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CAPÍTULO II: FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.3 Avaliação

2.3.1 Avaliação on-line

Conforme o título sugere, o objetivo desta seção é apresentar considerações teóricas a respeito da avaliação mediada pelo computador. Segundo Leite (2006) e

Barilli (2006), a área de educação a distancia (EaD) ainda busca a formalização de uma base teórica própria, principalmente no que diz respeito às especificidades dos ambientes on-line que fazem uso de inúmeras NTICs, como web cams, microfones, simuladores de salas de aula (como a plataforma Macromedia Breeze32), entre outros.

Observa-se, assim, um número crescente de trabalhos que enfocam diferentes aspectos do processo de ensino-aprendizagem em geral (FUKS et al., 2003, 2006; OTSUDA; ROCHA, 2002, 2005; SILVA; SANTOS, 2006; KRATOCHWILL; SAMPAIO, 2006) e de línguas, em particular (ALDERSON; McINTYRE, 2006; THORNE, 2006). Como conseqüência disso, Sardelich (2006, p. 213) observa a existência de um grande número de expressões utilizadas na bibliografia educacional em referência ao processo de ensino-aprendizagem mediado pelo computador, tais como, educação à distância, ensino on-line, teleformação, instrução baseada na web, educação baseada na web, e-

learning, entre outras.

É preciso admitir que o contexto TTD de ensino-aprendizagem de línguas se diferencia do contexto EAD em uma série de aspectos, dentre eles, o fato de a EAD se basear em uma agenda pré-estabelecida e poder ser realizada por meio da mediação de outras ferramentas tecnológicas além da internet. No entanto, acredito que seja possível tirar proveito das reflexões teóricas a respeito da avaliação em um contexto que pressupõe a atividade autônoma do aprendiz em um contexto digital, uma vez que, conforme mencionado, se trata de um cenário de busca de embasamento teórico próprio e de práticas educativas coerentes com essas teorias.

Além disso, entre as questões da prática educativa on-line, a avaliação da aprendizagem é considerada como uma das questões mais delicadas devido às

implicações de se implementar um ambiente educativo inovador que contemple práticas avaliativas cristalizadas em ambientes tradicionais33.

De maneira geral, segundo aponta Sardelich (2006, p. 216), os estudos sobre a prática da avaliação on-line propõem as seguintes estratégias:

a retroalimentação por meio do correio eletrônico como estratégia de avaliação formativa, o chat para “avaliação formativa interativa” imediata por favorecer a reflexão; o fórum como estratégia de avaliação somativa; o portfólio on- line para co-avaliação, e o vídeo, para que o participante se auto-avalie e co-avalie.

Essas considerações revelam três aspectos relevantes para este trabalho (i) o reconhecimento do chat como um ambiente propício à reflexão sobre a aprendizagem, (ii) a importância da colaboração, por meio do conceito de co-avaliação, e (iii) a inclusão de estratégias de auto-avaliação.

Muitos trabalhos sobre a avaliação on-line (SILVA, 2006; BRUNO; MORAES, 2006; PESCE; BRAKLING, 2006; RICARDO; FONSECA, 2006, entre outros) destacam a importância de se articularem os princípios do paradigma sócio- construtivista de aprendizagem àqueles da avaliação formativa, a fim de que se valorize a participação contínua do aprendiz no levantamento de dados e na tomada de decisões sobre o processo de ensino-aprendizagem. Uma vez que as NTICS proporcionam diferentes maneiras de acessar, gerar e transmitir dados, não é difícil reconhecer a coerência de tal proposta com as características esperadas de um ambiente de aprendizagem on-line, como flexibilidade, interatividade, autonomia e colaboração. No entanto, vale lembrar que o modelo tradicional (racionalista) de ciência e educação há muito tempo tornou o papel do aluno insignificante e a avaliação, mesmo a chamada avaliação “formativa” ou processual, pode fragmentar os eventos da prática educativa,

33Cf. o livro de Silva e Santos (2006), com mais de trinta trabalhos especificamente sobre a questão da

ao ser realizada em momentos considerados, pelo professor, como “ideais” para se avaliar o desenvolvimento do aprendiz (cf. BRUNO; MORAES, 2006).

