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Bacon, Steven Spielberg e o cinema-catástrofe

No documento O Cinema Pensa, Julio Cabrera (páginas 91-116)

I - Introdução

Na história da iloso ia, a noção de natureza sofreu uma reviravolta fundamental, de uma visão sacralizada e miti icada, na qual aparece cheia de deuses e de forças ligadas magicamente com o mundo humano, ou como o Princípio fundamental de onde tudo surge, à visão moderna da natureza, guiada pela observação sistemática e controlada pelo Método Experimental. De certa forma, as duas visões da natureza introduziram nela um elemento controlador: no primeiro caso, porque ela era relacionada com um tipo de realidade “moral” humana. A natureza proporcionava uma essência a ser realizada, um critério de sucesso e de fracasso, um ponto de referência a partir do qual se podia julgar o êxito de um objeto, inclusive o objeto humano. No segundo, porque a natureza se rendia, em última análise, às leis da matéria, apesar de sua aparência múltipla e mutável.

As modernas técnicas de manipulação da natureza – incluindo plantas e animais – inauguram um novo ponto de vista a respeito dela, a natureza passa a ser regulada pelas leis que os homens impõem, através do controle das regularidades empíricas. Os grandes sucessos do Método Experimental nos convencem de que a natureza responde a nossas interrogações, acomoda-se a nossas legalidades satisfazendo em grande medida as expectativas formuladas por nossas hipóteses. Aqui se rompe todo vínculo com um plano moral ou antropomór ico. Mas, de qualquer forma, o elemento controlador da natureza é renovado, é reformulado agora sobre bases cientí icas. O que antes os deuses conseguiam, agora consegue a ciência: regular nossas relações com a natureza, diminuindo seu potencial ameaçador.

II

Tubarão (EUA, 1975) e Parque dos dinossauros (EUA, 1993), de Steven

Spielberg.

Os terríveis direitos dos animais ofendidos. Relatório sobre catástrofes.

O cinema mostrou a natureza das formas mais variadas e ousadas, mais complicadoras e terríveis. Mas ela foi vista também, principalmente, sob seu aspecto controlado, manso e estético, como nos ilmes sublimados de James Ivory ou no insuportavelmente belo Barry Lyndon (1975), de Stanley Kubrick, ou no mais recente Nada é para sempre (1994), de Robert Redford. Esta natureza estetizada, sempre presente nos ilmes “bonitos” (seria impossível imaginar, por exemplo, a princesinha Sissy fora do âmbito de um parque intensamente verde, cheio de passarinhos e esquilinhos), contrasta com a natureza violenta, reivindicativa, ofendida e ofensiva, aquela que descarrega sua força colossal nos que a ignoram ou a interpretam mal, como mostrada pelo cinema-catástrofe, obras que exibem o descontrole da natureza, o fracasso das leis cientí icas e a volta compulsiva e inesperada a algum tipo de terror religioso: a natureza como

problema. Ela não aparece mais como princípio oculto, ou como vinculada

com nossos desejos ou nossas hipóteses cientí icas. A natureza, de inida de uma forma tão íntima e tranquilizadora, acaba paradoxalmente transformando-se em uma força estranha e hostil.

Os intelectuais viram sistematicamente o cinema de Steven Spielberg como “super icial”, “piegas” e “comercial”. Mas, mesmo quando estas avaliações foram corretas, não seria suprimido com isso seu caráter

ilosó ico, que é só o que interessa aqui. (Recordemos que o conceito- imagem não é uma categoria estética.) Sim, os ilmes de Spielberg são leves. Mas são também incomparáveis do ponto de vista visual, por sua extraordinária concepção da imagem e pela grande capacidade de afetar o olho humano com o que parecia in ilmável, incaptável, impossível de conceber. Esta visão do Extraordinário é retratada na famosa saga de Indiana Jones e sobretudo naquela memorável cena de Os caçadores da

arca perdida (1981), na qual Indiana cai pelo lado da carruagem que corre

a toda velocidade, agarra o eixo inferior e volta à carruagem pelo outro lado. Isto me parece um símbolo de tudo o que este ilósofo “super icial” disse a respeito do mundo através de seus conceitos visuais: a irrupção do impossível em meio ao cotidiano, um impossível que, apesar de tudo, é

realizado por um ser humano que se eleva acima de sua natureza.

