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Presença, Articulações e minhas ‘Conchas-Ondas-Mãos’

II. Medusa ao Reverso: O Caminhar

II.2. Recontando o Recontar de Histórias: Diário de Criação

II.2.1. Presença, Articulações e minhas ‘Conchas-Ondas-Mãos’

Figura7– Aurora Camille Claudel

Figura 8 - Níobe Ferida Camille Claudel

As mãos relaxadas no chão são pequenas conchas marítimas. Elas contêm algo. Talvez algum segredo. Ou o murmúrio do mar. Dessas conchinhas nasce um dedilhado dos dedos que se articulam, empurram o chão e toda a mão ondula – as conchinhas viram ondas. E esse movimento se expande para o antebraço que descola do chão. As ‘conchas-ondas-mãos’ ganham altura; até que, de súbito, uma onda vinda da região torácica se rebenta e leva o tronco em extensão para trás - surge a Sereia que, com seu uivo tenebroso, mira de maneira invertida e ébria os humanos que a miram.

Até que findo o uivo, a Sereia torna-se novamente concha e gira sobre a areia...ou seria um torvelinho de água dentro do mar?

Mas, aos poucos, a concha reabre e dela desabrocha Aurora mirando o infinito que emerge da diagonal alta.

Aurora uiva um uivo fragmentado que nasce dos movimentos parciais da coluna - espasmos que se somam num crescente, até que explodem num movimento total em nível baixo.

Um feto – o corpo em posição fetal vai se arrastando pelo apoio ativo. Cresce lateralmente. Ganha a verticalidade. E aos poucos, transmuta- se em Níobe Ferida.

Talvez seja a criatura perdida transmutando-se em seu criador. A mão esquerda de Níobe ondula.

E como a Sereia uivante, ela também mira invertida e ébria os humanos atrás de si.

Até que a gravidade a sugue para o solo; e ela transmuta-se novamente em feto.

Agora é o criador novamente como criatura [...]

(Diário de Criação de Kamilla Mesquita, dia 11 de junho de 2014)

Nesse primeiro mês, excepcionalmente, o enfoque se deu em dois temas corporais – presença e articulações. Tendo-se em vista que o tema corporal presença é inerente a todo o processo, o mesmo já foi trabalhado desde o início em consonância com o tema articulações e continuou a ser trabalhado ao longo de todo o processo, aliado aos demais temas, visto que está relacionado à construção de um corpo sensível e aberto aos estímulos fornecidos pelo ambiente, aos seus movimentos internos e às sensações táteis.

[A presença] É um assunto abordado em sala de aula que envolve o treino da percepção corporal por meio das mínimas sensações detalhadas e evidenciadas, como num efeito lupa – amplificar o que é sentido –, desenvolvendo a capacidade de interiorizar os pormenores e abrir o canal das pequenas percepções para dançar. (MILLER, 2012, p. 49)

Enfim, é a construção de um corpo ativo que se faz presente na cena, isto é, um corpo atento às suas sensações no tempo presente. Ousaria comparar aqui o estado de presença com algo mencionado por Campbell como “um lugar de repouso dentro de si”

Há um lugar de ”repouso” dentro de você mesmo. Disso eu entendo um pouco por conta do atletismo. O atleta que está na sua melhor forma tem um lugar tranquilo dentro dele mesmo. E é daí que se origina a sua ação. Se está apenas no campo da ação, ele não tem um bom desempenho. Há um centro a partir do qual agimos. Minha mulher, Jean, que é bailarina, me diz que isso também é verdade na dança. Existe um centro que você precisa conhecer e preservar. A pessoa o reconhece fisicamente, com clareza. Mas enquanto não o encontra você fica dividido e tenso. A palavra que Buda utiliza é Nirvana. Nirvana é um estado da mente. Não é um lugar, como o céu. Não é algo que não esteja aqui. Está bem aqui, no centro do furacão, no meio do samsara – o redemoinho das condições de vida. [...]. É quando você se apoia no próprio centro e age a partir dele. (MOYERS, 1988, s/p)

Um centro que se precisa conhecer e preservar; esse “lugar de repouso”, o qual eu, como bailarina, preferiria chamar de “lugar de ação”, embora entenda o que Campbell quis dizer (um sentido de estar em casa, de verdadeira apropriação). É interessante como o autor se refere a esse lugar dando como exemplos situações de trabalho corporal, seja o atletismo ou a dança. Trata-se, de fato, de um lugar dentro de si próprio, no qual a pessoa verdadeiramente se conecta consigo mesma, suas ações, ao espaço e ao tempo (que, inevitavelmente, é o tempo presente).

