• Nenhum resultado encontrado

Justiça Militar e Juizado Especial Criminal: competência

7. CONCESSÃO DA ORDEM PARA DECLARAR A NULIDADE DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS E DE TODA A PROVA

4.5.8. Justiça Militar e Juizado Especial Criminal: competência

Discute-se, em termos doutrinários e jurisprudenciais, a possibilidade de aplicação de institutos despenalizadores, como a transação penal, a suspensão condicional do processo e a composição civil relativamente aos delitos militares.

O tratamento legislativo é regido pela Lei nº 9.099/95, art. 90-A, que enuncia: “As disposições desta Lei não se aplicam no âmbito da Justiça Militar”. (artigo incluído pela Lei nº 9.839, de 27.9.1999).

Vê-se, pois, que a disposição legal veda terminantemente a aplicação dos institutos despenalizadores à Justiça Militar.

constitucional?

A matéria foi submetida à análise da Corte Suprema, em acórdão assim ementado:

“EMENTA: AÇÃO PENAL. CRIME MILITAR. PROPOSTA DE SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. FALTA. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE. FATO POSTERIOR AO INÍCIO DE VIGÊNCIA DA LEI Nº 9.839/99, QUE ACRESCEU O ART. 90 – A À LEI Nº 9099/95. HC DENEGADO. PRECEDENTES. AO PROCESSO POR CRIME MILITAR PRATICADO APÓS O INÍCIO DE VIGÊNCIA DA LEI Nº 9.839/99, QUE ACRESCENTOU O ART. 90-A À LEI Nº 9.099/95, NÃO SE ADMITE PROPOSTA DE SUSPENSÃO CONDICIONAL” (HC 86.444-9 – MINAS GERAIS, 02.06.2009, RELATOR: MINISTRO CEZAR PELUZO).

Vê-se, pois, que a Corte Constitucional reconhece a constitucionalidade do aludido texto normativo, mantido no porvir essa exegese.

Entretanto, a análise da questão exige um olhar atento para o panorama sociopolítico que conforma a sociedade contemporânea, a destacar a atuação das polícias civil e militar.

O eficiente combate à violência urbana, temática que ocupa lugar de destaque nas pautas políticas da sociedade complexa do século XXI, é uma preocupação dos grandes centros urbanos, já que “as cidades se transformaram

em depósitos de problemas causados pela globalização” 242.

Exige-se com isso, cada vez mais, uma diferenciada atuação por parte dos órgãos públicos, especialmente das polícias civil e militar, destacando-se a atuação conjunta dessas forças policiais243.

Assim, no mesmo contexto fático, admitir-se-á a atuação conjunta de policias civis e militares, a par da distinta repartição de atribuições constitucionais (afinal, sabemos que as polícias civis contam com divisões uniformizadas que se prestam a patrulhamento e as polícias militares com o serviço reservado que se presta a investigações).

Sucede, entretanto, que, à luz do art. 90-A, da Lei dos Juizados Especiais Criminais, ao policial militar não seria possível a proposta de idêntica medida despenalizadora eventualmente oferecida ao policial civil. É nessa toada que caminham as referidas decisões da Corte Suprema, repita-se.

Todavia, não se trata de melhor interpretação a envolver a aplicação do princípio da igualdade, valor supremo que dirige o preâmbulo constitucional de 1998.

É de se relembrar que o princípio da isonomia sempre ocupou assento na ordem constitucional brasileira, como já observou o Ministro Marco Aurélio Mello: “As Constituições sempre versaram, com maior ou menor largueza, sobre

242 BAUMAN, Zygmunt. Confiança e medo na cidade. Tradução de Eliana Aguiar, Rio de

Janeiro: Jorge Zahar, 2009, p. 32.

243 É, de certo modo, o que justificou a recente instituição do Centro Integrado de Comando e

Controle (CICC) junto à Secretaria de Segurança do Estado de São Paulo, órgão que atua direta ou indiretamente nas áreas de segurança, de proteção e de defesa civil, a envolver, por exemplo, as polícias civil e militar, nos termos do art. 10 do Decreto nº 60.640, de 11.07.2014.

o tema da isonomia” 244.

É importante repisar, ainda, que a isonomia é reproduzida como direito fundamental catalogado no nosso Texto político e também atua como vetor de interpretação de tratados internacionais que albergam direitos fundamentais.

Assim, é de rigor que a lei confira tratamento equitativo para situações jurídicas semelhantes. Para Celso Antônio Bandeira de Mello:

“A Lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar equitativamente todos os cidadãos. Este é o conteúdo político- ideológico absorvido pelo princípio da isonomia e juridicizado pelos textos constitucionais em geral, ou de todo assimilado pelos sistemas normativos vigentes” 245.

É ainda de Celso Antônio Bandeira de Mello o seguinte trecho:

“O que se visa com o preceito isonômico é impedir favoritismos ou perseguições. É obstar agravos injustificados, vale dizer que incidam apenas sobre uma classe de pessoas em despeito de inexistir uma racionalidade apta a fundamentar uma diferenciação entre elas”246.

De tudo, o texto sob comento é manifestamente inconstitucional, até porque não há restrição constitucional sobre a aplicação da Lei dos Juizados

244 Trata-se de voto lançado nos autos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental

n.º 186, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, p. 2.

245 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª ed. São

Paulo: Malheiros, 2003, p. 10.

Especiais Criminais aos delitos inscritos no Código Penal Militar.

Mais uma vez, por arremate, destaca-se, em termos de interpretação de textos normativos, a cadente posição do Ministro Marco Aurélio Mello:

“Toda e qualquer interpretação de preceito normativo revela um ato de vontade. E aí vale repetir: os homens não são feitos para as leis, mas as leis, para os homens. Qual deve ser a postura do Estado-Juiz diante de um conflito de interesses? Única: não potencializar a dogmática para, posteriormente, à mercê dessa dogmática, enquadrar o caso concreto. Em face de um conflito de interesses, o juiz há de idealizar a solução mais justa, considerada a formação humanística que tenha e, após, buscar o indispensável apoio no direito posto. Ao fazê-lo, cumprirá, sempre, ter presente o mandamento constitucional de regência da matéria”. 247

Recusar-se a aplicação de institutos despenalizadores a policiais militares indica, mais uma vez, uma postura antidemocrática atentatória à consolidação constitucional do princípio da isonomia.

Revelam-se cabíveis, então, a nosso ver, os institutos despenalizadores da Lei nº 9099/95 aos crimes militares próprios e impróprios, inclusive – atentando, evidente, o caráter de ultima ratio da norma penal, bastando o direito disciplinar, em tempo de paz, para garantir a ordem no interior do quartel.

247 Trata-se de trecho do voto lançado nos autos da Arguição de Descumprimento de Preceito