A partir do que dizem-mostram os ilmes de Spielberg – e especialmente os dois de que nos ocupamos neste capítulo –, pode-se ver este diretor como um dos que melhor formularam o con lito entre a natureza-princípio e a natureza controlada pelo método cientí ico, com uma clara preferência pela primeira e uma crítica aberta à segunda. Neste sentido, o ilósofo Spielberg poderia ser visto, se não como um autêntico jônico, pelo menos como alguém preocupado em mostrar as consequências surpreendentes e trágicas do esquecimento da natureza como princípio de todas as coisas, contra a natureza entendida, na linha de Bacon, única e exclusivamente como objeto da tecnologia avançada e da exploração tecnoeconômica.

Como veremos no próximo exercício (sobre Descartes e a Dúvida radical), o conhecimento pode ser entendido como uma forma de devorar. Quando aplicamos nossas categorias ao mundo, em certo sentido queremos comê-lo, incorporá-lo a nosso soma, digeri-lo. (Usam-se frequentemente metáforas digestivas na teoria do conhecimento, como quando se fala em “digerir um texto” ou de um texto “indigesto” etc.) O cinema de Spielberg mostra como podemos ser digeridos pela natureza sem que sejamos conhecidos por ela; ao contrário, sendo tratados como absolutamente “qualquer coisa”. A natureza pode nos devorar sem nos conhecer, de forma anônima e impessoal (como o menino devorado pelo “tubarão assassino”, que só pode ser chamado assim por injusti icada licença expressiva, totalmente antropomór ica). Em vez de mostrar o homem como sujeito (de conhecimento, de controle), ele é mostrado como um objeto necessitado, como algo submetido a um processo que o supera e desenreda, transformando-o em outra coisa (alimento, resíduo), quer aceite isso ou não. O tubarão tem a irritante característica de ser uma força que não nos pergunta nada, que aparece para simplesmente devorar e desaparece até atacar a próxima vítima (ele é de inido pelo baixinho Hooper [Richard Dreyfus] como “uma máquina de devorar e de fazer novos tubarões”), uma força que ignora olimpicamente todos os nossos valores, a importância de nossos sentimentos mais caros e a solene impostura de nossa Cultura Superior. Somos de novo nivelados pela natureza, apesar de séculos de civilização, eleitos por ela para a destruição sem que possamos fazer nada, apesar de todos os nossos aparentes progressos espirituais.

A chamada “luta contra a natureza” não segue a lógica sujeito-objeto, como se a natureza fosse uma força totalmente exterior e objetiva contra a qual lutamos de forma frontal e nítida. Em todas as obras de Spielberg

(pelo menos nas obras do que chamo de seu cinema animal), o con lito com a natureza é mediado estritamente pelos dramas humanos e vice-versa, natureza e humanidade são projetadas uma na outra de formas complexas. O con lito com a natureza é inevitavelmente o con lito dos homens consigo mesmos; o “tubarão assassino”, na verdade, pode ser visto como um prolongamento monstruoso de tudo o que não funciona bem nas relações humanas do pequeno povoado onde se desenrola a ação. O tubarão provocou os con litos que já estavam presentes sem ele: a proteção da natureza, o interesse turístico, o con lito de valores, a solidariedade, a falsa coragem. Talvez o tubarão mostre como, através da natureza (concebida como objeto de exploração sem restrições), os homens podem chegar a se devorar ou a ser devorados por sua própria ignorância ou por seus próprios conhecimentos, quando são desmedidos e imprudentes. O simbolismo spielbergiano mostrou isto claramente nos dois ilmes de que nos ocupamos neste capítulo, nos quais a natureza (o tubarão, os dinossauros) sempre devora o cético, o autossu iciente, o homem seguro de si, o esportista frívolo, o baconiano explorador da natureza.

O interesse ilosó ico do cinema de Spielberg está no que ele diz a respeito da natureza nessa dupla dimensão de “princípio” (como nos “ ísicos” gregos) e de “objeto manipulável” (como em Bacon), natureza simbolizada principalmente por animais que se voltam de modo selvagem e irreprimível contra o animal humano. Alguns dos principais ilmes de Spielberg são ilmes de animais, mas não de “monstros”, como poderia parecer. (Quando a menina de Parque dos dinossauros grita: “Cuidado! Vai atrair o monstro!”, o dr. Alan Grant [Sam Neil], especialista em escavações arqueológicas, responde: “Não é um monstro, é um animal.”) Em Tubarão, o oceanógrafo Hooper diz, maravilhado, que o chamado “tubarão assassino” é, na verdade, uma máquina maravilhosa, um milagre biológico, uma espécie de portento. São cientistas que ainda não se deixaram “baconizar” totalmente, que ainda conseguem se maravilhar diante daquilo que causa nos outros horror ou simples curiosidade de colecionador. Brody (Roy Scheider), o chefe de polícia, embora não possua os conhecimentos técnicos de Hooper, mantém sempre uma atitude humilde e temerosa, de respeito ao tubarão-natureza.