Essa busca por um estado de presença talvez tenha influenciado minha escolha inicial de deitar-me no chão, abrir os braços e simplesmente tentar abrir-me para mim mesma e para o que o meu corpo ansiava por dizer. Lembro-me que no primeiro laboratório permaneci quase o tempo inteiro nessa postura, percebendo uma sutil e potente dança que acontecia dentro de mim – a movimentação das costelas, do diafragma, um ínfimo movimento das narinas, suaves movimentos peristálticos – e, aos poucos, a partir dessa dança interna de vísceras e pulmões, sutis movimentos articulares foram surgindo. Então os dois temas corporais juntos – presença e articulações – foram conduzindo a investigação.

O tema articulações pode ser dividido em “movimento parcial”, que propicia o isolamento e a exploração das possibilidades de movimento existentes em cada articulação do corpo isoladamente, e “movimento total”, que é a exploração de diversas articulações de maneira simultânea.

Cada articulação eleita para o movimento, ora os metacarpos, ora as articulações dos punhos, ora a articulação do pescoço, enfim, cada parte do corpo tornou-se um mote no exercício do movimento parcial, preparando o corpo para a mobilização de várias articulações no movimento total. Este exige maior consciência e controle para a coordenação de vários focos motores ao mesmo tempo.

O corpo vai tomando consciência do encontro de cada uma de suas dobradiças e da sua maleabilidade integral na ativação de cada uma dessas articulações de maneira isolada ou simultânea. Conforme Miller (2007, p. 64), “além da consciência do modo de conexão entre dois ou mais ossos e sua mobilidade, o esqueleto vai ganhando uma dimensão de suporte do corpo como um todo, como um sistema integral, uma parte interfere na totalidade”. E foi assim, num crescente, com cada pequena parte influenciando a movimentação de outra e mais outra, que fui construindo essas primeiras movimentações – dedos, punhos, antebraços. Até que aquele movimento das costelas, antes sutil, se revelou como uma grande onda emergindo da região do esterno, e o ar, que antes era apenas uma respiração basal, fugia dos pulmões na forma de um assobio um tanto uivante, triste e, talvez, um tanto atemorizante. O som me remeteu imediatamente ao toque uivante da flauta de Lígia – uma das três sereias da mitologia grega –, além de me fazer lembrar, também, da Tocadora de Flauta (1904).

A Tocadora de Flauta, uma das últimas obras de Camille – sua preferida, segundo Blot – reflete o estilo da artista em sua plenitude e alcança a harmonia da perfeição. Sereia. Ainda uma vez as ressonâncias míticas inspiram o tema: uma flautista, de canto medusante, serve de pretexto para a expressão de um desejo. É preciso se perguntar por que perdura o jogo da sedução. Por que ainda a inspiração mitológica se reencontra nessa escultura com uma espantosa constância? Qual é, pois esta misteriosa alquimia que preside à presença desta mulher musicista? (CHAPELLE, 1998, p. 160)

A Tocadora de Flauta claudeliana não possui a cauda de peixe, mas emana de si uma inegável qualidade de sereia e, em algumas cartas de Camille Claudel, ela se refere a essa obra através deste nome. É de maneira antropomorfizada (com pernas humanas) que a artista reconta o mito dessas sedutoras filhas de Terpsícore. Em uma das versões do mito, conta-se que as sereias são filhas da Musa da Dança com o rio Arquelôo. São seres híbridos que herdaram a fluidez aquática do pai e a feminilidade sedutora da mãe. Sedução perversa, visto serem capazes de atrair qualquer homem que lhes ouça para a morte. “Tal é o sentido do canto das Sereias, cujas vozes harmoniosas arrastam os infelizes que sucubem à sua melopéia. É ainda através do mar que, confundidas com a música da onda, as Sereias fazem ouvir seu canto falaz – sedução perversa que leva para a morte” (CHAPELLE, 1998, p. 146).

