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CAPÍTULO II: FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.2 O papel das diferenças individuais no processo auto-avaliativo

2.2.2 Estratégias de aprendizagem

Existem muitos trabalhos na área de aquisição de línguas que procuram definir estratégias de aprendizagem (EsA) e parece haver um consenso entre eles de que as EsA implicam um movimento consciente por parte do aprendiz em direção a um objetivo lingüístico. O´Malley e Chamot (1990, p.1), baseados em uma perspectiva cognitiva de processamento da informação, definem as estratégias de aprendizagem como pensamentos ou comportamentos especiais que os indivíduos utilizam para ajudá-los a

No que tange à teoria defendida por esses autores, vale destacar o reconhecimento de que a língua é uma habilidade cognitiva complexa cuja aprendizagem bem-sucedida pode ser explicada por modos específicos de processamento da informação. De acordo com os autores, os processos mentais envolvidos na aprendizagem são aqueles que levam à armazenagem de informações na memória de longo prazo. Tais informações podem se constituir em dois tipos de conhecimento: estático ou declarativo (conhecimento sobre a língua) e dinâmico ou processual (conhecimento sobre como usar a língua). Enquanto o conhecimento declarativo pode ser rapidamente aprendido, a aprendizagem do conhecimento processual é gradual e requer muitas oportunidades de prática, as quais evoluem de um estágio cognitivo (envolve apoio de um especialista e de esforço consciente por parte do aprendiz), para um estágio autônomo (em que a habilidade pode ser executada de modo automático, sem apoio, nem esforço consciente por parte do aprendiz). Sob essa perspectiva, as estratégias de aprendizagem de línguas seriam habilidades cognitivas que podem ser aprendidas a fim de tornar a aprendizagem mais eficaz.

Oxford (no prelo, p.2), por sua vez, parte de uma perspectiva de aprendizagem mais abrangente, que considera teorias cognitivas, metacognitivas e sócio- interacionistas. A autora define EsA como

ações ou ferramentas dinâmicas, auto-regulatórias e direcionadas a uma meta, podendo ser observáveis (ex. comportamento) ou não (ex. pensamento), as quais o aprendiz emprega com certo grau de consciência a fim de facilitar (ou melhorar) sua aprendizagem.

Observa-se que a autora propõe uma relação entre o uso das EsA e as metas de aprendizagem, o que também justifica o recorte proposto pelo presente trabalho que busca, ainda, observar essa relação em termos das crenças e da motivação.

No que tange aos modelos de classificação, podem-se observar semelhanças, mas não coincidência entre eles, uma vez que os autores propõem algumas categorias diferentes na descrição das EsA. Acreditamos, no entanto, que os modelos propostos por O´Malley e Chamot (1990) e Oxford (1990; 2007; no prelo) sejam os mais aceitos na área de Lingüística Aplicada, além de serem suficientemente abrangentes para os propósitos desta investigação, justificando a opção por incluí-los neste trabalho. Oxford (1990; 2007), que desenvolveu o Inventário de Estratégias para a Aprendizagem de Línguas (SILL – Strategy Inventory for Language Learning), propõe uma classificação

de seis categorias de estratégias, conforme se observa a seguir:

Quadro 04: Classificação das estratégias de aprendizagem, com base em Oxford (2007)

O modelo proposto por O´Malley e Chamot (1990), por outro lado, distingue três categorias de estratégias, dependendo do tipo de processamento envolvido, conforme mostra o quadro:

ESTRATÉGIAS DESCRIÇÃO

Cognitivas permitem ao aprendiz manipular, internalizar, reorganizar, transformar o material

lingüístico (ao tomar nota, resumir etc);

Metacognitivas usadas no gerenciamento do processo de aprendizagem, como planejamento, auto-

monitoração e auto-avaliação. A autora chama essas estratégias de guiding hand, por direcionarem o processo de aprendizagem.

de Memória ajudam no armazenamento e recuperação de informações novas por meio de

imagens, rimas, palavras-chaves etc.

De Compensação ajudam a superar um problema causado pela limitação lingüística, como gestos,

circunlocução etc.

Afetivas ajudam o aprendiz a gerenciar suas emoções e motivação ao falar sobre seus

sentimentos, por meio do pensamento positivo e/ou técnicas de respiração para controlar a ansiedade etc.

Sociais ajudam na aprendizagem com o outro, via interação, e na compreensão da cultura da

língua-alvo por meio de pedidos de esclarecimento, conversas com falantes nativos etc

Quadro 05: Classificação das estratégias de aprendizagem, com base em O´Malley e Chamot (1990)

A respeito do papel das estratégias no contexto TTD, vale lembrar Silva (2008) que investiga o uso das estratégias de aprendizagem (EsA) e de comunicação (EsC) por uma brasileira (aprendiz de espanhol LE), interagindo com uma argentina (aprendiz de português LE). De acordo com a autora, as EsC são empregadas para tentar resolver possíveis truncamentos comunicacionais na interação em língua estrangeira (p. 122).

Em seu trabalho, Silva (op.cit.) faz um mapeamento do uso das EsA e das EsC e suas possíveis implicações para o processamento do insumo em língua estrangeira. A autora conclui, entre outras coisas, que as EsC desempenharam um papel singular durante as interações a ponto de algumas poderem até mesmo ser consideradas como resultantes

de processos cognitivos que não os apontados pela literatura da área (p.13).

Em virtude da importância das EsC para o processo de aprendizagem neste contexto, apresentamos, a seguir, um quadro proposto por Silva (2008, p.120) que define e classifica as EsC. A proposta da autora integra os aspectos mais relevantes levantados na literatura sobre EsA e EsC, além de aspectos observados por sua investigação.