Na realidade, o tema fundamental de toda obra ilosó ica de Spielberg é o problema do Outro e as di iculdades para reconhecê-lo como Outro (a lição que as crianças de E.T. ensinam aos adultos). No caso dos ilmes que estamos comentando, o Outro é, pelo menos explicitamente, uma força da natureza, mas propicia uma re lexão a respeito da “outredade” (o fato de

ser outro) do outro. A “monstruosidade” do tubarão (assim como a do extraterrestre de E.T.) não é real nem dada objetivamente, mas construída como um efeito distorsivo de uma determinada visão de mundo que transforma o Outro (o que não se entende, o que não pode ser assimilado) em “monstruoso”. O tema do Outro é retomado por Spielberg em Contatos

imediatos do terceiro grau e também em seus ilmes mais especi icamente

dedicados a animais humanos – como A cor púrpura, Império do sol e A lista

de Schindler – só que, nestes casos, a “outredade do Outro” não é

representada por animais grandes e ferozes, mas por negros, inimigos bélicos ou judeus. Poderíamos generalizar a frase do dr. Grant em Parque

dos Dinossauros e dizer: “Não é um monstro, é um negro”, “Não é um

monstro, é um judeu” (mas também: “Não é um monstro, é um nazista”? Há limites para a tolerância para com a “outredade do Outro”? Em última análise: “Não é um monstro, é um ser humano”?).

Neste sentido, o cinema de Spielberg nada tem de estritamente “humanista”, precisamente porque nele os seres humanos são mostrados como um tipo particular de animal, com uma determinada relação com a natureza, como um bicho entre bichos. Nada de demasiadamente excepcional, e o que é excepcional não é bom. O tubarão acaba sendo morto, mas os dinossauros não, eles conseguem expulsar os seres humanos do parque, como os pássaros de Hitchcock expulsam os habitantes de Bodega Bay. Trata-se de eventualidades, de lutas entre grandes animais: uns ganham, outros perdem. O animal humano ganha algumas lutas, perde outras. No cinema de Spielberg, não há um humanismo triunfante, e talvez esta seja uma explicação subliminar para sua condição de rejeitado e de maldito em seu próprio país, pelo menos até o bem-sucedido A lista de Schindler, que esboça, pela primeira vez, um humanismo capenga que não convence a quem conhece sua obra profundamente.

É preciso ter a perversidade imaginativa de um menino (sobretudo de uma criança pequena) para perceber que o tubarão do ilme não é, verdadeiramente, um tubarão (assim como os pássaros de Hitchcock não são realmente pássaros). Creio que as crianças percebem intuitivamente, de imediato, que o tubarão do ilme não é um tubarão, e a prova disso é que os adultos se assustam com o tubarão, enquanto as crianças riem, desfrutam e se assustam como parte de um jogo. Acima de tudo, interessam-se pelo sangue das vítimas, adoram icar nervosas e ver corpos esquartejados. A força descomunal de uma natureza ferida e desrespeitada poderia ter sido representada por qualquer outro animal e

seria a mesma coisa. O tubarão é, simplesmente, essa natureza com a qual o homem se compraz em brincar perigosamente, natureza que acaba se vingando de forma sangrenta, mas com um sangue no inal das contas inocente, muito mais inocente do que o do agressor.