São três as sereias, “[...] hábeis músicas e cantoras: Partênope dedilhava a lira; Leucósia cantava e Lígia tocava flauta” (BRANDÃO, 1991, p. 376). Camille Claudel, nessa obra em particular, esculpe apenas uma das irmãs, mas é interessante observar que em outro de seus aquosos trabalhos – A Onda –, sobre o qual discorrerei mais adiante, a artista

representa a tríade feminina, tão comumente encontrada na mitologia (três Sereias, três Moiras do Destino, três Gréias e três Górgonas). De maneira interessante, Chapelle aproxima a sereia claudeliana a uma das górgonas, Medusa, ao mencionar “uma flautista de canto medusante”, canto falaz que seduz, hipnotiza e, inevitavelmente, leva à morte.

Esse assobio surgiu assim, numa efêmera referência à flauta de Lígia, concomitantemente ao movimento parcial do crânio. No entanto, ao longo de todo o processo, esse uivo de sereia reapareceu de diferentes maneiras, tornando-se um som constante, quase como uma paisagem sonora que embalava a minha dança e, inegavelmente, a potencializava.

Esses assobios ganharam tamanha importância dentro do processo que, em determinado ponto, começaram a ser adotados como uma espécie de rito prévio para os laboratórios criativos. É como se assobiando antes de dançar eu evocasse a inspiração da mãe das sereias, Terpíscore, que vinha atender ao chamado, similar ao de suas filhas.

Curiosamente, já após muito tempo de utilização desses uivos, deparei-me com um dado mítico anteriormente desconhecido por mim: a relação intrínseca entre o som da flauta e as górgonas.

À Atena creditava-se ainda a invenção do torno de cerâmica, dos primeiros vasos e da flauta. Adorava o som do instrumento, o qual dizem ter sido inspirado pelas vozes queixosas das outras górgonas após a morte de Medusa, embora outro relato alegasse que a flauta imitava o lúgubre ruído sibilante feito por Medusa enquanto sua garganta era cortada. (WILLIS, 2007, p. 136)

Sim, minha sereia, de fato, possui um canto medusante que permeia todas as cenas, como se sempre se ouvisse esses queixumes de górgona. Mas, ao longo do processo, passei a associar o uivo com outros movimentos articulares, em especial os movimentos parciais dos metacarpos e falanges, que, em um primeiro momento, faziam alusão ao dedilhado de uma flauta. Entretanto, ao longo dos laboratórios, esse dedilhado foi tomando também a função de abertura do espaço, o qual estava aberto para a entrada de mais uma das deidades, Aurora.

A Aurora escultórica já adentrara o processo criativo através de seu olhar infantil ascendente e, no próximo subtópico, peso, tratarei com mais detalhes das interessantes singularidades dessa imagem dentro deste processo. Vale ressaltar aqui que o estado de presença, refinando minha atenção ao espaço e ao meu próprio olhar, possibilitou-me a apropriação daquele olhar de criança, de menina, que vislumbra curiosa e inocente uma diagonal alta. Aurora é uma das representantes do “ciclo claudeliano das menininhas”.

Reine-Marie Paris de La Chapelle, sobrinha-neta e atual curadora da obra de Camille Claudel, realizou uma interessante análise sobre a presença dessas diversas facetas femininas na obra da artista, dividindo-a em espécies de fases, as quais, sabiamente, nomeou “ciclos”. Isso porque tais ciclos temáticos não se dão de maneira cronológica ao longo da carreira de Camille Claudel; ao contrário, vão coexistindo, surgindo e ressurgindo ao longo de toda a sua obra.

