3. DESCRIÇÃO DOS PERSONAGENS 45
3.4 BAPHOMET 70
Baphomet surgiu em Hellpets para representar que a trindade rege o inferno. A ideia foi baseada numa cópia do dogma cristão da Santíssima Trindade, que diz que a união de três entidades (Pai, Filho e Espírito Santo) formam um Deus único. Assim, como eu já tínhamos um personagem masculino e um feminino nesta trindade, o próximo elemento deveria ter algo extraordinário, alguma diferenciação para além do gênero. A princípio, pensei na versão de dragão do próprio Satanás, a besta. Porém, essa ideia foi rapidamente descartada, pois houve receio que uma versão agressiva do mesmo diabo anulasse ou conflitasse com a figura de Lúcifer,
duplicando o personagem e confundindo os leitores.
Já que os animais eram uma temática sempre recorrente e também o foco central do projeto, seria razoável criar um personagem com as características de um demônio e que fosse um animal. E, para isto, utilizamos a mitologia dos povos e a cultura de diversos períodos da história do homem como fonte de pesquisa. Então, a partir de meu repertório pessoal obtido através da literatura e filmografia, constatei que a figura do bode parecia ser a mais interessante e que representava o diabo. Assim, voltei-me à demonologia em busca de um mito que tivesse esta
característica.
A imagem demoníaca do bode que é mais conhecida é a de Bafomé. Ela foi popularizada pela gravura de Eliphas Lévi em seu livro “Dogma e Ritual da Alta Magia” publicada em 1854 (Figura 37) e imediatamente chamou minha atenção para ser utilizada no projeto, por sua complexidade simbólica e por suas inúmeras
interpretações errôneas ao longo da história. Segundo Fernandes, Rodriguez de Sá
e Gansohr (2013)14, a imagem de Bafomé representa diversos significados
simbólicos, retirados de fontes diversas, como alquimia, gnoticismo, escatologia cristã, mitologia egípcia e grega.
14 Ilustração utilizada no artigo “Aterradora transcendência? Uma análise simbólica do Bafomé” de Eliphas Lévi, publicado em 2013 pela revista Horizonte do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, de autoria de Ermelinda Ganem Fernandes, José Felipe Rodriguez de Sá e Matheus Gansohr
Figura 37: Baphomet de Eliphas Lévi, 1854.
Fonte: www.hermetic.com.15
15 Disponível em http://hermetic.com/osiris/levibaphomet.htm. Acessado em 07 de janeiro de 2016.
O artigo também apresenta a origem do mito de Bafomé que foi o nome dado a um ídolo adotado pelos Cavaleiros Templários quando eles adoram um processo de dissolução de acordos com a Igreja Católica, no ano de 1307, e a origem de seu nome está associada às palavras ‘sabedoria’ e ‘conhecimento’, comparando-se à
vocábulos gregos ou árabes.
De fato, todos os elementos que aparecem na imagem são passíveis de
interpretação relacionada à magia e à alquimia. A androginia demonstrada pelos seios e pelo caduceu demonstram a completude do ser e sua totalidade psíquica. Existe uma representação de cada um dos quatro elementos da natureza: as asas simbolizam o ar;; a chama sobre a cabeça representa o fogo;; as escamas em sua barriga, a água;; e, o que desperta maior estranhamento é a feição mista de bode, cachorro e touro que simboliza a terra. O posicionamento de seus braços e mãos apontando luas opostas indicam o ensinamento básico do hermetismo “o que está em cima, está embaixo”. Por fim, o pentagrama na testa, apontando para cima, simboliza a inteligência humana, o domínio do espírito sobre os quatro elementos e é o principal elemento que o diferencia de uma representação qualquer de satã,
além de estar vestido nas partes debaixo.
Assim, Bafomé é um símbolo, uma representação gráfica de elementos e
ensinamentos reunidos, vinculados à ideia de conhecimento. Sua ligação com o diabo vem dos atributos físicos considerados negativos que ele recebeu na Idade Média, como chifre, rabo, e a própria caracterização de bode, que está relacionada às divindades pagãs que a Igreja Católica procurou demonizar. Desta forma, Bafomé surge de forma diferente de Satanás;; ele não é maléfico, e sim uma
entidade inocente e positiva.
