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CAPÍTULO II: FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1.2 O conceito de colaboração

O conceito de colaboração adotado nesta investigação se fundamenta nas premissas teóricas do construtivismo (PIAGET, 1958; 1975; 1993) e do sócio- interacionismo (VYGOTSKY, 1978; 1999). Tais premissas são baseadas em conceitos do materialismo dialético22, segundo os quais, todos os fenômenos são processos em

movimento e transformação e, em se tratando dos estudos de Piaget (op.cit.) e Vygotsky (op.cit.), o fenômeno investigado é a construção do conhecimento pelos indivíduos. No caso do construtivismo, Piaget (1975) postula que o desenvolvimento do indivíduo e a formação do conhecimento se baseiam num processo que busca o equilíbrio das estruturas cognitivas do sujeito. De forma mais específica, Piaget (op.cit) afirma que esse processo de equilibração se define em termos de duas ações complementares, por parte do sujeito: a assimilação e a acomodação. Por meio da assimilação, o sujeito age sobre os objetos a fim de assimilá-los/incorporá-los a suas estruturas cognitivas, o que modifica os objetos e provoca no sujeito uma reestruturação/acomodação de suas estruturas aos objetos. O autor acredita, portanto, que o desenvolvimento ocorre pelo equilíbrio das permutas mediatas entre sujeito e objeto (PIAGET, 1958, p.30), uma vez que as ações do sujeito sobre o objeto provocam modificações que, por sua vez, transformam também o sujeito.

Isso quer dizer que o conhecimento não nasce com o indivíduo, nem é dado pelo meio social, pois o sujeito constrói seu conhecimento na interação com o meio, tanto físico como social. Tais considerações evidenciam a razão de o trabalho de Piaget (op.cit) ter recebido críticas em relação à negligência dos aspectos sociais que

22 A teoria de Marx e Engels (1968) sobre o materialismo histórico e dialético defende que (i) as

transformações históricas na sociedade e na vida material produzem transformações na natureza humana e (ii) o trabalho humano e o uso de instrumentos são os meios pelos quais o homem transforma o meio, e ao fazer isso, transforma a si mesmo. Videhttp://www.marxists.org/portugues/marx/1868/03/28-ga.htm

influenciam a construção do conhecimento (BANKS-LEITE, 1993). Esse fato explica também por que muitos estudos na área da educação e da LA considerarem a combinação dos princípios do construtivismo àqueles da teoria sócio-interacionista ou sociocultural de Vygotsky (1978; 1999), que enfatiza o aspecto social. A perspectiva de Vygostsky (op.cit.) propõe que a construção do conhecimento e o desenvolvimento cognitivo ocorrem por meio da utilização de instrumentos que podem ser físicos ou psicológicos (como os sistemas simbólicos – língua/gem, escrita, sistema numérico). Segundo o autor,

o efeito, sobre o ser humano, do uso de tais instrumentos é fundamental não apenas porque o ajudaram a se relacionar com o ambiente externo de forma mais eficaz, mas também porque o uso dos instrumentos tem efeitos nas relações funcionais do cérebro humano. (VYGOTSKY, op.cit., p.133)

Observa-se, assim, a premissa de que o desenvolvimento humano ocorre pela interação com o meio, sendo essa interação mediada por instrumentos ou sistemas simbólicos. Mediação é, nesse sentido, uma atividade da cognição humana que interfere dialeticamente na relação entre sujeito-objeto, ou seja, a atividade humana sobre o meio não se faz de forma direta, mas por meio de instrumentos mediadores que promovem transformações, ao mesmo tempo, no meio e no sujeito. Tal conceito de mediação leva a uma imagem do desenvolvimento cognitivo como se fosse um processo em espiral, uma vez que passa pelo mesmo ponto a cada revolução enquanto avança para um nível superior (VYGOTSKY, op.cit. p. 56).

Essa imagem de um processo em espiral, que reconhece e valoriza o ponto inicial a fim de ascender a um nível superior, leva a outro conceito estabelecido por Vygotsky (op.cit.) para a compreensão do processo de desenvolvimento humano, que é a zona de desenvolvimento proximal (ZDP). A ZDP caracteriza a distância entre o nível de desenvolvimento real (determinado pela solução independente de problemas) e o nível de desenvolvimento potencial (determinado pela solução de problemas com o

apoio de um par mais competente). O apoio do par mais competente, por sua vez, ocorre por meio do fornecimento de andaimes (scaffolding), ou seja, estruturas de apoio que permitem ao par menos competente atingir um objetivo que estaria além de seus esforços. Observa-se, então, que o processo de desenvolvimento se caracteriza por um estágio de regulação pelo outro (atividade interpsicológica) até que o indivíduo alcance autonomia, ou seja, passe para um estágio de auto-regulação (atividade intrapsicológica), o que parece o processo inverso ao proposto pela perspectiva construtivista.