A exemplo do Rodin das encomendas públicas, criador de inúmeros Burgueses de Calais, Vitor Hugo, Balzac, e tal como seu irmão Paul produzindo ao longo de sua vida várias versões de um mesmo drama, Camille Claudel retoma durante vários anos o mesmo tema, para aprofundá-lo e aperfeiçoá-lo. Estas variantes modificam progressivamente a visão inicial do tema, e este trabalho de metamorfose revela a gestação de verdadeiros ciclos que atravessam toda a sua obra. Impõem-se assim seis ciclos: o das menininhas, das bisbilhoteiras, das velhas, das suplicantes, das dançarinas e das amantes. (CHAPELLE, 1998, p. 62)

A Aurora claudeliana é de fato uma menina que me impressiona, a priori, pelo seu olhar. Mas, com o trabalho do tema corporal articulação, outra característica da obra toma especial importância para a inspiração do meu ‘poema dançado’: os seus “dedos cor-de-rosa”. Esses dedos que, a princípio, eram dedos de uma flautista, se metamorfosearam em dedos de criança, que abre espaço na noite para a passagem do carro do sol. É a narrativa mítica da deidade Aurora que adentra o processo.

Conforme dito anteriormente, tratarei dessa imagem mítica e escultórica com mais detalhes no próximo subtópico, sendo interessante destacar aqui o surgimento da Aurora (escultórica) pela via do olhar infantil e a constante imagem dos dedos cor-de-rosa da Aurora (mítica), que surge por meio do trabalho com o tema corporal articulações.

Esse tema, articulações (mais precisamente o movimento parcial da mão esquerda ondulando solitária), também propiciou a entrada de uma das representantes do último ciclo claudeliano: o das amantes. Trata-se de uma figura singular que não possui mais seu objeto de amor: Níobe Ferida.

O último ciclo, o das amantes, abre e encerra toda a obra com a mesma trágica metamorfose. Em 1888, Sakountala, a filha de Brâmane, se entrega a seu príncipe Douchanta no Abandono do perdão que se segue à traição do amante. Camille retoma em mármore este tema da reconciliação do casal sob a forma da lenda latina Pomona, a deusa dos jardins, e de Vertumno, disfarçado como sátiro. Mas em 1906, quando por fim o Estado aprova sua primeira encomenda em bronze, Camille, cansada e exaurida, prefere, com a ajuda de Armand Dayot, utilizar sua antiga Sakountala, que o ministro se havia recusado a encomendar em mármore. Reveste a princesa hindu de uma cabeleira que cai solta, faz desaparecer o amante Douchanta ou Vertunmo e atravessa seu coração de Níobe com a flecha do arqueiro Apolo. Então a amante solitária desaba no vazio, não mais sustentada por um braço de homem, mas pelo cepo de uma videira. (CHAPELLE, 1998, p. 64)

No trecho anterior, Chapelle se refere às variações realizadas por Camille Claudel acerca do tema do ciclo das amantes e, curiosamente, todas as três obras – Sakountala, O Abandono e Níobe Ferida – possuem inspiração mitológica. A primeira versão realizada foi intitulada Sakountala, fazendo referência à lenda indiana na qual Sakountala é casada com o rei Dushyanta que se ausenta do convívio da esposa em função da guerra, mas entrega-lhe um anel e promete nunca a esquecer. No entanto, durante sua ausência, um sábio amaldiçoa Sakountala de maneira que o rei a esquecesse. Ele só se recordaria da esposa caso lhe mostrasse algo que lhe foi dado por ele. Mas Sakountala perde o anel, não podendo ser, portanto, reconhecida pelo seu amado. Envergonhada, isola-se na floresta, onde dá à luz um filho do casal sozinha. Somente no Nirvana é que o casal se reencontra e se reconcilia. Camille Claudel reconta essa história, retratando, em formas escultóricas, o reencontro amoroso de reconciliação desses dois amantes distanciados por uma maldição. Corpos que se abraçam e, nesse único gesto, recontam uma longa narrativa mítica.

