tem-se que a nomogênese jurídica é o momento de sua realização, cuidando o processo de criação da norma da análise de fatos e valores em determinado momento histórico.

Com efeito, tem nascedouro a elaboração de uma norma jurídica nos impulsos axiológicos que incidem sobre situações fáticas, fornecendo, com isso, “Crime de uxoricídio praticado por militar. Competência da justiça comum. Embora o militar tenha matado sua mulher no interior da casa em que ambos residiam, situada em zona sob a administração militar, a justiça comum é a competente para julgar o crime, porque a aludida administração não interfere na privacidade do lar conjugal, máxime no relacionamento do casal, do qual resultou o uxoricídio. 'Habeas corpus' indeferido” (STF – HC 58883/RJ – Rel. Ministro Soares Munoz – j. 25.5.81).

diversas opções normativas.

Ainda segundo Miguel Reale, a norma jurídica não surge do nada como consequência da dialética de polaridade e implicação entre fatos e valores, porquanto a norma não necessita do ato de autoridade que elege um dos caminhos possíveis através da aplicação de uma determinada sanção.147

Melhor explicando, por critérios de conveniência e oportunidade, aliadas a condições outras que se sobressaem em certo tempo e lugar, a autoridade opta, como dito, por uma das possibilidades, no que verdadeiro o axioma que toda regra jurídica é um ato de escolha.148

A norma jurídica, uma vez promulgada, resultado da tensão entre complexo fático e impulsos axiológicos, poderá, ao longo do tempo, sofrer modificações em seu significado mesmo que inalterada sua redação. É a Semântica Jurídica, parte da Lógica Jurídica, que se destina ao exame da variação do significado das regras de direito.149

Miguel Reale esclarece que a norma é como uma ponte elástica, assim entendida em razão das variações semânticas pelas quais pode passar em função de novos fatos, elasticidade esta que tem um limite sob pena de se chegar a um momento em que não se resiste e, com isso, acontece abrupto rompimento,150 no

que melhor seria sua revogação.

E, em se falando de revogação, sabido e consabido que uma norma só pode ser revogada por outra de igual ou superior categoria, pensamento que

147 Ob. cit., p.124.

148 REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20ª ed., São Paulo: Saraiva, 2010, p. 557. 149 Ob. cit., p. 124.

revela uma meia verdade, uma vez que assim se pode entendê-la no plano da vigência, mas não da eficácia. É, igualmente, de recidiva sabença que existem leis, embora não vigentes, mas sem eco no corpo social, existindo somente formalmente. Nesse caso, como o desuso contínuo não retira sua validade, caberá ao intérprete “encapsulá-las no bojo de outras normas, de modo a atenuar-lhes o ruinoso efeito”.151

Aliás, não por outra razão a ponderação de Carlos Maximiliano no sentido de que “a exegese pode variar, com o tempo, e deve efetivamente mudar. Incumbe ao juiz interpretar a lei conforme a opinião dos homens inteligentes da sua época; ver no presente um desdobramento do passado, e não a fiel imagem deste, fixa, marmórea, inalterada; conciliar a tradição com a realidade, graças ao método histórico-evolutivo”.152

Na linha de raciocínio proposta, não diverge Eduardo Couture ao considerar que no estudo do Direito não se pode ser “um lógico que fabrica silogismos”,153 em que a lei é a premissa maior, o caso concreto é a premissa

menor, e a sentença, a conclusão.

Isso porque o intérprete vocacionado, esclarecido pela hermenêutica, valendo-se dos princípios que têm por missão conferir coerência ao sistema, “afirma o que o legislador decretaria, se previsse o incidente e o quisesse prevenir ou resolver”,154 sabedor que “a interpretação do direito se realiza não

como mero exercício de leitura de textos normativos, para o quê bastaria ao intérprete ser alfabetizado”.155

151 REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20ª ed., São Paulo: Saraiva, 2010, p. 556.

152 Hermenêutica e Aplicação do Direito. 19ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 117-118. 153 Introdução ao Estudo do Processo Civil. São Paulo: Forense, 1998, p. 57.

154 MAXIMILIANO, Carlos. ob. cit., p. 12

O Direito é uma dimensão da vida e, em sendo assim, tridimensional, não bastando sua análise somente e tão somente pelo ângulo da norma.

Inegável que a norma jurídica é o ápice da experiência jurídica, mas assim o é somente quando não se ignora o complexo fático e os imperativos axiológicos de um certo momento, haja vista que é dessa tensão que ela surgirá.

Assim, pode-se afirmar que o sistema jurídico no tridimensionalismo

realeano é aberto, incompleto, dinâmico e prospectivo, formado por um

subsistema de fato, outro subsistema de valor e, por último, um subsistema de norma.

Para Miguel Reale, numa inclinação à esfera criminal, o delito é entendido como uma estrutura normativa dotada de tridimensionalidade, resultante, pois, de uma integração de fatos e valores, segundo normas. O crime, assim, não é somente a materialidade do fato, como não é apenas a norma, mas o fato e a norma que adquirem conotações jurídicas em virtude de uma opção axiológica e um ato prescritivo da autoridade.156

E, emprestando suas luzes ao conceito formal de crime, aponta Miguel Reale que tipicidade, antijuridicidade e a culpabilidade são dados essenciais de todo o delito. E nele, - como textualmente escreve - “se integram e se correlacionam para dar-nos a plenitude de seu significado, devendo aquelas notas determinantes ser examinadas analítica e sintaticamente como elementos distintos de uma unidade estrutural, ficando concomitantemente atendidos, de

São Paulo: Malheiros, 2003, p. 88.

156 Cf. LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2ª ed. Porto Alegre: Sérgio Antonio

um lado a intencionalidade pessoal e irredutível do agente, e de outro, o significado social objetivo de sua conduta”.157

E da prática do crime, após o devido processo legal, tem-se a imposição de uma reprimenda, àquele que desequilibrou a ordem social, sendo que, debalde as divergências que enxergam na pena um viés retributivo, preventivo (geral ou especial), ou, ainda, misto, ponderada a observação de Miguel Reale no sentido de que “há nelas algo que as vincule a uma base ou a um propósito comum”,158 conquanto, convém que se diga, adepto o percursor da Teoria

Tridimensional do Direito ao entendimento de que a pena tem somente caráter retributivo.