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Os dois lados da moeda: entre o que falo e o que faço

No documento O Serviço de Psicologia na Universidade (páginas 141-149)

para emitir o comportamento aprendido, pois se ele discriminar quais são as variáveis cujo modelo é função, não precisará de sua presença para emitir o comportamento, selecionando outros modelos de res-postas similares (DERDYK; GROBERMAN, 2004).

A mudança comportamental não é imediata, é um processo em que se necessita observar a resposta da criança, a resposta do outro, co-nhecer a história de aprendizagem e a definição de estímulos discrimi-nativos à emissão dos comportamentos adequados, associado à presença de modelos pró-sociais (CABALLO, 2003; BANDURA, 1969). É um processo que envolve observação do comportamento anti-social, conhe-cimento da história de aprendizagem e apresentação sistemática de es-tímulos discriminativos à emissão de respostas pró-sociais (SKINNER, 1981/2007; CABALLO, 2007; FRIEDBERG; MCCLURE, 2004).

Nesse contexto, para aumentar a probabilidade de uma resposta é preciso aumentar a taxa de reforços não-contingentes e também de reforços para uma resposta e para o comportamento-alvo (SOUZA, 2001).

Nos atendimentos, os pais e professores são treinados a visu-alizarem os eventos que aumentam a probabilidade de ocorrência futura de uma resposta, chamados de estímulos reforçadores, cujas características definidoras consistem em seguir uma resposta e fazer com que ela ocorra mais frequentemente, isto é, fazer com que seja mais provável no futuro (DELETTI; THOMAZ, 2004). Segundo Skinner (1981 [2007]), os eventos reforçadores são de dois tipos:

positivos e negativos, sendo os positivos aqueles que consistem na apresentação de um estímulo para emissão de resposta e os negativos aqueles que são removidos para a emissão da resposta.

As intervenções, nesse contexto, concentram-se em desmistifi-car a etiologia do comportamento inadequado das crianças – patologia e/ou herança – e refletir sobre a aprendizagem desses comportamentos, os quais ocorrem na dinâmica cotidiana. Ou seja, cabe reconhecer que as crianças aprendem por imitação de modelos que, de maneira geral, con-centram-se nos pais e educadores que estão mais próximos e fazem parte do seu cotidiano. Deste modo, comportamentos desadaptativos dos pais/

educadores socialmente reforçadores são constantemente imitados, levan-do a criança a agir de maneira indesejável. Isso porque o comportamento infantil, assim como o dos demais sujeitos, se mantém porque está sendo

reforçado, seja por reforço direto, através da utilização de um reforçador social: a atenção (FRIEDBERG; MCCLURE, 2004; BANACO, 2004), seja através da observação de modelos reforçadores (CABALLO, 2007;

BANDURA, 1969). Isto é, ainda que o objetivo seja a repreensão e, por-tanto, a diminuição do comportamento desajustado, os pais/educadores acabam por reforçá-lo através da atenção dispensada a ele.

A todo momento, chegam ao Serviço de Psicologia sujeitos cuja história revela a relação entre a aprendizagem por observação de mo-delos e o uso inadequado de reforços na constituição de comporta-mentos anti-sociais nas crianças. Uma mãe inscreve sua criança para atendimento psicoterápico, encaminhada pela escola, e queixa-se das respostas agressivas da criança – diante de situações de frustração, a criança xinga, grita, bate, puxa objetos dos colegas e professores. A mãe descreve a criança como “má”, colocando-se como vítima da si-tuação, e afirma que a criança “faz questão de me aborrecer, pois sabe que sou doente”, atribuindo à escola a responsabilidade em “não saber lidar com as crianças difíceis”. Durante os atendimentos a genitora emite comportamento verbal e não verbal desadaptado; fala alto, gesticula muito com os membros superiores e inferiores, principal-mente quando as questões são direcionadas às consequências dos comportamentos da criança, sejam eles adequados ou não. A crian-ça, em atendimento individual, como a mãe, responde verbal e não verbalmente inadequadamente às intervenções que questionam a possibilidade de emissão de padrões de respostas pró-sociais.

Bolsoni-Silva e Marturano (2002) afirmam que, diante da au-sência de contingências reforçadoras positivas no ambiente familiar e escolar, a criança observa as relações parentais permeadas de mo-delos agressivos e reproduz as respostas desadaptadas aprendidas.

Nessa circunstância, a punição exerce função de reforço, pois a co-loca em situação de destaque, o que é discriminado como reforçador pela criança (CABALLO, 2007; BANDURA, 1969). Deste modo, a punição da mãe ou da escola passa à condição de reforçador social

desadaptador, pois a criança é colocada em evidência (FRIEDBERG e MCCLURE, 2004).