Figura9-Sakountala Camille Claudel Figura 10 - O Abandono ou Vertumno e Pomona Camille Claudel

Saída da lenda hindu de Kalidasa, Camille Claudel eternizou esta troca da súplica e do perdão que constitui uma reconciliação. O homem implora, de joelhos, os calcanhares juntos, um braço em suspenso, já um convite à valsa, na ânsia de estreitar as ancas desejadas; o outro, como um esteio, sustenta um corpo e seu destino. A mulher rejeita seu assento de cepo de videira e, com o pé no vazio, o corpo fora de equilíbrio, confia em seu amante para encontrar o apoio e o impulso para levantar-se. Uma mão defende ainda um seio e este ventre grávido de futura mãe; a outra pende como cacho de uvas maduro. As pálpebras estão cerradas sobre a gravitação da felicidade, os dois corpos se unem não pelas mãos ou os lábios, mas por esta fronte de mulher que absolve e estes olhos de homem cego pelo peso de uma cabeça querida. E a boca masculina murmura ao seu ouvido este segredo de ternura que rompe qualquer sacrifício. (CHAPELLE, 1998, p. 78)

A segunda versão é chamada de O Abandono ou ainda de Vertumno e Pomona. Diferencia-se muito sutilmente de Sakountala, apresentando uma discreta alteração no ângulo da cabeça da figura feminina, que repousa sobre a masculina, e sutis diferenças no modelado das cabeleiras. Vertumno e Pomona também narra uma saga mítica de comunhão de um enlace amoroso, sendo que Pomona, a guardiã das árvores frutíferas, era tida como uma ninfa inatingível, muitíssimo cortejada por faunos, sátiros, deuses e semideuses que, no entanto, permaneceu sempre só e casta. Então, Vertumno, o deus das estações, o mais apaixonado de todos os pretendentes, tendo o poder de mudar de forma, utiliza-se dos mais diversos disfarces para tentar conquistar a amada que nunca cede. Até que, depois de muitos anos de persistência, Vertumno se revela à Pomona da maneira como verdadeiramente é e, finalmente, ela se apaixona.

Novamente, Camille Claudel retrata a história com o gestual do instante anterior ao abraço de conquista. Mas, em Níobe Ferida, o instante retratado é aquele anterior à queda, visto que o amante já não se encontra. A postura de Níobe é a mesma de Sakountala e de Pomona, entretanto, sem o apoio masculino, se pendura ao cepo de uma videira realçando ainda mais a mão esquerda que flutua no vazio.

Níobe, orgulhosa de sua prole de sete filhos e sete filhas, dizia-se superior a Leto, que só tivera dois: Apolo e Ártemis. Irritada e humilhada, a mãe dos gêmeos pediu- lhes que a vingassem. Com suas flechas certeiras, Apolo matou os meninos e Ártemis, as meninas. [...] A infeliz mãe, desesperada de dor e em prantos, refugiou- se no monte Sípilo. Reino de seu pai Tântalo, onde os imortais a transformaram num rochedo, que, no entanto, continua a derramar lágrimas. Do rochedo de Níobe, por isso mesmo corre uma fonte – “rochedo donde escorriam lágrimas intermináveis” (BRANDÃO, 1991, p. 175)

Níobe é a última obra de Camille Claudel e simboliza uma metamorfose escultórica dentro de uma metamorfose mítica. Mais uma vez, as mudanças de forma me fascinam e o trabalho com as articulações propiciou-me transitar pelas transformações de um corpo de sereia, para um de menina e para outro de amante, que se transmuta em rochedo e

continua poeticamente se transformando ao longo da minha dança. Esta vai, aos poucos, recontando e entrelaçando todas essas histórias.

Um exemplo é a cena retratada nas imagens a seguir, na qual, em um primeiro momento, desenho a mímese da imagem escultórica Níobe Ferida, com a mão direita protegendo o seio direito e a esquerda flutuando no vazio da ausência de um amante. Mas, aos poucos, esse corpo de Níobe vai se movimentando, impulsionado pelo tema das articulações em movimentos parciais, até que, em uma extensão da coluna, assume o assobio uivante de sereia, tocadora de uma flauta inexistente.