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Bacia: Centro de Gravidade e Espaço de Poder

II. Medusa ao Reverso: O Caminhar

II.2. Recontando o Recontar de Histórias: Diário de Criação

II.2.8. Bacia: Centro de Gravidade e Espaço de Poder

[...] Suas ancas têm o jogo incessante Das ondas que a tormenta castiga Ou, de languidez pejadas, A indolência das ondas dormidas. (SILVESTRE, 1897 apud CHAPELLE, 1990, p.140)

Já durante o mês de dezembro de 2014, foi realizado o estudo do terceiro e quarto vetores, localizados nos ossos púbis e sacro. Ambos foram trabalhados de maneira conjunta até mesmo pela própria conformação da ossatura da bacia, que é constituída pelos ossos púbis, sacro e ilíacos, formando uma espécie de cilindro, sendo que o direcionamento de qualquer uma das partes propiciará reações no posicionamento das demais. Assim, a direção do osso púbis reverberará diretamente na direção do sacro e vice-versa. Dessa forma, pode-se resumir esses dois vetores da seguinte maneira:

Terceiro vetor: Púbis.

Ação: Direcionamento do osso púbis para cima ou para baixo, dependendo da

necessidade.

Reação: Em situação de sustentação, o direcionamento do osso púbis para cima

ativa a musculatura abdominal liberando a musculatura posterior da região lombar da coluna. O vetor chama o posicionamento da bacia para cima dos pés e acorda a percepção do centro de gravidade do corpo. Em situação de flexibilidade da coxofemoral, o direcionamento do osso púbis para baixo pode liberar as articulações do quadril, facilitando a inversão da bacia e a oposição entre ísquios e calcanhares, em situação de alongamento da musculatura posterior.

Quarto vetor: Sacro.

Ação: Direção do osso sacro para baixo ou para cima, dependendo da necessidade

postural de cada corpo. Complementa o terceiro vetor pelo fato de que ambos os vetores situam-se no osso da bacia. Em sustentação: direcionamento do osso sacro para baixo, o que colabora para o encaixe da bacia. Em situação de flexibilidade e alongamento da musculatura posterior: direcionamento do osso sacro para cima.

Reação: Liberação da musculatura posterior possibilitando o encaixe da bacia sobre

os pés, ampliação da percepção e da atividade da musculatura das costas; ganho de espaço articular entre as vértebras. Ganho de equilíbrio como consequência do alinhamento entre ísquios e calcanhares; percepção da presença do centro de gravidade do corpo. Em situação de flexibilidade e alongamento da musculatura posterior, o vetor ajuda na liberação e ganho de espaço articular nas articulações do quadril, ajudando também, nessa situação, a conquista de oposição e espaço articular entre os ísquios e calcanhares. (BRASIL, 2014, p. 205)

Ambos são móveis, ou seja, possuem variações de acordo com a postura corporal e com as necessidades de cada corpo. Quando acionados, em qualquer postura, ativam a percepção do centro do corpo, conhecido como “centro de gravidade corporal”.

Não poderia deixar de destacar, tendo em vista que esta pesquisa entrelaça mito e corpo, as especificidades simbólicas da bacia da mulher em função das temáticas míticas femininas – as várias deidades que adentraram o meu processo –, além do meu próprio corpo feminino em questão.

A bacia, na mulher, além de ser o centro gravitacional do corpo, é tida simbólica e miticamente como um “centro de poder”, visto que abriga os órgãos reprodutivos femininos: a vagina – relacionada ao ato sexual, mas também ao parto – e os órgãos internos – o útero, os ovários, as tubas uterinas, enfim, todos os órgãos relacionados diretamente à sexualidade feminina e sua capacidade de geração de vida. Esta era tida, em sociedades mais arcaicas, como um poder sobrenatural exclusivo das mulheres, visto que os homens ainda não tinham consciência da participação do esperma na fecundação, o que tornava o ser feminino e, em especial, a sua bacia, um continente de elementos sagrados.

Mas, mesmo após o reconhecimento da necessidade do homem na procriação, a gravidez continuou sendo um momento mítico dentro do ciclo de vida da mulher. E, estando o útero e os ovários – órgãos mais diretamente relacionados à geração de vida – situados na bacia, esta acaba sendo relacionada ao milagre mítico da criação. A bacia feminina sempre foi tratada pelas culturas antigas como algo sagrado. Além disso, o ciclo menstrual da mulher, independentemente de chegar ou não à gravidez, também carrega em si o caráter mítico do tempo, dividido em ciclos contínuos que nunca cessam, mas sempre recomeçam.

Por ser mais larga do que a bacia masculina, essa estrutura óssea é, muitas vezes, comparada com um vaso cerimonial nas culturas antigas – um verdadeiro abrigo e proteção para algo sagrado. O próprio osso sacro recebe esse nome por sua relação com alguns ritos de incorporação de distintas etnias, nos quais se acredita que a deidade invocada penetra o corpo do intermediário (a pessoa que incorpora a entidade) pelo osso sacro (isso tanto em homens, quanto em mulheres). Todas essas relações míticas existentes no corpo humano, no entanto, não são abordadas dentro do estudo da técnica Klauss Vianna, a qual se atém ao estudo das ossaturas e de seus direcionamentos. Mas, dentro do contexto desta pesquisa, essas relações fazem sentido, afinal, discutimos aqui a relação intrínseca entre o corpo humano e a origem da grande maioria dos mitos.

Voltando agora nosso foco às ossaturas, ressalto o quanto fico fascinada com o mapeamento sugerido pela Técnica Klauss Vianna de aplicação dos vetores pelos ossos púbis (terceiro vetor) e sacro (quarto vetor). A localização de ambos, um anterior e outro posterior,

permite que a pessoa se direcione por um ou pelo outro, dependendo de qual dessas informações fizerem mais sentido para o si. A sinergia existente entre ambos propicia, após algum tempo de intimidade, um equilíbrio de forças, despertando tanto a porção anterior quanto a posterior do corpo. Conquista-se, assim, a tridimensionalidade.

Com o quarto vetor (sacro), despertamos a presença e a projeção das costas. Ganha- se estabilidade e base de equilíbrio com referência à musculatura posterior (quarto vetor). Já com o terceiro vetor (púbis), o foco está no abdome, garantindo a percepção da pelve como dirigente do movimento. (MILLER- 2007, p. 83)

Além de acordar a percepção do centro do meu corpo e a relação deste com o espaço, o trabalho com os vetores da bacia fez com que o meu processo, literalmente, ganhasse pernas. Não havia, até então, movimentações expansivas dos membros inferiores; e foi a partir dos laboratórios focados no terceiro e quarto vetores que passei a utilizar as pernas de maneira mais ampla e em posturas de sustentação de equilíbrio. Isso porque, tecnicamente falando, eu estava mais apta à manutenção dessas posturas desafiadoras, pois começava a tomar consciência do meu centro de equilíbrio. Sem dúvidas, a ativação do centro gravitacional ativou o caráter mítico dessa região – meu “centro de poder” –, potencializando, de maneira muito significativa, o ‘poder expressivo’ do meu movimento.