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4 CORPO E INFORMAÇÃO: emblemas de uma só carne

4.1 A Banda de Moebius e seus possíveis

Uma imagem que nos parece cara e bem ilustrativa para se compreender o direito e avesso, além de outros inúmeros fenômenos de reversibilidades citados por Merleau-Ponty (2000) – alguns dos quais, já tomamos conhecimento -, é a da Banda de Moebius. Essa possibilidade que ela nos oferece surge, exatamente, pela contrariedade em relação à geometria euclidiana, aquela que orienta nossos pensamentos com formas rígidas e perfeitas, que aprendemos desde a nossa mais tenra idade escolar. Essa realidade plana, que é a que temos como mais próxima,

encaixota nossas possibilidades de entendimento do espaço e não contribui com a reflexão

sobre os pares naquilo que eles têm de mais relevante, que são as distintas possibilidades relacionais.

(...) para Merleau-Ponty “o par é mais real do que cada um dos termos”. Não é satisfatório dizer que um dos lados vai numa direção enquanto o outro se encaminha noutra, pois, para ele “lado” ainda é uma maneira de falar e pensar cativa do espaço euclidiano onde o relevo, a diferenciação e a simultaneidade são achatados numa multiplicidade plana e projetiva. Não há pares nem lados: há avesso e direito. (CHAUI, 2002, p.44, grifo nosso)

August Ferdinand Möbius36 foi um matemático e astrônomo alemão que viveu entre 1790 e 1868. Granont-Lafont (1990) explica que Moebius37 descobriu a figura - que passara à posteridade com seu nome -, diante de um contexto que marcou a origem da topologia. A autora afirma que Leibnitz havia definido, em 1679, um novo ramo da matemática nomeado a partir do termo latino analysis situs, que, na tradução francesa para o português tornou-se estudo do lugar. Esta nova cadeira da matemática foi reforçada na ocasião do primeiro Teorema de Euler, em 1750, no qual, resumidamente, modificava-se a relação entre os volumes dos sólidos (pirâmide, cubo, etc...) e suas superfícies. O teorema teria provocado contestações que fizeram com que diversos matemáticos buscassem limites para essa nova formulação, entre os quais estava nosso personagem.

Foi diante deste contexto e trabalhando com as formas mais flexíveis de constituição do objeto, oferecidas pela topologia - no grego (topos e logos) também pode ser interpretada como lógica ou discurso dos lugares -, que surgiu um novo retrato espacial, nada convencional, evidenciado pela banda de Moebius. Vejamos na Figura 3, uma imagem clássica que a ilustra:

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Fonte: Wikipédia. Disponível em: <http:// pt.wikipedia.org/wiki/August_Ferdinand_M%C3%B6bius.> Acesso em: 10 jul. 2012.

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Figura 3 - Passeio contínuo pela banda de Moebius

Fonte: Banda de Möebius (1963), Mauritz Cornelius Escher Picture gallery. Disponível em:

<http://www.mcescher.com/Gallery/gallery-recogn.htm.> . Acesso em: 10 fev. 2010.

Admiravelmente, tudo muda na superfície moebiusiana, capaz de confundir a estrutura de nossos próprios sentidos. O psicanalista brasileiro Dias (1999), em uma comunicação registrada em vídeo38 à qual tivemos acesso, faz uma detalhada e ilustrativa demonstração não só das características, mas também da construção de uma banda de Moebius, comparando-a a um cilindro euclidiano. Aqui iremos nos deter em apenas uma dessas características, a mais relevante nas explicações que nos propomos: a unilateralidade.

Para facilitar o entendimento da ilustração, apresentaremos a seguir a Figura 4, que retrata o modelo de como fazê-la, já que um ponto diferencial da topologia é que suas estruturas podem ser operadas no nível concreto, o que permite que provas lógicas de suas peculiaridades possam ser produzidas.

38Vídeo “Revirão: Topologia da Banda de Moebius”. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=ewa-

WUK1z8s>. Acessado em: 10 jul. 2012. Trata-se de um site do you tube cujo conteúdo está disponibilizado em oito partes distintas.

Figura 4 – Banda de Moebius, construção

Legenda:

a) Etapa 1: Pegar uma fita ou outro material no Formato apresentado b) Etapa 2: Dar uma volta completa na fita em torno de seu próprio eixo.

c) Etapa 3: Colar as duas pontas da fita fazendo com que frente e verso se encontrem. Estará formada a Banda de Moebius

Fonte: Dia a dia educação. Disponível

em:http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/modules/mylinks/viewcat.php?cid=15&min=110&orderby=tit leA&show=10. Acesso em: 10 dez. 2012.

