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Avaliação psicológica versus Psicodiagnóstico

No documento O Serviço de Psicologia na Universidade (páginas 64-68)

Começaremos com uma discussão sobre as aproximações e distanciamentos entre o processo psicodiagnóstico e a avaliação psicológica uma vez que tendem a ser tomados como equivalentes.

Ao abordar a estrutura do processo psicodiagnóstico e sua dimensão clínica, os instrumentos de avaliação psicológica tomam distintas funções e especificidades.

O psicodiagnóstico é uma situação clínica por excelência que envolve avaliação psicológica, no entanto, nem toda avaliação psicológica constitui uma situação clínica. Retomaremos para uma maior clareza algumas definições.

A avaliação psicológica é definida pelo Conselho Federal de Psicologia como

Processo técnico científico de coleta de dados, estudo e interpretação de informações a respeito dos fenômenos psicológicos, resultantes da relação do individuo com a sociedade,

utilizando-se de estratégias psicológicas – métodos, técnicas e instrumentos. (Resolução CFP, 07/2003).

O psicodiagnóstico, por sua vez, é

Um diagnóstico psicológico clínico que se utiliza de técnicas e instrumentos de avaliação, de modo a obter o conhecimento mais preciso e profundo possível para atender a finalidade a qual se propõe. Deve permitir avaliar: forças e fraquezas no funcionamento psicológico, com um foco na existência ou não de psicopatologia. (CUNHA, 2000, p.22).

Enquanto uma atividade clínica, devemos relembrar que o termo clínica se origina do grego klinê – leito, e remete ao médico que, “à cabeceira do doente, examina as manifestações da doença para fazer um diagnóstico, um prognóstico e prescrever um tratamento" (DORON; PAROT, 1998, p.144-145).

De acordo com Figueiredo (1996), a atividade clínica psicológica se caracteriza pela qualidade da escuta e da acolhida que se oferece ao sujeito: a escuta e a acolhida do excluído do discurso e que, por isso mesmo, se apresenta como sintoma (individual ou social). No processo psicodiagnóstico se é convocado a atuar como psicólogo clínico, a adotar uma determinada postura diante do outro, em um contato direto com um sujeito que, em função de seu sofrimento, vem demandar, direta ou indiretamente, atendimento.

Uma vez retomadas essas definições, pode-se observar que nesta prática problematizam-se algumas questões que envolvem, por um lado, a complexidade da tarefa e, por outro, a emergência de temas bastante controversos, entre eles o significado e a função do diagnóstico e as relações deste diagnóstico com as críticas aos testes psicológicos.

Estar diante de um sujeito em sofrimento, ou de uma demanda sobre a existência ou não de uma alteração psicopatológica em um

indivíduo sobre o qual se fará uma intervenção, é estar frente a uma totalidade dinâmica e relacional em que o aluno/psicólogo deverá posicionar-se teórico e tecnicamente. Consequentemente, neste momento, a diversidade dos saberes psicológicos, suas diferentes matrizes, se farão presentes com maior intensidade e exigirá tanto dos supervisores quanto dos alunos a capacidade de suportar esta multiplicidade teórico-técnica e tirar dela os seus benefícios.

Será necessária a integração dos conteúdos das disciplinas cursadas anteriormente e, no nosso caso em particular, de algumas que ainda não foram vistas. Diante da pessoa real, será imperativo integrar os conhecimentos sobre desenvolvimento, personalidade, psicopatologia, processos psicológicos básicos, técnicas de exame psicológico (só para citar alguns), coerentemente, em cada base epistemológica que fundamenta cada linha teórica, e alinhá-las com as bases epistemológicas dos instrumentos disponíveis para a avaliação psicológica a serem utilizadas no psicodiagnóstico.

Essa integração é o que pode permitir o uso adequado das informações coletadas no processo, em uma base consistente, para a devida validade do diagnóstico e de sua função. Alchieri (2004) é muito preciso ao dizer que

A definição dos processos que embasam as alterações psíquicas, isto é, as dimensões a serem avaliadas ou medidas, os instrumentos construídos para abordá-las e o modo de construir a avaliação psicológica decorrente, serão definidos por uma representação teórico-metodológica própria e que concebe uma via própria de compreensão do fenômeno psicológico. Este processo possibilita a interpretação e a significação dos resultados obtidos mediante uma sintaxe própria (ALCHIERI, 2004, p. 38).

Dito de outro modo, a condução de um processo psicodiagnóstico e os instrumentos que serão utilizados variarão de acordo com a orientação

teórica do aluno e do psicólogo/supervisor que o conduz. Este será sempre um fazer psicológico que se pautará em concepções teóricas e metodológicas que se refletirão na postura frente ao sofrimento ou fenômeno psicológico que se apresenta. O diagnóstico, portanto, poderá ser obtido através de técnicas distintas apoiadas em, no mínimo, uma concepção psicopatológica específica (AFFONSO, 2005).

Há um agravante a mais, que não deve ser desconsiderado, e que diz respeito ao lugar dos testes e técnicas de avaliação psicológica nos cursos de psicologia. Esses instrumentos, apesar de serem de uso privativo, em muitas situações parecem ter perdido sua atratividade entre os psicólogos em formação, que tendem a ter certa “aversão” aos mesmos, e isto se torna mais patente por ocasião da prática do psicodiagnóstico. A crítica contundente, e por vezes questionável, do cientificismo dos testes psicológicos, em particular em relação às técnicas projetivas, colocou sua validade em questão e ampliou a desconfiança em relação ao seu uso, o que compromete cada vez mais o seu aprendizado e sua aplicação de maneira adequada e coerente.

O desinteresse e o esvaziamento das disciplinas voltadas para a aprendizagem das técnicas de exame psicológico (em alguns currículos mais recentes, estas passam a ser disciplinas optativas), resultam em um número cada vez menor de profissionais realmente habilitados nas mesmas, inclusive para o seu ensino. Por outro lado, não raro, as primeiras experiências laborais de psicólogos recém-formados envolvem algum tipo de avaliação psicológica e seu pouco treinamento e perícia acabam por alimentar um ciclo vicioso.

Paradoxalmente, observa-se um crescimento na construção e uso de escalas de avaliação psicológica entre psiquiatras, neurologistas, psicopedagogos e até mesmo administradores e mercadólogos.

Não estamos com isso supervalorizando os testes psicológicos, mas destacando aquilo que, do ensino, se decanta como dificuldade e merece reflexão. Os testes e técnicas de avaliação psicológica foram construídos como instrumentos de investigação, cujo valor reside na adequada

leitura e integração de seus resultados em uma dada forma de compreensão do funcionamento psíquico, que vêm em auxílio da comprovação, ou não, de uma suspeita diagnóstica que deve, obrigatoriamente, precedê-los.

Compreendidos deste modo, a escolha de uma técnica passa pela orientação teórico-metodológica do profissional e pela necessidade de investigação de cada caso e não pela simpatia ou antipatia do profissional.

É, infelizmente, ainda comum a utilização de uma bateria previamente definida para todos os casos ou, ainda mais grave, a utilização dos testes como um escudo frente a uma insuficiência do profissional na apreensão do caso, delegando ao instrumento a formulação da hipótese diagnóstica.

A partir deste ponto, abrem-se duas dimensões importantes no ensino do processo psicodiagnóstico, que daqui em diante denominarei de diagnóstico psicológico. Essas duas dimensões dizem respeito à questão do diagnóstico e do lugar e função das entrevistas neste processo.

No documento O Serviço de Psicologia na Universidade (páginas 64-68)