4.1 CADEIA DE VALOR DO FUTEBOL
4.1.3 Avaliação do modelo preliminar da CVF
O modelo preliminar da CVF foi apresentado aos entrevistados, e 06 (seis) confirmaram que o modelo representa a CVF, necessitando apenasde algumas alterações. Observa-se que um dos entrevistados, denominado JF1, não quis manifestar seu entendimento, por acreditar que
não poderia opinar nesse quesito. Um dos entrevistados disse que“o modelo representa
parcialmente, pois existem alguns atores a inserir nele” (ENTREVISTADO J1). Nessa
perspectiva, um dos atores citado pelo entrevistado para ser inseridoé“clube formador, aquele
clube que só trabalha com formação de atleta, clubes que são de empresários”
(ENTREVISTADO J1). Esses clubes são reconhecidos pela CBF, e nem sempre estão
vinculados às escolas de formação dos clubes sem fins lucrativos.
Os entrevistados também analisaram ser importante “incluir o direito esportivo e a
publicidade. O primeiro se refere à detenção do direito, antes da comercialização dos direitos de transmissão e, na sequência,à venda para o mercado publicitário, mídia envolvida”
(ENTREVISTADO C3). Soriano (2010) descreve que as detentoras de direitos audiovisuais
compram as concessões para transmissão de competições e, por meio da audiência, vendem pacotes e rentabilizam o investimento feito.
Outro entrevistado ainda sugere“no distribuidor inserir as transmissões de rádio, pois
mesmo que em competições nacionais os direitos não são cobrados, estas foram as primeiras
transmissões e atingem um público significativo” (ENTREVISTADO J1). Por conseguinte,
verificou-se que “as empresas de TV, rádio e comunicação não estão somente nos elos
distribuidor e varejo, eles atuam antes. Este ator decide quem vai patrocinar e quais jogos vai
transmitir” (ENTREVISTADO CF6). Corroborando, observou-se ser interessante “inserir o
licenciamento de marca também no elo varejo, pois tu podes ganhar dinheiro adquirindo a marca do clube. Como exemplo, uma franquia, que pode ser adquirida por uma empresa,
gerando recursos para o clube antes de chegar ao cliente, ao consumidor de bens
licenciados.”(ENTREVISTADO J1).
Um entrevistado salientou que na cadeia auxiliar “a figura do treinador não é a mesma
do professor de educação física, pois a lei não obriga a formação, então posso ter os dois
atuando nesta cadeia” (ENTREVISTADO J1). O termo analista de jogos foi substituído por
“analistas de desempenho, na cadeia auxiliar, pois eles analisam os desempenhos individuais
dos jogadores e este é um termo popular no futebol” (ENTREVISTADO J1).
Dois ajustes sugeridos pelos entrevistados foram inseridos na CVF. Primeiramente, “o
gestor deve estar em todos os elos da cadeia, como em clientes. Exemplo: um gestor responsável pelos eventos de marketing, transformando o jogo em um evento”
(ENTREVISTADO T2).Um segundo ponto citado é: “Encontrei gestores no modelo, mas não os diretores (de futebol, marketing...), eles são os que contratam, organizam o trabalho em um
clube de futebol, sendo um ator importantíssimo nesta cadeia” (ENTREVISTADO CF6).
Observa-se que o ator diretor de clube não é apresentado pelas pesquisas elencadas no Quadro 3, porém sua atividade é intrínseca ao desenvolvimento e à ascensão de clube e do atleta, visto que exerce um papel diferente dos gestores.
Ao contrárioda percepção do entrevistado I1, a avaliação física deve estar presente na
cadeia auxiliar/indústria de extração. “Nas escolinhas dos clubes de futebol, cadeia auxiliar,
tem a atuação médica, dentistas, transporte para escola, é importante aparecer neste elo da
cadeia.”(ENTREVISTADO J1). Além disso, um entrevistado apresentou a ideia de inserir“a
alimentação, saúde, segurança, pois elas são importantíssimas em uma categoria de base dos
clubes” (ENTREVISTADO T2)e outro sugeriu incluir a “infraestrutura para acolhimento do
atleta que vem para a escolinha dos clubes de futebol, ou seja, alojamento, alimentação”
(ENTREVISTADO J1).
Corroborando a percepção do entrevistado, inseriu-se o acompanhamento psicológico na cadeia auxiliar, pois “o comportamento do profissional e da sua família influenciam no
rendimento e no interesse deste pelo clube” (ENTREVISTADO I2). Adicionalmente, sugeriu-
se incluir, “na cadeia auxiliar,[...] as revistas esportivas, álbuns de figurinhas, junto com jogos
de entretenimento, ainda existe essa prática de colecionáveis” (ENTREVISTADO J1).
