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CAPÍTULO 1. FUNDAMENTOS TEÓRICOS

1.3 SEQUÊNCIA DIDÁTICA

1.3.1 Bakhtin e a teoria da enunciação

Bakhtin, pela obra “Estética da Criação Verbal” (1992), fundamenta um novo significado para a linguagem e a importância do uso social da mesma. Também define o que é gênero discursivo e suas possibilidades de interação entre os sujeitos e seus enunciados. Dolz & Schneuwly (2004) pode-se dizer que didatizaram a teoria proposta por Bakhtin, levando os gêneros para a sala de aula, dialogando didaticamente com a teoria bakhtiniana. Já Délia Lerner trabalha com os tipos de modalidades didáticas, definindo e diferenciando-as em projetos, sequência didática e atividades permanentes.

1.3.1.1 A teoria dos gêneros discursivos

Bakhtin (2003) faz uma diferenciação entre as concepções de língua e linguagem. A língua, numa visão mais tradicional, pode ser entendida como se o símbolo linguístico representasse um significado fixo, acabado, dicionarizado, estanque. Mas, para Bakhtin, a linguagem é mais do que os símbolos. O autor postula que o signo linguístico não apresenta nem a visão isolada em seu significado e nem uma visão individual, já que o signo é ideológico e seu sentido se dá a partir das interações existentes entre as pessoas que utilizam deles e que dão significados a eles conforme uma dada situação, um contexto. Uma palavra pode ter um significado em uma situação e, em outra situação, a mesma palavra pode assumir outro significado e isso varia de acordo com a interação social entre os interlocutores. Por exemplo, quando um interlocutor tira suas conclusões sobre a leitura realizada, esta pode ser diferente para outro interlocutor que assume conclusões diferentes. Assim, pode-se admitir que as interações verbais se constroem a partir do uso dos signos ideológicos num situação dialógica.

O mesmo autor remete ao fato de que a língua é utilizada nas mais diversas

esferas da atividade humana (Ibid., 2003, p. 279). Esfera, neste sentido, representa

os locais, as situações, as instituições em que utilizamos a linguagem por meio de uma dada língua para fins de comunicação. Por exemplo, estar na sala de aula é diferente de estar no pátio do colégio, de estar esperando uma consulta médica ou de estar na fila da padaria. Para cada situação, para cada contexto, a interação ocorre diferentemente e as palavras assumem significados pertinentes àquela situação de comunicação.

No que diz respeito à utilização da língua, Bakhtin (Ibid, p. 279) nos diz que ela ocorre em forma de enunciados (orais e escritos), concretos e únicos, nas mais diversas esferas da atividade humana, como na escola, na política, no jornalismo etc. Assim, sobre enunciado e gênero do discurso, Bakhtin (Ibid, p.279) diz que:

[...] O enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de cada uma das esferas, não só por seu conteúdo e por seu estilo verbal, ou seja, pela seleção operada nos discursos da língua – recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais, mas também, e sobretudo, por sua construção composicional. Esses três elementos (conteúdo temático, estilo e construção composicional) fundem-se indissoluvelmente no todo do enunciado, e todos eles são marcados pela especificidade de uma esfera de comunicação. Qualquer enunciado considerado isoladamente é, claro, individual, mas cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que denominamos gêneros do discurso.

Quando o estudioso em questão se refere a enunciados relativamente

estáveis, entende-se que os enunciados possuem características que nos dão

indícios de que os textos estão divididos em tipos, denominados pelo autor como gêneros discursivos. Como exemplo, podemos perceber que entre as receitas médicas há características mais ou menos semelhantes, por isso essa noção de estabilidade relativa, proposta por Bakhtin.

O autor esclarece que existem infinitas variedades de gêneros do discurso (palestra, seminário, romance, bilhete, conto, poesia, artigo de opinião, notícia, carta, problemas matemáticos, enigmas etc.), pois as esferas das atividades humanas também são inúmeras. Para cada gênero há um modelo relativamente estável de enunciado, todos eles situando-os numa visão bakhtiniana são delineados por três dimensões essenciais que são os conteúdos, a estrutura comunicativa e as configurações específicas das unidades linguísticas (BAKHTIN, 2003, p.143), o que

faz do problema matemático um gênero discursivo, por apresentar características próprias.

É importante salientar, ainda, a diferença essencial entre o gênero primário e o gênero secundário. O gênero primário está relacionado ao cotidiano, ao corriqueiro. Modos de diálogo, uma conversa informal na entrada do cinema, um atendimento personalizado, um bilhete, uma conversa ao telefone, entre outras formas de comunicação; constituem gêneros discursivos menos elaborados e de fácil domínio pelos falantes de uma língua.

O gênero secundário é um gênero mais complexo, aparece em comunicação cultural, nas esferas científicas e políticas, além de outras. Esses gêneros estão numa dimensão ensinável, portanto, pode-se aprender através de movimentos sistematizados. Alguns exemplos de gêneros secundários são apresentação de seminário, uma declaração, um atestado médico, uma tradução científica, um romance. Bakhtin (2003, p.281) nos diz ser uma comunicação mais evoluída e complexa, salientando que:

[...] durante o processo de sua formação, esses gêneros secundários absorvem e transmutam os gêneros primários (simples) de todas as espécies, que se constituíram em circunstâncias de uma comunicação verbal espontânea. (2003, p.281)

É também nos usos da língua que ocorre um movimento de enunciados anteriores e posteriores (ecos de enunciados passados, lembranças), chamado bakhtinianamente de polifonia. A polifonia une diversas vozes que permeiam nossas enunciações, criando mecanismos necessários tanto ao entendimento da mensagem pelo interlocutor, além do reconhecimento do gênero utilizado para um dado fim comunicativo.

Já o caminho do enunciado visa o encontro de respostas e para isso deve ser pensado estrategicamente. A quem se destina um determinado enunciado? Como o elaborador imagina a atitude responsiva ativa do destinatário? Qual o objetivo da enunciação? (Ibid., 2003, p.320).

Esses questionamentos vão além, já que, para que a resposta venha ao encontro daquilo que se busca, é necessário que o elaborador selecione todos os

recursos linguísticos de que necessita para instrumentalizar o caminho que se quer alcançar (Ibid., 2003, p. 320-326).