Isso significa que o simples fato de se disponibilizar um curso on-line não garante flexibilidade, interatividade, autonomia e colaboração ao processo de ensino- aprendizagem (SANTOS, 2006). Faz-se necessário considerar as relações estabelecidas não apenas entre os agentes envolvidos (professor e aluno), mas também, entre esses e a instituição ou os outros componentes do sistema educativo. Em outras palavras, a tecnologia per se não imprime tais características na participação de aprendizes e professores-mediadores-tutores, mas, o desenvolvimento de atitudes que valorizem o papel ativo do aprendiz na co-construção do conhecimento. O objetivo desta seção, portanto, é promover uma discussão sobre a avaliação da aprendizagem em ambientes on-line, levando em consideração os princípios teóricos da avaliação formativa e as sugestões de implementação desse tipo avaliação nesse tipo de ambiente, principalmente aquelas que estejam em harmonia com os pressupostos teóricos do contexto TTD e que levem em conta a implementação da AA.

Blikstein (2006) afirma que existe um número crescente de ambientes de educação eletrônica que procuram conciliar as premissas do sócio-construtivismo com o uso das NTICs. O autor chama a atenção, no entanto, para o fato de que, apesar da denominação “tecnologia da informação e comunicação”, essa tecnologia não serve apenas para informar e comunicar, mas principalmente para fazer (p.185). Isso quer dizer que, mais do que um instrumento utilizado para falar sobre o conhecimento construído, as NTICs devem servir para se fazer algo com o conhecimento construído, o que tem implicações diretas para a avaliação, pois mais do que julgar o discurso sobre os conteúdos, é preciso valorar a habilidade de atuar no mundo fazendo uso deles.

No contexto desta investigação, essa observação evidencia o fato de que, do ponto de vista do ensino-aprendizagem de línguas, o discurso, é, em si, fazer algo com o conhecimento construído. Nesse sentido, o uso das NTICs pelo TTD parece cumprir seu papel, ao colocar em contato dois falantes de línguas diferentes que querem aprender a língua um do outro por meio da interação. Pode-se dizer que, neste contexto, avaliar o discurso nas interações é o mesmo que avaliar o processo de aprendizagem.

Também em consoante com a proposta do contexto TTD, Bruno e Moraes (2006) argumentam a favor de uma prática avaliativa mediadora (HOFFMAN, 1993,1997) e reguladora que seria “invisível”, exatamente por que ocorre ao longo das interações em uma dinâmica em que tanto professor quanto aluno se auto-avaliam (sic) e se auto-regulam (sic) à medida que interagem (BRUNO; MORAES, op.cit., p.62). Tal

perspectiva se baseia em teorias sobre o pensamento complexo e sobre os aspectos afetivo-emocionais envolvidos na educação. De acordo com as autoras, as teorias sobre o pensamento complexo se fundamentam na física quântica, na nova biologia, na cibernética, na teoria do caos e das estruturas dissipativas, as quais sugerem que o mundo funciona de maneira sistêmico-organizacional, o que pressupõe (i) a inseparabilidade entre sujeito-objeto, segundo a qual, fatos, fenômenos e objetos são inter-relacionados, multidimensionais e interativos e (ii) a existência de componentes de aleatoriedade (acaso, indeterminação) nos mais diferentes aspectos que caracterizam a dinâmica da vida.

As autoras alegam que, como conseqüência disso, os sistemas complexos são (i) dinâmicos e processuais; (ii) imprevisíveis; (iii) não-lineares (causa e efeito se transformam mutuamente); (iv) inter-relacionais; (v) reconstrutivos e flexíveis (passível de mudanças e processos auto-organizadores); e (vi) ambíguos ou ambivalentes (os processos não são antagônicos, mas complementares, i.e., não se pode pensar a

autonomia sem reconhecer a dependência do sistema em relação ao meio). A natureza, portanto, é dotada de uma engenharia complexa que não se fundamenta em certezas absolutas, nem pode ser explicada de maneira linear e fragmentada.

