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Considerações Finais

No documento O Serviço de Psicologia na Universidade (páginas 57-63)

impossível que se coloca em relação ao fazer clínico, torna-se possível conceber o espaço de apresentação dos TCCs como um dispositivo de transmissão da psicanálise, visto que lança para primeiro plano o reconhecimento da singularidade do caso e a necessidade de invenção frente à clínica. É por meio do reconhecimento do impossível de um saber geral sobre o que há de mais singular no sujeito – seu sintoma – que um saber contingente e particular virá a se constituir. Faz-se necessário, portanto, distinguir impossível de impotência (LACAN, 1969-1970 [1992]), pois caso desconheça o ponto de impossível em questão, o estudante tomará como impotência – sua e/ou da orientação teórico-clínica – a experiência de atendimento clínico.

Ao colocar a clínica em primeiro plano, a prática psicanalítica de supervisão permite problematizar a relação professor-aluno, orientador-orientando e supervisor-supervisionando, deslocando ambos os termos desta relação e trazendo para a discussão as regras e modos de funcionamento do estágio psicanalítico na universidade.

Cabe ao supervisor sustentar o questionamento sobre os limites da transmissão em psicanálise no espaço da universidade, em especial em relação às práticas desenvolvidas em uma clínica-escola. Colocar tal questão implica, em última instância, questionar os modos de transmissão da psicanálise em diferentes serviços e em relação a diferentes discursividades – aqui se encontra o jogo tensional entre psicanálise e universidade, em especial em relação ao saber.

E, de modo complementar, implica pensar a possibilidade da prática psicanalítica e sua ética para além do modelo tradicional de atendimento em consultório.

efetiva por meio de dispositivos que viabilizem o reconhecimento do inconsciente em uma experiência concreta de seus efeitos sobre o sujeito.

Essa proposição se sustenta necessariamente no tripé psicanalítico – estudo teórico, experiência clínica e análise pessoal – sendo acrescida da prática regular de supervisão. Embora inserida no campo da psicanálise desde a fundação do Instituto de Berlim, a supervisão tem sido pouco discutida em sua especificidade (MENDES, 2012). Visando trazer algumas reflexões sobre a supervisão da prática psicanalítica que se desenvolve na universidade, o presente artigo problematiza a relação com o saber instituído na universidade e o saber contingente, na perspectiva psicanalítica.

No contexto da universidade, a supervisão deve ser pensada em relação à transferência estabelecida entre supervisor e aluno, ao desejo do supervisor-analista em seu efeito de transmissão da psicanálise e à ética que guia a condução do caso. No percurso a ser construído a cada novo período de estágio e a cada novo aluno acolhido no grupo de supervisão, mostra-se imprescindível que a relação transferencial entre supervisor e estagiário suporte o questionamento dos limites de saber, demarcando o impossível em questão no fazer clínico. Cabe ao supervisor a manutenção do hiato entre saber universal e clínica, escutando a pergunta formulada por cada estagiário, fazendo-a girar e colocando em questão a prática clínica. Mas tal operação só se tornará factível se o estagiário estiver em análise pessoal, de modo a reconhecer os efeitos do inconsciente em sua concretude clínica e podendo vir a questionar as razões de sua escolha por esta modalidade de “estágio profissionalizante”. Após o fim do estágio, desobrigado da regulação institucional, é o desejo do analista quem vai sustentar a relação do praticante com a psicanálise e isso só se constitui como efeito de análise.

Quanto à transmissão da psicanálise na universidade, o analista que se insere nesse espaço deve se haver necessariamente com seu desejo frente à psicanálise em extensão e fazer cargo de um modo de enunciação que implica, não apenas o outro a quem se endereça e sua

própria posição enunciativa, mas uma dada relação com o saber. É nesse sentido que a escrita e apresentação dos TCCs também pode vir a se constituir como modo de transmissão da psicanálise no espaço acadêmico ao possibilitar a sobreposição entre debate teórico e discussão clínica, demonstrando o caráter de invenção do fazer clínico que não se restringe a um saber instituído ou a modelos prévios de diagnóstico e intervenção.

Cabe a cada analista que pretende realizar uma prática psicanalítica efetiva na universidade a sustentação de um espaço de questionamento contínuo quanto aos impasses dessa prática e às possibilidades de invenção na clínica em diferentes espaços acadêmicos, como o serviço de psicologia. Caso se furte a uma discussão ética e política sobre suas ações como supervisor na universidade, o analista corre o risco de manter uma prática de autoridade sustentada na verticalidade das relações instituídas no ambiente acadêmico, pois, como nos alerta Lacan (1956 [1998], p.

592), “a impotência em sustentar autenticamente uma práxis reduz-se, como é comum na história dos homens, ao exercício de um poder”.

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