ESTRATÉGIAS DESCRIÇÃO

Cognitivas Operam diretamente no processamento da informação, manipulando-a a fim de

melhorar a aprendizagem (repetir e agrupar palavras; fazer inferência; resumir etc.)

Metacognitivas envolvem habilidades executivas de ordem superior que estão envolvidas no

gerenciamento (planejamento, atenção seletiva, monitoração e avaliação) de uma atividade de aprendizagem.

Sociais/afetivas grupo de estratégias que envolvem a interação com outra pessoa ou o controle

sobre aspectos afetivos (trabalho em pares ou grupos, pedidos de esclarecimento etc.)

Quadro 06: Taxonomia de EsC (SILVA, 2008, p. 120)

Estratégia de Comunicação

Definição Estratégias de ativação / compensação/ recuperação

Envolvem a tentativa de resolução de problemas comunicativos pela expansão das fontes comunicativas

Conceitual – solução baseada na compensação

Holística – relação do conceito com outro conceito de semântica similar

Aproximação Usa-se um item que compartilha algum aspecto semântico com o item desejado, mas que não é o correto.

Contigüidade semântica Usa-se um item que é “vizinho” ao item que se objetiva.

Analogia Usa-se um item ou estrutura semelhante ou com traços em comum para comunicar-se.

Antonímia Diz-se o contrário do item alvo.

Metonímia Altera-se o sentido natural das palavras pelo emprego da causa pelo efeito.

Sinonímia Usa-se um sinônimo do item ou estrutura.

Superordenação Realiza-se a ordenação dos constituintes para comunicar um conceito mais amplo.

Analíticas - análise do conceito com base em suas propriedades

Circunlocução Descreve-se o que se tenta comunicar.

Explicação Explica-se as funções do item.

Super-explicitação Explica-se, longamente, sobre o item que se quer transmitir.

Repetição Produz-se, repetidamente, para garantir a compreensão.

Exemplificação Fornece-se exemplos do item desejado para a produção de inferências pelo interlocutor.

Reformulação Reestrutura-se a oração ou item de modo a atingir o alvo comunicativo.

No código

Transferência e Morfo-criação – estratégias influenciadas por características da LM

Empréstimo Usa-se um item lexical da LM.

Estrangeirização Usa-se um termo ou estrutura da LM com características de outra LE, que não a aprendida.

Tradução Literal Traduz-se palavra por palavra para a LE.

Cunhagem de palavras Cria-se uma nova palavra para comunicar o conceito desejado, quando o aprendiz ignora o código em sua IIL.

Transferência de gênero Produz-se uma palavra da LE, mas que ainda conserva o gênero da LM.

Supergeneralização da IIL

Combina-se características da IIL e da LM, o que pode ocorrer também nos níveis pragmáticos e discursivos.

Estratégias de Redução/ Evasão Envolvem atitudes de não tomar risco Formal

Comunica-se um significado por meio de um sistema reduzido, para evitar produzir orações não-fluentes ou incorretas pela realização de regras insuficientes ou hipotéticas.

Funcional

Abandono da Mensagem Pára-se no meio da oração porque não se tem a proficiência para comunicar o item ou a estrutura.

Reorganização da mensagem

Fala-se “quase” o que se queria dizer, por isso, reorganiza-se a mensagem produzida.

Evitar o tópico Simplesmente não se fala sobre o tópico desconhecido. Estratégias Interativas

Envolvem interação com o outro para auxiliar o alcance da meta comunicativa

Pedido de ajuda Pede-se pelo item ou estrutura desejado ao parceiro.

Pedido de confirmação Pergunta-se se o item que se tem em mente é o correto.

Mímica / Gestos Usa-se estratégias não-verbais para comunicar o item.

Ostensão Mostra-se, por meio de sinais físicos (especialmente faciais), que não se conhece o item ou estrutura desejada.

Silva (2008) aponta que muitos usos estratégicos podem revelar problemas de acuidade lingüística (p.340), uma vez que (i) as EsA explicitam a maneira como o

aprendiz manipula o insumo e (ii) as EsC refletem as tentativas de comunicação de quem tem uma interlíngua em desenvolvimento. Isso, segundo a autora, otimiza as oportunidades de aprendizagem e de desenvolvimento lingüístico, principalmente quando o parceiro mais competente fornece o feedback apropriado.

Ainda a respeito do uso estratégico em ambiente tandem, vale ressaltar o trabalho de Otto (2003) que investiga as estratégias (de aprendizagem e de comunicação) em contexto tandem presencial. O autor afirma que, nesse tipo de contexto, o aprendiz não apenas precisa de um repertório de estratégias, como também precisa aprender a controlar e modificar esse repertório constantemente, o que só será possível se tiver acesso a sua metacognição (o conhecimento sobre como aprende). Uma vez que o contexto tandem promove a negociação e a verbalização das necessidades,

por parte do aprendiz, o autor espera que isso implique uma reflexão sobre o uso das estratégias, o que pode potencializar a capacidade do aprendiz para a regulação de seu aprendizado.

Apesar de reconhecermos a importância do sistema de estratégias (de aprendizagem ou de comunicação) para o processo de aprendizagem de LE, tendo em vista os objetivos deste estudo, voltamos nossa atenção para a categoria de estratégias envolvidas na regulação ou gerenciamento do processo de aprendizagem – as estratégias metacognitivas (EsM). A próxima seção discute a caracterização e o papel das EsM em relação aos estudos sobre metacognição e conhecimento metacognitivo.

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