O giro na fita, apresentada na figura acima, faz dela unilateral. Para comprovar essa afirmação, como demonstra Dias (1999) contrapondo o cilindro bilátero Euclidiano, basta percorrer a fita com os dedos por um lado e perceberemos que circularemos continuamente toda a superfície da figura, em um movimento que poderia tornar-se infinito. Não há interrupções ou cortes, simplesmente, tocaremos toda a fita, em sequência, no único exercício de percorrer seu plano. O dentro e o fora perderam seus limites, foram extintos, há o uno, apenas. Assim, não temos faces diferentes, e o mesmo acontece com a borda, que também se torna única. Contornando-a, a experiência se repete e chegaremos ao mesmo resultado, no qual o único lado existente é transcorrido em contínuo. Dona de múltiplos paradoxos, apropriados de maneiras diversas por inúmeras áreas, a banda de Moebius é aqui a representação que melhor explica o direito e avesso, como metáfora da reversibilidade. Como nos esclarece o próprio Merleau-Ponty:

Falar de camadas ou faces é, ainda, achatar e justapor, sob o olhar reflexivo, o que coexiste no corpo vivo e ereto. Se o que se quer são metáforas, seria melhor dizer que o corpo sentido e o corpo que sente são como o direito e avesso, ou ainda, como dois segmentos de um único percurso circular que, do alto, vai da esquerda para a direita e, de baixo, da direita para a esquerda, constituindo, todavia, um único movimento em duas fases. Ora, tudo o que se diz do corpo sentido repercute sobre todo o sensível de que faz parte e sobre o mundo. Se o corpo é um único corpo em suas duas fases, incorpora todo o sensível e, graças ao mesmo movimento, incorpora-se a si mesmo num “Sensível em si”. (MERLEAU-PONTY, 2000, p.134, grifo nosso)

A informação é, sob nosso ponto de vista e em certa dimensão, um sensível incorporado. Nossos sentidos, sensíveis em si, reversíveis por si, nos informam – mesmo sem o uso explícito de recursos linguísticos. Assim, uma postura pode me dizer da aprovação ou rejeição de uma ideia, sem que palavras sejam pronunciadas. Um olhar bem treinado pode revelar o ponto de cozimento de um alimento, sem que o experimentemos. Um odor pode nos fazer refletir sobre uma situação de infância. Uma brisa pode tornar-se diálogo para um movimento em dança. Uma cor pode se fazer necessária a um cenário que requer mais calor. Um grupo de pessoas em movimento pode me fazer acelerar os passos, quase como instinto. A informação que aqui chamamos de sensível é essa que percebemos e que podemos traduzir no imbróglio dos sentidos, nem sempre completa em sua expressão.

A essa informação chamaremos de infosigno, para que assim seja possível diferenciá-la da informação que é essa que, tradicionalmente, compreendemos, acessamos, assimilamos, trocamos, distribuímos, organizamos, recuperamos, sempre por vias da razão e da linguagem. A proposta de diferenciar a informação enquanto infosigno vem atender os nossos objetivos metodológicos, que levam em conta os aspectos sensíveis que acreditamos existir em toda informação. De tal forma, as categorias que propomos talvez não sejam tão explícitas, mas acreditamos que possam ser vislumbradas metodologicamente. A distinção serve apenas para tornar inteligíveis as amarras invisíveis que proporemos entre a informação a gestualidade, assim sendo, poderemos apontar em que momento, na análise empírica do objeto, essas informações tendem mais para a percepção sensível ou para o pensamento lógico. No entanto, informação e infosigno são uma só coisa. O infosigno não é uma categoria da informação, mas tão somente uma interioridade que lhe pertence.

Continuaremos essa discussão no próximo capítulo, quando associaremos a essa perspectiva a cara noção da carne. O que enfatizamos, no momento, é que a informação, em maior ou

menor grau, é um sensível e, como tal, tem também o seu direito e avesso. Tendo em vista essa afirmação e a possibilidade e esclarecimentos da face única, como comprovada pela banda de Moebius, seguiremos, retomando a noção ontológica da carne, a fim de rever alguns aspectos e verticalizar outros, em uma concepção inaugural da informação que a direciona para uma constante atualização no corpo.