Isso significa que desenvolver um ambiente de aprendizagem e um processo de avaliação sob o enfoque do pensamento complexo significa compreender o ser humano em sua relação com o outro, com o meio e consigo mesmo, uma vez que a construção do conhecimento pressupõe (i) a intersubjetividade, ou seja, a relação entre sujeito e objeto ou entre sujeitos que participam de um mesmo processo interacional e (ii) a interpretação a partir das estruturas do sujeito que conhece, o que implica múltiplas interações possíveis entre sujeito e objeto, todas elas legítimas.

As implicações de tal perspectiva para o processo de avaliação se fazem ver, de maneira mais específica, na questão da objetividade esperada dos avaliadores e da confiabilidade dos instrumentos de avaliação, pois professor avaliador e objeto avaliado (aluno) constituem um sistema observante, no qual o ato de observação altera a natureza do objeto observado e, portanto, todo avaliador é parte integrante do que deseja avaliar como condição constitutiva inicial (BRUNO; MORAES, 2006, p. 57).

Sob esse enfoque, a avaliação da aprendizagem em ambientes on-line envolve todos os sujeitos no processo de co-construção do conhecimento em uma ação/atitude constante de AA e auto-formação, que respeita e estimula a autonomia de todos. Como exemplo de implementação dessa perspectiva da avaliação, as autoras sugerem a intervenção contextualizada do professor mediador em ambientes de aprendizagem virtual (fóruns), nos quais, os questionamentos do mediador durante a discussão desestruturam os esquemas cognitivos dos alunos, os quais, pela auto-organização sistêmica, buscam estabilizar o organismo. O movimento é, então, reiniciado pelo professor, que oferece novos elementos desestruturantes aos alunos. Essa interferência

se dá recursivamente e esse movimento em espiral só é possível pelo diálogo que é, em si mesmo, o processo de avaliação. Desse modo, o sucesso da avaliação não se deve apenas ao docente ou especialista externo, mas também, ao avaliado.

Além disso, segundo essa perspectiva, os registros dos ambientes de aprendizagem on-line contribuem para a reorganização do saber, uma vez que permitem acompanhar a sistematização do pensamento (principalmente porque o ambiente pesquisado pelas autoras é um fórum de discussão que permite o registro escrito). As autoras salientam, no entanto, que tais registros, apesar de revelarem possíveis saltos qualitativos na construção do conhecimento, não revelam o processo todo, o qual implica múltiplas ações. De qualquer maneira, esses registros são uma maneira de dar visibilidade ao processo avaliativo, uma vez que permitem consultas posteriores ao que foi co-construído no ambiente de ensino-aprendizagem. Re-visitar os arquivos, textos, idéias, sentimentos, argumentos pode auxiliar a avaliação, tanto do ponto de vista do professor sobre o desenvolvimento do aluno, quanto dos próprios alunos sobre o que aprenderam, como aprenderam, por que aprenderam (ou não) e em que precisam investir mais. Para o aluno, re-visitar seu processo e fazer um relatório possibilitariam a organização da própria aprendizagem por meio da AA. Para o professor, além de um olhar sobre o desenvolvimento do aluno, consultar os registros poderia promover uma reflexão sobre seus conceitos e suas práticas.

Por esse motivo, as autoras defendem que o processo de avaliação se caracteriza como um instrumento de regulação das operações metacognitivas, pois objetiva desestruturar esquemas cognitivos pré-existentes e promover o desenvolvimento de novos esquemas, mais complexos. A regulação é, portanto, responsável pelo caráter integrador, articulador, interativo e “invisível” do processo avaliativo, pois envolve a AA tanto por parte do professor quanto do aluno e ocorre ao longo do diálogo, ou seja,

na interação. Em relação ao contexto TTD, essa proposta evidencia duas possibilidades de se estimular a prática auto-avaliativa entre os participantes: uma, por meio dos registros das interações (mesmo daquelas que ocorrem por áudio e vídeo) e a outra, pelas sessões de mediação, considerando-se que o professor-mediador esteja preparado para intervir de modo a encorajar a reorganização das operações metacognitivas.