Outra recomendação versa sobre “o quadro social, eu traria eles para o elo indústria
de transformação, pois hoje eles votam e podem decidir como será a política do clube influenciando nas decisões. Exemplo: as direções eleitas em uma gestão podem querer investir
na base e outra não, então influenciam muito” (ENTREVISTADO CF6). Contudo, ainda que
clube,configurando-se como torcedor e como uma das fontes de captação financeira do clube. Assim, sua participação como agente decisório do clube não é exposta na CVF.
Por fim, cita-se a percepção de que a CVF “não tem muito erros, porque isso aqui é
padrão, você consegue englobar a macro indústria assim de uma maneira geral e no que ela
impacta” (ENTREVISTADO C3). As considerações elencadas nesta etapa geraram uma nova
versão do modelo da CVF, como exposto na Figura 20. Na nova versão, seguiu-se a estrutura apontada na versão preliminar, acrescentando-se as alterações grifadas em vermelho e itálico.
Contudo, reverberam algumas críticas com relação à CVF. A primeira centra-se na visão de que a cadeia não finaliza com o elo clientes, mas “após clientes, a participação do quadro
social, o torcedor de campo não se esgota ali, ele influência com feedbacks”
(ENTREVISTADO J1). Analisando por essa perspectiva, a CVF não está completa.Ainda que
o modelo exposto na Figura 20 seja válido, não há uma preocupação com o relacionamento posterior. Além disso, o valor se concentra no resultado que os compradores (torcedores) estão dispostos a pagar para assistir ao jogo no estádio ou televisão. A influência exercida ao longo do caminho pelos envolvidos, tais como agências governamentais eentidades sem fins lucrativos (KAHAN; TESTA, 2008), é considerada somente no que tange ao ator federações e confederações.
A segunda crítica está centrada no inter-relacionamento, pois a CVF apresentada não descreve a interligação entre os atores ou sua atuação em elos diversos. A CVF, então, apresenta interdependência entre os atores, considerando o modo como uma atividade de valor é executada. (PORTER, 1998). Porém, a interação entre os diversos atores no futebol é contínua e, ao analisar o futebol tradicionalmente, ignora-se o ambiente em que o negócio está inserido, o processo de cooperação, os conflitos e sua necessidade de coevolução em relação aos demais integrantes do ambiente. (MOORE, 1996). Destarte, a CVF final precisa ser redesenhada para considerar esses inter-relacionamentos.
A necessidade de redesenho foi apontada pelos entrevistados T1, CF3 e C3. O
entrevistado C3 descreve que a CVF deveria ser apresentada em uma lógica de serviço, “porque o esporte é eminentemente serviços. O mais básico é, se eu pensar em esporte conceitualmente, ele é um serviço, porque tirando a venda de produtos do clube, o ingresso do jogo é como ir a um show. A parte industrial, exemplo produção de camisetas, é secundária, se não for um
Figura 20: Cadeia de Valor do Futebol – Versão Final
Porém, entende-se que o futebol extrapola a atividade de serviço, na medida em que influencia continuamente outros atores que dele dependem. Ainda que o “jogo/espetáculo” seja o objetivo, ele não ocorre com lacunas de tempo, mas sim continuamente, o que varia é a composição dos clubes em campo. Desse modo, visando a garantir a permanência e a alavancagem do futebol, os clubes dependem do sucesso mútuo para tornar a competição popular (ŞENER; KARAPOLATGIL, 2015), de modo que os atores precisam ser analisados considerando suas inter-relações.
A CVF desenvolvida considera o encadeamento das atividades sequencialmente, contudo as atividades acontecem simultaneamente. Como exemplo, verifica-se que o atleta em processo de formaçãopode atuar na equipe principal ou ter seus direitos federativos negociados antes de sua formação final. Desse modo, o formato de CVF pode não ser adequado para representar o futebol. O futebol é composto por indústrias múltiplas, sendo que cada componente é uma parte dependente e inter-relacionada de um sistema maior, de forma análogaa um ecossistema. (MOORE, 1996). Portanto, é interessante compreender o futebol enquanto um ecossistema de valor, que agrega valor econômico à sociedade na medida em que se desenvolve. Destarte, o próximo subcapítulo apresenta os pressupostos do ecossistema de valor do futebol.