É possível depreender que os comportamentos disfuncionais apresentados pela criança são produto das contingências de reforço presentes no ambiente familiar e escolar. Essa dinâmica serve como mantenedora dos comportamentos aprendidos, seja por observa-ção de modelo, seja por reforço. Em relações familiares/escolares compostas de comportamentos agressivos, coercitivos e negligentes, em que os adultos têm expectativas de autonomia da criança, as re-gras sociais promovem respostas inadequadas por parte das crianças (FRIEDBERG e MCCLURE, 2004). Tais comportamentos interfe-rem em todos os membros da família e acaba por fazer supor que a criança é responsável por todas as dificuldades da família e na escola (STALLARD, 2004).

Esse padrão de aprendizagem define que o comportamento imitativo é generalizado para outras situações; que promove, na criança, respostas autônomas, sem atenção às regras; e, portanto, produz respostas desadaptadas, agressivas, em que se dirige a res-ponsabilidade do processo ao outro. A escola deve entrar como um novo modelo de aprendizagem e apresentar contingências de reforço à emissão de comportamentos adequados, já que a apren-diz necessita cada vez menos da presença do modelo para emitir o comportamento aprendido, caso aprenda a discriminar quais as va-riáveis de que o modelo é função (SKINNER, 1981/2007; DER-DYK; GROBERMAN, 2004).

Neste sentido, a criança consegue discriminar os comportamen-tos familiares que são reforçados e em quais contingências, de maneira a repetir o modelo fora da presença materna. A tolerância do ambiente social para com os comportamentos agressivos da família ou a atenção recebida diante de posições de vitimização são reforços sociais que justi-ficam a manutenção destes comportamentos, servindo de modelo para a criança. As intervenções devem alterar essa dinâmica, expondo a família e

a escola a práticas contingencialmente reforçadoras de comportamentos pró-sociais, isto porque ao aprender comportamentos novos ou modifi-car antigos por meio da observação do modelo, existe a possibilidade de os sujeitos serem reforçados pelas mesmas consequências que reforçam o comportamento do modelo (SKINNER, 1981 [2007]; DERDYK;

GROBERMAN, 2004; BANDURA, 1969).

Além disso, os efeitos inibitórios ou desinibitórios dependerão da observação do comportamento do modelo e suas consequências, que podem fortalecer ou enfraquecer as respostas anteriormente presentes no repertório do observador. Isto é, quando os compor-tamentos dos modelos geram consequências positivas, com ganho de estímulos reforçadores, a imitação da criança é reforçada, sendo o contrário também verdadeiro (DERDYK; GROBERMAN, 2004;

BANDURA, 1969 [1979]). Assim, a proposição das intervenções são dirigidas mais especificamente aos familiares e educadores, já que é preciso não apenas modificar as respostas dos modelos, mas é essencial que a criança aprenda a selecionar novos modelos. Os mo-delos deverão aprender a emitir respostas que gerem consequências positivas e que possam servir de referência para outros momentos (BAUM 1994 [1999] apud DERDYK; GROBERMAN, 2004).

É importante ressaltar que a imitação é um processo natu-ral e uma forma de comportamento governado por regras, sem as quais a criança pode não adquirir uma série de comportamentos socialmente relevantes em seu meio. Não obstante, uma carac-terística importante deste processo é a seletividade, que facilita a aquisição de comportamentos mais adaptativos; por sua vez, copiar indiscriminadamente pode não gerar qualquer beneficio para o indivíduo.

É preciso considerar a falta de maturidade cognitiva da criança para utilizar o processo de seletividade (DERDYK; GROBERMAN, 2004). Isto porque a criança se utiliza de diversas estratégias com o objetivo de obter reforço, sendo, portanto, movida por reforçadores

sociais, obtidos nas relações constituídas. Entretanto, em alguns casos, o único modo de obter reforçadores sociais é através da emissão de comportamentos disfuncionais, ou seja, a criança só consegue aten-ção através de comportamentos que causam problemas em seu conví-vio social, como comportamentos agressivos, sendo conví-violenta consigo ou com os outros, falando muito alto, entre outros (FRIEDBERG;

MCCLURE, 2004). É necessário, portanto, tornar pais e educadores competentes para observarem os comportamentos das crianças e para oferecer respostas reforçadoras a comportamentos adequados, consi-derando as habilidades e maturidade das crianças.

O comportamento inadequado da criança é mantido na ausên-cia de reforços adequados, pela utilização de punições físicas e psico-lógicas constantes com função de reforço. Logo, as contingências de reforçamento mal aplicadas interferem negativamente na resposta in-fantil ao ambiente (FRIEDBERG; MCCLURE, 2004), de tal forma que a tarefa mais árdua do processo de treinamento de pais e educado-res é motivá-los para a emissão de educado-respostas ativas a ações específicas.

O terapeuta iniciante tem que ser reforçador às possibilida-des de mudança, pois tem como força opositora a comodidade de atribuir aos outros os comportamentos disfuncionais das crianças.

Implicar-se e reconhecer o seu papel não apenas enquanto agente modelador, enquanto agente de reforço aos comportamentos desa-daptativos, mas também, e principalmente como agente transforma-dor, de mudança, de si mesmo e do outro.

Referências

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Publicado originalmente em 1981.

No documento O Serviço de Psicologia na Universidade (páginas 141-149)