O tubarão inalmente é destruído, mas não de qualquer maneira. Por exemplo, a maneira do arrogante Quint não é a adequada. Quint é devorado. Spielberg parece dizer: esta não é a atitude certa. Quint é a representação do conceito-imagem da “soberba autossu iciente diante da natureza”. Isto é condenado no texto de Spielberg. A natureza zomba desse tipo de atitude. Alguém poderia dizer: Quint poderia ter matado o tubarão, assim como matou muitos outros antes. Mas Quint admite, em certo momento, que nunca viu um tubarão tão grande. É como se a natureza esperasse seu momento, enviasse um emissário maior e melhor para acabar com algumas ameaças especialmente perigosas. Quint certamente é uma espécie de monstro, com sua casa literalmente enfeitada por mandíbulas de tubarões. É um perigo que deve ser eliminado e que a natureza elimina utilizando um tubarão maior do que os habituais, maior do que os que Quint já matou. É claro que Quint poderia ter matado o tubarão, mas um ilósofo escolhe sua tese, seus personagens dramáticos, seus veículos ideológicos, e este Quint derrotado diz algo de iloso icamente universal, representa uma atitude possível diante da natureza, e é esta atitude – e não, estritamente, Quint – que está sendo rejeitada através dos argumentos visuais de Spielberg.

É preciso abandonar, assim, a ideia de que o que acontece em um filme é contingente, como se fosse um “pedaço da realidade”. O que acontece na realidade é contingente, mas não sua imagem cinematográ ica. A imagem é tão seletiva e tendenciosa como a ideia, como qualquer outra apresentação de conceitos. Este Quint de Spielberg não poderia ter matado o tubarão; sua atitude estava condenada de antemão, porque ele não é uma pessoa real, mas um particular que aponta para um conceito, para um universal.

Outro conceito-imagem presente no ilme é “atitude de respeito e temor diante da natureza, sem excluir as metodologias cientí icas”. Isto é representado por Hooper e Brody em Tubarão. É signi icativo que nos

ilmes de Spielberg não exista nenhum personagem que represente a total rejeição da ciência ou da tecnologia (sem as quais, diga-se de passagem, o próprio cinema de Spielberg seria inimaginável). A ciência sempre é aceita como um procedimento racional plausível. Mas a perspicácia elementar, o senso comum e as pequenas qualidades humanas continuam sendo indispensáveis. Finalmente, Brody destrói o tubarão metendo um explosivo

em sua boca e dando-lhe um tiro depois, um tiro certeiro, cheio de esperança, um tiro de ri le, uma arma comum, antiquada, não eletrônica, não automática, mas usada de modo inteligente. A universalidade da tese de Spielberg sobre a natureza deve ser buscada nestes conceitos-imagem. O ilósofo parece dizer: nada contra a ciência. Mas ela ainda deve aprender a conviver com o Extraordinário, como o raio que desativa bruscamente nossos computadores. É preciso recordar que somos animais e que outros animais ainda nos ameaçam de formas totalmente primitivas. Que a ciência do controle total da natureza reduza um pouco sua arrogância desmedida, sem que a racionalidade deva por isso ser diminuída.

Assim, nos ilmes de Spielberg, há dois tipos de cientistas: uns são cientistas da natureza-princípio, ilósofos que representam o ideário do próprio Spielberg: o dr. Ian Malcolm (Jeff Goldblun) e os paleontólogos Grant e a dra. Sattler (Laura Dern) de Parque dos dinossauros , o oceanógrafo Hooper de Tubarão, o dr. Lacombe (François Truffaut) de

Contatos imediatos do terceiro grau e até o próprio Indiana Jones (Harrison

Ford), da série iniciada com Os caçadores da arca perdida , que também é um professor (embora muito pouco acadêmico!). Eles respeitam a natureza e sentem uma curiosidade não manipulativa (uma atitude “pré-socrática”) para com ela. Os outros são, por sua vez, os cientistas da natureza-objeto, os baconianos rigorosos, os dispostos a “torturar a natureza para lhe arrancar os segredos”, segundo uma expressão do próprio Bacon. Estes cientistas são, por exemplo, o milionário John Hammond (Richard Attenborough) de Parque dos dinossauros , os que capturam o extraterrestre para submetê-lo a testes cientí icos em E.T., preocupados com o progresso máximo das possibilidades cientí icas até o limite de sua criatividade ou com a exploração econômica dessa questão. Também os empresários da natureza, os que se interessam por animais, praias ou extraterrestres somente do ponto de vista comercial (Donald, o advogado de Parque dos dinossauros ; o governador de Tubarão, sr. Vaughn [Murray Hamilton]). E por im os “esportistas”, que depreciam a natureza a sua maneira (o autossu iciente e vaidoso caçador de tubarões de Tubarão, Quint [Robert Shaw]). Todos estes, Spielberg, em geral, faz com que morram devorados pelos animais do ilme, em uma atitude tipicamente infantil: imaginar que nossos inimigos morram de formas horrorosas. Quase sempre quem deprecia a natureza acaba sendo devorado por ela, completamente superado por sua força, enquanto “os bons cientistas” se salvam, aqueles que ainda são capazes de adotar alguma atitude de sacralidade e de respeito diante da natureza.