A respeito da questão sobre a relação entre os aspectos individuais x sociais no processo de aprendizagem, cumpre ressaltar Becker (1992). O autor afirma que não é possível valorizar o indivíduo, subestimando o poder de determinação da sociedade e, ao mesmo tempo, não se pode valorizar a sociedade, subestimando-se a capacidade de transformação do indivíduo e, portanto, a novidade cria-se na exata medida da relação dinâmica entre indivíduo e sociedade, entre sujeito e objeto, entre organismo e meio

(BECKER, op.cit., p.91). Em alinhamento com essa perspectiva, o projeto TTD concebe a aprendizagem de LE como construção de significados pelo indivíduo, de maneira singular, levando-se em consideração o papel da interação social mediada pela linguagem. A aprendizagem entre os pares, portanto, é vista como construção compartilhada de conhecimentos e o próprio conhecimento como co-construção de

significados (TELLES, 2005). Além disso, central à idéia de colaboração no contexto de

aprendizagem é o pressuposto de que a colaboração envolve alcançar uma meta que seria inalcançável sem o comprometimento do outro23 (SALTIEL, 1998). Tal

23 Aparentemente, esse é o principal argumento que diferencia colaboração de cooperação na

aprendizagem. Vários autores (WIERSEMA, 2000; FIGUEIREDO, 2006) apontam que a aprendizagem cooperativa pode ser descrita como uma técnica cujo principal objetivo é terminar a tarefa em grupo, ou seja, os alunos trabalham juntos, mas cada um tem uma função específica e pré-determinada a fim de minimizar o esforço dos membros do grupo.

pressuposto explicita o conceito de colaboração que está subjacente ao princípio de reciprocidade do TTD e, ao mesmo tempo, sugere a importância da ação individual e autônoma, por meio da definição das metas de aprendizagem. Vale lembrar que os participantes brasileiros do contexto TTD podem contar, também, com um professor- mediador para auxiliá-los em seu processo de aprendizagem. Dessa maneira, pressupõe- se uma relação de colaboração entre os pares de interagentes, assim como entre o interagente brasileiro e o professor-mediador, que desempenha o papel de par mais competente nas tentativas do aprendiz para se auto-regular.

Além da iniciativa do TTD, observam-se outras propostas que investigaram a aprendizagem colaborativa de LE no Brasil. Souza (2003, 2006) investiga a telecolaboração na aprendizagem de línguas em tandem e aponta que os casos por ele analisados apresentam grandes diferenças quanto à realização dos princípios e fundamentos teóricos que sustentam esse modelo de telecolaboração. Nos casos que o autor chamou de exemplares, ou seja, em que o princípio da reciprocidade operou de maneira harmônica, a interação diádica em tandem permite perceber claramente a noção de zona de desenvolvimento proximal, uma vez que o aprendiz de LE e seu par mais proficiente atuam conjuntamente para a co-construção do conhecimento, sendo que o par se alterna constantemente nesses papéis, promovendo benefícios para ambos. No entanto, os casos que o autor chamou de especiais mostraram baixa reciprocidade entre os participantes, o que resultou na não realização de uma experiência de aprendizagem verdadeiramente colaborativa.

De acordo com o autor, isso se deveu ao fracasso no estabelecimento de prioridades, de negociação e conciliação de interesses entre os parceiros, uma vez que o princípio de reciprocidade, assim como o de separação das línguas, são dispositivos de realização do princípio de autonomia. Tais considerações sugerem que nessa

modalidade de telecolaboração entre aprendizes de LE a colaboração está mais do que relacionada – está, na verdade, condicionada ao desenvolvimento da autonomia, conforme será discutido na próxima seção.

Em contexto presencial, Figueiredo (2005) relata um estudo sobre a correção de textos escritos em pares e a correção por meio de conferência (encontros para correção e discussão) com o professor. O autor ressalta que ambas as formas de correção favorecem a interação, a troca de idéias e possíveis soluções colaborativas para as dúvidas dos alunos. Além disso, o tipo de colaboração envolvida na atividade de correção parece promover, ainda, um sentimento positivo em relação aos erros, uma vez que os aprendizes percebem que todos cometem erros ao produzirem em LE. Em Figueiredo (2006), o autor retoma a questão da importância de se considerar a colaboração no processo de ensino-aprendizagem de LE, argumentando que atividades colaborativas tornam os alunos mais reflexivos, favorecem o desenvolvimento das habilidades intelectuais e afetivas, além de promoverem a interação e a autonomia

(p.28).

Ainda sobre o aspecto colaborativo da prática corretiva, Figueiredo e Assis (2006) tratam da questão afetiva ao investigarem a relação entre o trabalho de correção, a auto-estima e a atitude quanto à escrita entre alunos do último ano de um curso de Letras. Os autores apontam um aumento na auto-estima dos alunos quanto a sua capacidade de escrever em inglês, uma vez que o trabalho colaborativo entre os pares pode ajudar os aprendizes a perceberem (i) as estratégias utilizadas para expressarem suas idéias, (ii) a causa dos erros, (iii) os problemas enfrentados pelos colegas no processo de produção do texto, (iv) seus objetivos pessoais como aprendizes e (v) o aperfeiçoamento de sua competência como escritores.

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