A proposta de Silva (2006) também parece contribuir para a compreensão do processo avaliativo no contexto TTD. Segundo o autor, as disposições informacionais e comunicacionais do computador on-line estão em sintonia com os fundamentos da avaliação mediadora de Hoffman (1993), uma vez que os usuários dessa mídia podem dar forma à própria prática de informar e comunicar, praticando liberdade de autoria, multiplicidade de acessos e conexões, diálogo, troca de informações e opiniões,

participação, intervenção e autoria colaborativa (p.27). Do ponto de vista da sala de

aula (on-line), isso exige que o professor disponibilize a possibilidade de múltiplas redes articulatórias entre conteúdos de aprendizagem, permitindo ao aprendiz liberdade de permutar, simular, associar e significar. Assim, Silva (2006, p.33) salienta que, ao avaliar, o professor deve exercer o papel de agenciador da construção do conhecimento, ou arquiteto de percursos, uma vez que professor e aluno constroem uma rede e não uma rota. De acordo com o autor, a efetivação da aprendizagem e da avaliação sob essa

perspectiva depende de alguns pré-requisitos, como:

• criação de ambientes hipertextuais portadores de intertextualidade, intratextualidade, multivocalidade, multiplicidade de pontos de vista, fácil navegabilidade e transparência de informações, integração de várias linguagens sons, texto, imagens dinâmicas e estáticas, gráficos etc.), hipermídia (integração de vários suportes midiáticos abertos a novos links e agregações);

• criação de atividades de pesquisa que estimulem a construção de conhecimento a partir de situações-problema;

• articulação entre os diversos campos de conhecimento tomados como rede inter/transcisciplinar e estímulo à participação criativa dos aprendizes, considerando-se suas disposições sensoriais, afetivas, cognitivas e culturais;

• criação de ambientes de avaliação formativa, nas quais os saberes sejam construídos num processo de negociações e a tomada de decisões seja uma prática constante para a ressignificação de autorias e co-autorias;

• auto-avaliação, avaliação do grupo e avaliação do professor.

Observa-se que a bibliografia consultada e ora discutida traz um enfoque principal na perspectiva da atuação docente. A questão da AA sob a perspectiva do próprio aprendiz é pouco explorada. Quando considerada, a AA geralmente é tratada como um tipo de teste on-line que pode ser feito e corrigido pelo próprio aluno, o que não condiz com a proposta processual que interessa a esta investigação. Uma exceção é o trabalho de Sardelich (2006), cuja proposta de avaliação se embasa em uma perspectiva que considera as preferências e diferenças culturais dos aprendizes que interagem via internet, evidenciando a heterogeneidade implícita a qualquer ambiente de aprendizagem.

A autora propõe uma abordagem narrativa que possibilita aos sujeitos uma compreensão do significado de sua experiência. Segundo Sardelich (2006, p.221), a avaliação seria como uma prática investigativa na qual uma agência enunciadora narra os acontecimentos e o acontecer do tempo, do que se originam as intervenções e

possíveis transformações dos participantes. Assim, cada participante seleciona

determinados aspectos, de acordo com sua experiência sociocultural, sendo a narração construída por todos os participantes do processo ao longo do tempo e não apenas no

final. Dessa maneira, a avaliação se constitui em um relato sobre o processo construído pela comunidade de aprendizagem. A autora chama a atenção para o fato de que, na redação do relato, pode-se reconstruir o próprio processo de aprendizagem ao expressar o que aconteceu e registrar o que foi possível perceber por si mesmo ou com a colaboração dos demais, quais intervenções desencadearam alguma transformação etc.

Além disso, as diferentes agências enunciadoras podem contrastar seus relatos e instigar a si mesmos ou aos demais participantes sobre a pertinência das informações registradas a fim de que possam estabelecer relações cada vez mais complexas, não só em relação ao conteúdo, mas também quanto à percepção do que aconteceu. De acordo com a autora, essa narração pode (i) manifestar de que forma as atividades propostas se vinculam ou não com os afetos, interesses, necessidades e inquietações dos participantes; (ii) permitir explicações e recursos para que cada participante possa elaborar critérios, definições, hipóteses, evidências sobre o processo de aprendizagem; (iii) integrar as contribuições de todos aqueles com quem aprendemos e (iv) evidenciar a complexidade de qualquer processo real.

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