Vale a pena lembrar o encontro destes dois tipos de atitude diante da natureza em Parque dos dinossauros . Quando é informado de que os dinossauros criados na ilha de Hammond são apenas fêmeas, para impedir a reprodução descontrolada, o dr. Malcolm comenta: “John, esse tipo de controle é impossível. A teoria da evolução nos ensinou que a vida não pode ser contida. A vida se liberta, cruza fronteiras, rompe barreiras. Dolorosa ou perigosamente, mas é assim. A vida sempre encontra um jeito.” E mais tarde, durante o almoço em que o advogado e Hammond planejam alegre e despreocupadamente a exploração comercial do parque, Malcolm insiste: “A falta de humildade diante da natureza que percebo aqui me deixa chocado. Não vê o perigo intrínseco do que está fazendo? Usa o poder da genética como um ilho usaria o revólver do pai. Não precisou de disciplina para obter esse poder cientí ico. Simplesmente leu o que outros escreveram e deu o primeiro passo. Não adquiriu o conhecimento, portanto, não se considera responsável. Apoiou-se nos ombros de gênios para fazer uma coisa rapidamente. Antes de saber do que se tratava, patenteou, envolveu em uma merendeira de plástico e agora está vendendo. Só se preocupou se podia fazer, não se devia fazer. Os dinossauros tiveram sua chance, a natureza os escolheu para a extinção.” E o dr. Hammond responde: “Não entendo essa atitude, especialmente da parte de um cientista. Como podemos deixar de agir diante de uma descoberta?” Ao que Malcolm replica: “São atos violentos, que ferem o que exploram. As descobertas violam o mundo natural.” O dr. Grant reforça: “Dinossauros e homens, duas espécies separadas por 65 milhões de anos de evolução, de repente vivendo juntos. Como ter alguma ideia do que podemos esperar?”

Tanto Tubarão como, especialmente, Parque dos dinossauros , fazem sentir fortemente que, apesar dos computadores e da alta tecnologia, nós, seres humanos, estamos sempre prontos para cair, de um segundo para outro, em uma situação absolutamente primária, de sobrevivência pura, na qual não nos valem de nada nossas artimanhas tecnológicas nem nossas sutilezas intelectuais, mas sim nossa astúcia mais primitiva, a velocidade de nossas pernas e a argúcia de nossa inteligência prática.

É curioso que Hollywood tenha sido sempre indiferente ao cinema naturalista de Spielberg, como se esse naturalismo, esse extraordinário cinema animal, fosse visto como altamente subversivo, enquanto ele agora é glori icado por um de seus ilmes aparentemente “sociais” (A lista de

Schindler), um ilme que substitui os animais não humanos por animais

prejudiciais. É premiado agora simplesmente por ingir que nossos males são sociais e não naturais? Será que Schindler não mostra animais, mas a animalidade do homem, na pior de suas expressões? Mas isto poderia constituir uma desvirtuação profunda da iloso ia spielbergiana do animal, porque esta aparecia – em seus ilmes sobre animais – sempre como uma força natural pura e inocente, mesmo em sua pavorosa destrutividade. Chamar “animalesca” uma conduta humana como a nazista é ofender a animalidade, tal qual mostrada em toda a obra anterior deste diretor- filósofo tão singular.

Relatório sobre catástrofes

Nos chamados “ ilmes-catástrofe”, podemos estudar as relações trágicas dos seres humanos com todos os elementos primordiais dos “ ísicos” gregos – Água, Fogo, Ar e Terra –, quando eles escapam inesperadamente do controle humano. Trata-se de ilmes que enfocam “situações-limite” (na expressão do ilósofo alemão Karl Jaspers) ou de calamidades de dimensões tais que permitem que as relações do homem com a natureza possam ser estudadas em toda sua pureza, enquanto icam habitualmente dissimuladas ou ocultas nas relações normais cotidianas. Cada elemento

No documento O Cinema Pensa, Julio Cabrera (páginas 91-116)