Para o projeto da série Hellpets, assim como fiz com os demais personagens
demoníacos, eliminei ou modifiquei a representação de algumas características físicas que não viriam a contribuir para o desenvolvimento da série. Como, por exemplo, deixei os seios apenas insinuados, mas aumentei sua barriga para que parecesse gordinho. Também não expus as escamas de sua barriga nem seu sexo, para evitar a explicação de toda a simbologia atribuída à figura. Mantive o posicionamento dos seus braços, mas transformei suas mãos em cascos. Exceto raras exceções de roteiros em que o personagem comemora algo e levanta os dois braços, Baphomet mantém a postura do ensinamento hermético. Procurei recriar
sua expressão facial de forma caricata e, várias vezes, ele aparece sentado na mesma posição da gravura de Eliphas Levi. Não lhe atribuí asas, para não conflitar espaço nos quadros com as asas de Lúcifer, assim como retirei o pentagrama de sua testa, pois é um símbolo geralmente mal interpretado por leigos (Figuras 38 e 39).
As narrativas em que ele participa, geralmente, são com temas políticos
(Figura 40 e 41). Ele é o principal coadjuvante para as histórias de Lúcifer e Lilith e,
geralmente, apoia o diálogo e encerra os quadros com gargalhadas.
Apesar de inspirados em culturas e crenças reais, de religiões e práticas que
transcenderam o tempo, os personagens da série não têm o intuito de ensinar ou doutrinar. No caso, Baphomet é uma figura intimamente ligada ao ocultismo, deste modo, é complicado pensar numa abordagem explanatória, pois, pequena parcela da sociedade procura compreendê-lo e, geralmente, ele possui uma aura de
preconceitos que não foi adotada nas tiras da série.
Figura 38: Primeiro esboço do personagem Baphomet.
Fonte: a autora (2012).
Figura 39: Versão final do personagem Baphomet, 2012.
Fonte: a autora (2012).
Figura 40: Narrativa com caricatura do político Paulo Maluf.
Fonte: a autora (2013).
Figura 41: Narrativa com caricatura do político Marco Feliciano.
Fonte: a autora (2013).
3.5 VELHA LOUCA DOS GATOS E OUTROS PERSONAGENS
Ainda no primeiro mês de desenvolvimento dos quadrinhos de Hellpets, uma personagem em especial acabou recebendo maior projeção do que o esperando. Era para ser um personagem secundário, mas ganhou visibilidade. É a ‘Velha Louca dos Gatos’, como ficou conhecida. É uma personagem inspirada em um dos maiores problemas enfrentados no ativismo de proteção animal: os acumuladores compulsivos. Geralmente, essas pessoas iniciam o processo de adoção de animais com boas intensões ao acolher animais desabrigados, mas, com o tempo, a falta de controle de natalidade, ou mesmo a falta de limite em resgatá-los acaba gerando insalubridade no ambiente em que eles vivem. E, assim, alguns problemas são gerados como a falta de recursos financeiros para alimentação e para os medicamentos, a proliferação de doenças e até situações de maus-tratos acontecem com os animais, apesar das boas intenções de que os adotam. Além disso, esta prática passa a ter um caráter patológico e a pessoa cria um apego muito forte aos animais, que a impede de doá-los a outras famílias, deixando a
situação ainda mais problemática.
Há ainda uma continuação deste problema com a morte das pessoas que adotam estes animais. Muitos acumuladores compulsivos de animais encontram-se em idade avançada, geralmente moram sozinhos, e até mesmo por causa da falta de higiene e recursos, acabam desenvolvendo doenças e vêm a falecer. Deste modo, transferem a responsabilidade de criação dos animais aos familiares ou à comunidade, e na maioria das vezes, esses animais acabam não recebendo os
devidos cuidados e retornam às ruas e são abandonados.
Assim, como não há uma política pública à cerca da proteção ou controle de natalidade animal, tanto os acumuladores como as organizações não governamentais que procuram ajudar, ficam à própria sorte, vivendo de doações de civis e ajuda de veterinários e protetores engajados na causa. Por isso, é comum encontrarmos discussões divergentes sobre o assunto, como, por exemplo, sobre a prática de eutanásia da ONG inglesa PETA (People for Ethical Treatment of